sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Que palavras atingem o poeta?

“Meu sincero desejo é para que pessoas sejam capazes de cultivar um pouco mais de licença para criar em suas próprias vidas. Eu sinceramente quero isso para todos. Entendo que haja considerações quanto ao tempo – as pessoas olham para mim e pensam que eu trabalho duro demais, talvez por ser inusual em termos da concepção das pessoas sobre um músico de rock, que eu teria uma carga horário de trabalho normal. Mas eu acredito que organizar tempo para gastar em um estado criativo – especialmente quando vejo quanto tempo é gasto nos celulares – é algo que você pode fazer todos os dias. Acho que essa sugestão é valiosa mesmo para pessoas que fazem malabarismos com uma atordoadora carga de obrigações, com filhos, trabalho ou o que quer que seja importante em suas vidas. Mesmo se você puder encontrar apenas cinco minutos – não leva tanto tempo assim. É apenas uma questão de dizer a si mesmo que sua criação é OK, não importa qual seja.” – How to Write One Song (Como Compor Uma Música) p.21 – Jeff Tweedy, Dutton Books, 1ª edição (13 outubro 2020), tradução livre.
Ilustração por Isabella Proença


O presente é todo meu (Ou "Que palavras atingem o poeta?") – (2021)
Letra: Fabíola Passos Almeida
Música: Thales Salgado

No dia que você nasceu
Uma voz sussurrou
"Serás poeta do que não se diz"
E foi você quem escreveu

No dia em que voltei a existir
Um olho escutou
O que era oculto na escuridão
E foi você quem traduziu

No dia em que morri
Pernas alcançaram
O que era imobilidade gélida
E foi você quem correu

No dia em que ouso te escrever
Meus dedos dançam
Sob o privilégio agradecido
E é você quem avança

    Tinha 32 anos recém-feitos quando me deparei com estes versos pela primeira vez. De acordo com o aplicativo de troca de mensagens instantâneas, foram recebidos às 12h20. Faz pouco mais que um mês. Independente de eu ter lido na mesma hora, sei que por volta das 14h a melodia estava composta. Minha intenção foi retornar aos acordes de Um Conto no Jardim e emular o solo que compus aos 17 e que, até hoje, não apareceu neste blog. Não por ele ser meticuloso, virtuoso ou algo do gênero e sim por, 14 anos depois, ele ainda fazer sentido como uma das primeiras coisas que tenho registro de ter criado.

   Em 2013 eu já havia tentado algo similar ao tentar simular a melodia do refrão de Memories da Within Temptation no refrão de Todas as Cores que Você Quiser fazer com uma composição própria não só evita problemas legais imaginários como legitima a autorreferência, expediente que sempre admirei nas obras de outrem – muito provavelmente influenciado por Engenheiros do Hawaii.

   Quando conversei com a multiartista Isabella Proença acerca do que imaginava – ou não imaginava – para a ilustração, eu estava influenciado por um estudo que ela postara temporariamente aos fins de novembro.  Recordo ser uma personagem nas sombras com um foco de luz que me fez pensar que poderia representar uma ideia ou alguém tendo uma ideia. Havia uma sensação cósmica de grandeza no que não está presente. Ocorreu que a letra também a remeteu a iluminação e ela se decidiu por uma temática da relação entre estrelas e universo com nascer e morrer. Olhando para a ilustração, me pego pensando em qual a relação da personagem com os versos: ela personifica o eu-lírico ou é a destinatária? Pode ser tudo ao mesmo tempo.

   Pensando especificamente no último dia do ano é como ela estivesse recepcionando o novo em suas mãos.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

A Voz

“Então, a última, que é A Voz, eu fico imaginando uma imagem assim: como se tivesse um recanto secreto, uma sala, um lugar, um espaço interno onde está residindo o meu eu autêntico a minha voz sábia, a minha essência. Mas eu imagino como se ela estivesse dentro de um quartinho que estivesse dentro de mim, sabe? Se você imaginar uma imagem seria abrir o peito e eu não sei bem se é ali no coração – acho que não – mas ali na região do peito, sabe? Por ser o core onde como houvesse uma salinha ali dentro onde este “eu” está e fala. E aí vou imaginando essa voz saindo desta salinha e encontrando um canal para ser ouvida e acho que por isso faço uso da imagem da espinha, imaginando aquele vazio onde a medula fica, mas fazendo uma espécie de caminho. E aí acho que essa frequência do som que está ali, escondidinha, atravessando e subindo até os ouvidos, chamando a minha atenção e, por isso, consigo sintonizar e ouvir essa voz que diz para eu não me limitar por que sou caçadora de jeitos de ser, mas acho que a imagem é essa.” – Transcrição do áudio de Fabíola Passos Almeida, sobre a canção em 17 de agosto de 2021.
Ilustração por Isabella Proença



A Voz (2021)
Letra: Fabíola Passos Almeida
Música: Thales Salgado

No fundo do meu pensar
Às vezes ouço um sussurro
Escondido em meio aos gritos
Tão familiares

Minha espinha alinhada
Se torna canal que transporta
Do esconderijo aos meus ouvidos
Tão exaustos

No leve silêncio que crio
Sintonizo na frequência vocal
Que sutilmente se configura
Tão autêntica

No centro da minha alma ouço:
“Não se limita caçadora de jeitos de ser”
Encontro refúgio nesse lugar
Tão criativo

    Acho que parte do que torna parte de minha experiência com este blog diferente de um diário é o tempo entre os acontecimentos. Quando compus a melodia para esta canção, em maio, eu não tinha como prever que ela existiria. Sei que recebi os versos no dia 19 para apreciação. Tendo perdido os registros das conversas, não consigo recordar ao certo qual foi a minha reação inicial, mas este conceito de uma outra voz me interessa há muito tempo. Nunca esqueci os versos da Linkin Park em Papercut: “I don't know what stressed me first/Or how the pressure was fed/But I know just what it feels like/To have a voice in the back of my head” e me interessou em “A Voz” foi esse ser interno não esteja presente antagonizando e sim incentivando o eu-lírico a prosseguir sua busca, expandindo suas ações.
    Não era minha intenção musicar os versos. Essa parceria que iniciou no fim de 2019 com Beleza Parasita foi se expandindo a ponto de, hoje, poder ser organizado um E.P. pautado apenas nelas. Eventualmente, poderá haver versos para os quais eu não me sinta compelido a melodiar, mas isso é coisa do futuro! A minha intenção mudou quando minha mãe me mostrou o vídeo de Elimor Chico com o pássaro Urutau. Pelo que consta na Wikipedia “o nome vem do tupi uruta'gwi "ave da família dos nictibiídeos, coruja", também adaptado ao português como jurutau e urutago. Não sou grande conhecedor de pássaros, como o ornitólogo Cláudio Rogério ou mesmo o Kronk, mas nunca tinha ouvido seu som ou mesmo seus apelidos: mãe da lua ou pássaro-fantasma. De acordo com o biólogo Milton Longo, o Urutau é uma ave típica do cerrado que busca se camuflar em tocos de árvore ou postes. Pois quando ouvi o canto presente no vídeo, fiquei me perguntando se estava dessincronizado, pensando como é que o som se propaga. Excetuando esse desconhecimento tateei o violão buscando emular seu canto e encontrei as notas C, Ab, G, F, Eb, D. Ao elencar os acordes Cm Cm/Ab F eu sabia que não poderia parar e, foi assim que a melodia acabou composta no dia seguinte.
Letra original - acervo da autora

    Finda a composição, eu sabia que entraria em contato com a artista multimídia Isabella Proença para uma ilustração, mas... o que deveria constar? O Urutau? Após a arte que ela desenvolveu para Águia em 2020 eu sabia ser possível, ainda assim, não faria jus. A ave me trouxe a canção, mas o significado dos versos era totalmente da psicóloga poetisa. Além do mais, eu ainda não havia me organizado para retirar o áudio do pássaro e inserir no áudio, será que ficava clara a relação como eu enxergava?
    O título do poema ficou batendo em minha mente e, claro, o que mais faria sentido era que partisse da voz dela o que ela via. Assim, foi como cheguei ao áudio de agosto que abre este post. Isabella foi o mais fiel possível às referências visuais e, mesmo que não houvesse nada relativo, ela conseguiu transmitir uma exaustão no olhar, algo perdido e que casa com uma melancolia que, normalmente, tinge minhas composições e também se encontra em meio aos gritos tão familiares. Certamente seria uma ilustração que vestiria muito bem uma camiseta!

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Um Outro Conto no Jardim

“Então, pratique escrita livre. Escreva sem pensar. Tenho certeza haverá algumas coisas com as quais se surpreenderá, juntamente com algumas bobagens. Talvez você escreva algo que o lembrará de uma música que você já ouviu antes, mas será como você tivesse descoberto uma nova forma para dizer. Encontrar a sua própria voz é algo em que nos aprofundaremos depois, por ora, preste atenção em como você se sente ao cantar as palavras que você escreveu. Caso você se sinta levemente desconfortável, talvez até mesmo um tanto envergonhado, você está no caminho certo. Esse é o dilema em que todo mundo se encontra. Há apenas algumas coisas que qualquer um pode dizer. Então, em algum momento, seu foco terá que mudar de estar preocupado acerca de “temas” e “significados” e “sobre o que é uma música”. – How to Write One Song (Como Compor Uma Música) p.29/30 – Jeff Tweedy, Dutton Books, 1ª edição (13 outubro 2020), tradução livre.

Arte por Isabella Proença

    Enquanto reouvia a versão que Fabio Kulakauskas e Claudio Gregório trabalharam da canção, comecei a ouvir em minha mente o refrão de Sky is Over de Serj Tankian: “Even though we can’t afford/The sky is over/I don’t want to see you go/The Sky is over” ainda seja um artista que acompanho desde os tempos do System of a Down, nunca havia feito a associação entre a harmonia. Estavam ali os acordes “Gm Eb D”. Mais curioso foi pensar que o álbum de estreia solo de Serj se deu na mesma semana em que a banda Falsa Modéstia se apresentou na E.E. Esli Garcia Diniz (já falei mais disso em Interescolar). Ainda não existam registros físicos que embasem isto, não há inspiração direta. Até fui atrás do primeiro texto em que falei sobre Um Conto no Jardim no blog, há 5 anos, 3 meses e 28 dias, não há menção a esta canção.


   Não há menção nem mesmo à Juvenília, da RPM, a composição que me colocou interessado em trabalhar com o Sol Menor muito antes de eu pensar em compor a melodia para Um Caminho para o Céu, que, não por coincidência, também começou com ele. Não posso sequer dizer que foi proposital: foi a décima primeira postagem no geral e apenas a quinta em que eu falava de uma composição autoral. Uma pergunta pulsava naquele período da mesma forma que agora: a quem se destinam estas palavras? São como uma mensagem na garrafa virtual? É fácil entender o que leva alguém a visitar um blog do Humberto Gessinger, ou mesmo um livro do Jeff Tweedy, só para ficar em um exemplo nesta própria postagem, mas, quem chega até aqui, me conhece? Mais: se importa em saber os meandros de algumas composições independentes? Afinal, são coisas diferentes, há quem goste de consumir canções em playlists aleatórias, quem ligue apenas para a música, ou só para a letra, mas nem todas as pessoas se importam em saber, como canta Lenine: De onde vem a canção?

    Se há garantias de que este será o texto a explicar? eu poderia resumir como: alguns versos já com melodia vieram a minha mente, decidi expandi-los em um refrão e criar uma narrativa que desembocasse ali. Simples assim. O que é diferente do que eu mesmo disse aqui, em que tentei criar uma ordem cronológica de acontecimentos com um flashback de anos antes do ano em que os versos falam. Mas eu não sou o eu-lírico. Quando a compositora Paula Lima cantou estes versos pela primeira vez, em que ela pensava? Qual é a relação entre o material e o intérprete? Não faço ideia. Talvez o poema Autopsicografia contenha a resposta. Alguma.

    Em outubro, quando comentei com a multidisciplinar Isabella Proença sobre uma arte para esta composição, estava influenciado pela série da Marvel What If...? e em como O Vigia de Jeffrey Wright (dublado no Brasil pelo eterno Sesshomaru: Silvio Giraldi) falava no “prisma de possibilidades sem fim” e mencionei isso. No fim das contas, consigo enxergo a obra dela com uma potência particular. Quem é a personagem? Ela se inspirou em alguém ou se baseou em uma base de imagens para referência? Eu não sei. O cinza que a envolve é resultado do mesmo processo pelo qual a personagem na ilustração para Concreto-confronto viveu ou é um reflexo do verso que diz que o tempo parou? (Ou a personagem deparou-se com o escuto da Medusa?) Pode ser tudo isso e pode também não ser. A visão da artista, descolada do histórico dos versos, é capaz de transmitir uma série de outras ideias que não necessariamente estavam nos versos. Como diz a instrutora Mayu Ooba: Cada “arte” é uma “resposta” que ocorreu ao artista. A resposta que Ella encontrou é elegante.

terça-feira, 23 de novembro de 2021

Dança da Lira Perene

 “O que outrem poderia ter feito tão bem quanto você, não o faça. O que outrem poderia ter dito tão bem quanto você, não diga; o que outrem poderia ter escrito tão bem, não escreva. Seja fiel ao que existe em lugar algum além de ti – assim se fazendo indispensável.” – André Gide, Os Frutos da Terra (1897), tradução livre.
Ilustração de @ellaproenca


 
Dança da Lira Perene (2021)
Letra e música: Thales Salgado

Dei um passo e não te vi, resta agora descobrir: isto terá perdão?
Lembra a dama encantada? Lembra de tudo por um triz: Era nosso passado.
Lira conectando mundos: indelével precisão.
Réquiem para os vivos: afluentes, procissão.
Perdi a contagem do que vi: era uma energia só
Rindo da ignorância em si, engolindo tudo o que eu era:
Sagração do nosso caos.

    Semanas atrás ouvi a frase “eu apenas engoli quem eu era” e caí em um ciclo habitual de pensares: Quanto da existência é invenção, quanto é percebido pelos olhos de outras pessoas, quanto é a soma destes dois pontos. Senti que essa frase precisava se tornar um verso, e foi assim que improvisei esta canção. Isso ocorreu há 55 dias. Não sei dizer se é o menor espaço entre uma composição e o post. Esse respiro entre movimentos não é obrigatório, é, antes, um hábito, visto que havia um espaço de anos entre os primeiros posts e as composições. Ainda assim, esta tem a particularidade de me fazer refletir se ela estava completa ou não.
    Me peguei pensando: e se entre “isto terá perdão?” e “lembra a dama encantada?” houvesse uma frase aos moldes de “eu digo que sim, você diz que não”, talvez por ser um fã da prosa Gessingeriana que possui versos mais inspirados como “eu acho que sim, você finge que não” ou “os olhos dizem sim, e o olhar diz não”. Não é uma questão de ser uma continuação, mais uma piscadela à obra de um de meus ídolos. Quem sabe? Havendo uma gravação “oficial” essa adição pode ser concretizada. Ao mesmo tempo, se 108 Minutos precisou de 14 anos entre versões, isso pode não acontecer tão cedo.
    Quando entrei em contato com a artista multidisciplinar Isabella Proença a composição não tinha sequer nome. Passei a ela um esboço de como enxergava a imagem e ela a tornou concreta. Pensou em luz, sombra no tom do fundo. O máximo que fiz foi colocar algumas sugestões como “Rorschach”, mas, entre todos os briefings (outras colaborações podem ser vistas aqui) este, talvez, tenha sido o mais abstrato, ainda lidasse com peças concretas. E o resultado me agradou muito, justamente por estes passos além do que sou capaz de imaginar. Quem sabe, eventualmente, chegue o momento para uma parte 2?

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Mais 108 Minutos

" — Mesmo que você tenha escondido bem a memória, mesmo que a tenha mergulhado em um lugar bem profundo, você não pode apagar a história que causou tudo isso — disse Sara, fitando diretamente os olhos dele. — É bom você se lembrar disso. A história não pode ser apagada nem refeita. Isso equivale a matar a sua própria existência." - O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação, p.40, tradução por Eunice Suenaga.  Objetiva, 2014

    Há cinco anos, um mês e vinte e dois dias escrevi pela primeira vez acerca de 108 Minutos. Naquela ocasião foi o 18º post no blog e, por destino ou coincidência, saiu no décimo segundo aniversário da estreia da série Lost. Esse é um assunto recorrente e, em maio desse ano, tive uma perspectiva incisiva em relação ao motivo. Em maio deste ano, o crítico de cinema PH Santos falou sobre a Reunião do elenco de Friends ele comentou como enxergava como marco temporal seu lado crítico ter "nascido" após o fim da série.
     Não levou tanto tempo para que eu conhecesse o trabalho do crítico. Pessoalmente? foi Lost meu divisor de águas. Sempre tive interesse em saber como a arte era produzida, quem escrevia, quem eram os atores, compositores. Mas essa foi a série em que tudo isso extrapolou: não adiantava apenas saber que Damon Lindelof e Carlton Cuse eram showrunners, era preciso saber em que instância J.J. Abrams, um dos criadores do conceito, tinha relação com o que era exibido (ele se afastou ao fim da primeira temporada devido ao envolvimento com Missão Impossível 3 e co-escreveu o episódio de abertura da terceira temporada A Tale of Two Cities - minha composição Canto de Duas Cidades deve seu nome à obra de Dickens, mas apenas por Lost tê-la me apresentado, mas divago). Também queria saber qual era a razão de Jeffrey Lieber ser creditado como co-criador. Quem era o compositor Michael Giacchino? com quais outras produções o elenco esteve envolvido. Se um episódio era ruim, do que se tratava? Expectativas? Ou poderia ter relação com quem escreveu o roteiro? O que torna Jack Bender um dos grandes diretores por trás de episódios? Claro, muitas destas questões tem respostas diversas, ramificações da célula rainha e o componente coletivo as torna ainda mais difusas, mas com a série reconheci este elemento questionador, e, disso, não é possível me livrar, mesmo que eu quisesse. É o tipo de obsessão que faz com que eu esteja, atualmente, mergulhado em ramificações da obra Duna, de Frank Herbert, enfim.

     Para além da obsessão, há o componente coletivo: se existe um clipe para 108 Minutos, é apenas por uma série de pessoas, desde os envolvidos com a série, passando pelo projeto escolar, os alunos, a banda Falsa Modéstia, para dizer o mínimo. Mesmo hoje, em que descrevo o trabalho como fruto da organização artística Falsa Modéstia, o faço por ter apreciado esta forma de descrição quando do lançamento e promoção do álbum da Fresno: sua alegria foi cancelada. Faz mais sentido, ainda que um bando de pessoas tenham se reunido com o propósito de fazer música, as pessoas que se reuniram foram mais que uma banda. A arte da multiartista Isabella Proença, por exemplo, traz as personagens de Clancy Brown e Henry Ian Cusick aos moldes do fim da segunda temporada de Lost, emulando a capa da segunda temporada de Breaking Bad, outra série da qual gosto muito, e que já foi referenciada na letra de Se ela não amanhecer. Pude imaginar a ilustração, mas a perspectiva da artista e suas próprias referências foram essenciais para a obra. Do mesmo modo que, ainda eu tivesse Desmond David Hume em mente quando ouvi de bob o pitch, apenas a atriz Barbara Barduchi sabe o que tinha em mente enquanto corria desesperada pelas areias (Duna?) seguindo suas intuições e os próprios referenciais artísticos e ideológicos. Isso tem um peso que eu não sei mensurar.


    O próprio Ivan, co-compositor comentou nunca ter imagino que algo que ele fez tornar-se ia um videoclipe. Ainda que eu esteja envolvido de forma amadora com composições há quatorze anos. Eu também não tinha.


Créditos do clipe:

Compositores: Thales Salgado e Ivan Carolino
Produção musical e arranjo: Luan Magustero
Bateria: Pedro Santos
Guitarra e piano: Luan Magustero
Voz: Thales Salgado
Baixo e violão: bob
Direção e roteiro: bob e Barbara Barduchi
Ilustração no thumbnail: Isabella Proença

Composta na cidade de Arujá em 2007 por Thales Salgado e Ivan Carolino para uma atividade da profª Marize Manopeli.

Filmado em 2021 nos Lençóis Maranhenses (Barreirinhas - MA) e com o áudio gravado no mesmo ano em diversos locais do estado de São Paulo, seguindo os protocolos de segurança. Gravado e mixado individualmente. A organização artística Falsa Modéstia estava dispersa, virtualmente unida, todavia. #aliloke

Livremente inspirada na série da ABC: Lost. Criada por Jeffrey Lieber, J. J. Abrams e Damon Lindelof. Pertencente à Walt Disney Television e disponível em streaming no Star+ e na Amazon Prime Video.

terça-feira, 7 de setembro de 2021

Somos Resistência ou (ainda é Sete de Setembro)

 “Não tenho muito o que dizer. A primeira é crítica mesmo, para demonstrar a indignação com tanta injustiça e impotência de ser mulher nesse país, que não importa o quão errado e absurdo sejam os escândalos políticos, nada muda.” – Paula Lima em 04/12/2020

 

Arte de @ellaproenca


Somos Resistência (2020)
Letra: Paula Lima

Fomos lutar em Brasília
Pôr a tapa, o nosso rosto
Nossa briga por justiça
Sair do fundo do poço
Vamos expor o inimigo
Revelar nosso rancor
Confunde cérebro com intestino
Pátria armada e louvor

Somos a resistência
Mudamos o mundo ao nosso redor
Vivemos nessa decadência
Esperando que tudo seja melhor

Como pode ser culposo
Se viola outro corpo
Como pode o retrocesso
A Terra plana ser sucesso
Essa vida bagunçada
Desrespeito pela cor
Vítima estraçalhada
O show ao vivo do horror

Somos a resistência
Mudamos o mundo ao nosso redor
Vivemos nessa decadência
Esperando que tudo seja melhor
 

“Enquanto reflete a situação do país e sua tristeza com o último lançamento de Leoni, o single Sete de Setembro, outros versos que encapsularam uma série de situações distintas surgiu na mente de Thales. Ainda que ele os tivesse visto pela primeira vez nove meses e doze dias antes, sentiu que seguiam atuais. Mais relação ainda havia: Paula a escrevera durante o curso da oficina de composição ministrada pelo próprio Carlos Leoni Siqueira Junior. Ele decidiu que era hora de trazê-la ao blog.” - Prefácio por Jorge Luís Barros

    Em apenas algumas horas, a canção Sete de Setembro, de Leoni, alcançou mais de mil execuções. Considerando a população brasileira com mais de duzentos milhões de pessoas, dos quais, pelo menos trezentas mil o seguem no Facebook e sua carreira já contar com mais de quarenta anos, o número é expressivo, mas não impressiona. “Ain, mas você está falando sobre o que não sabe, hoje é feriado nacional, em um país cada vez mais polarizado. Há mais que música na vida, sabe? Duvido você lançar qualquer coisa e alcançar  de gente.” Antes mesmo eu pudesse replicar, você, leitor ou leitora tão perspicaz quanto voraz complementaria: “você já lançou algo repercutido pelo jornalista Mauro Ferreira? Ele comenta música desde antes você ter sequer nascido!” Diante de tais comentários, tudo o que eu poderia fazer seria dizer: “Sim, mas eu não estou escrevendo por despeito e sim por sentir que devo. Antes que você diga que perdi uma grande chance de ficar calado, são só palavras e o que eu sinto não mudará.

    O problema, claro, pode ter sido expectativas descompensadas:  quando vejo o artista compartilhando a coluna de José Eduardo Agualusa em que o jornalista compara o bolsonarismo ao talibanismo, projeto um alinhamento. Quando dias depois ele comenta acerca de que o Rio de Janeiro pode tornar-se um epicentro da pandemia por seus recordes de infecção, penso em bom-senso. Já ao ler, parafraseando “esse Sete de Setembro parece ameaçador no Brasil. Para quem vai ficar em casa, para não se arriscar (política e sanitariamente), tem o lançamento do meu novo single. Composta há uns 30 anos, com os Heróis da Resistência” meus sinais de alerta não despertaram naquele momento, primeiro pelo próprio compositor ter mudado neste período, e também pois, o cancioneiro brasileiro tem composições como Que País é Este, 1978, a qual fui apresentado formalmente quando a canção já tinha completado maioridade. A teatralidade ou, como diria Gessinger “o nome unidimensional e heroico” do título da banda me iludiu. Naquele momento não me veio a mente que um dos maiores sucessos deles era, justamente, “Só Pro Meu Prazer”, 1986, é claro que o compositor é especializado em pop, isso não está em discussão.

 

“O primeiro ato de violência que o patriarcado demanda dos homens não é a violência contra a mulher. Em lugar disso, o patriarcado demanda de todos os homens que se envolvam em atos de automutilação psíquica, que eles assassinem todas as partes emocionais deles. Se um indivíduo não tem sucesso em aleijar-se emocionalmente, ele poderá contar com homens patriarcais para pôr em prática rituais de poder que irão atacar sua autoestima.” A vontade para mudar: Homens, Masculinidade e Amor (2004), p.66 (tradução livre)

    Também não pensei na conturbada saída do Kid Abelha que em 1987 lançou Tomate, primeiro álbum sem Leoni, e que abre com Paula Toller cantando “Me Deixa Falar”, canção com versos tais “Brasileiros, marcianos/Fazem tanto pra agradar/Mas querem muito, querem tudo/Só não querem me escutar/Me deixa falar, me empresta um ouvido/Me deixa falar, me presta atenção” e que parecem uma indireta direta. Os relatos acerca do incidente que serviu como propulsor para a separação, inclusive, mencionam que houve mais de uma possibilidade de violência no dia. O escritor Jorge Wakabara descreve toda a situação e contexto com fotos, áudio, links e o que mais você quiser em O incidente no Estádio de Remo da Lagoa, publicado em novembro de 2020. Paula ainda iria compor uma série de sucessos, como Grand’ Hotel e Amanhã é 23 e mesmo pérolas lado B como Paris, Paris sem a sombra do compositor.

    Não quero com isso dizer que a música é ruim (sim, mesmo que se possa ouvir Oswaldo Montenegro cantando “embora não pareça”) foi curioso descobrir que ela foi inspirada no filme Não Amarás, 1988, dirigido pelo diretor polonês Krzysztof Kieslowski. Como uma série de outros dele, o filme pode ser visto atualmente no Telecine, mas, uma vez que não o assisti, parafrasearei a sinopse: “jovem espia sua vizinha pelo telescópio, lê suas cartas e faz chamadas anônimas... a música corresponde sua “tímida forma de demonstrar o amor” e passa a provocá-lo.” Sem querer problematizar – uma vez que não assisti AINDA – mas o próprio Telecine coloca: “o relacionamento entre os dois toma rumos complicados.” Se os rumos complicados forem os mesmos de As Duas Faces da Felicidade, 1965, de Agnés Varda, não sei não. De todo modo, descobri o filme devido ao lançamento, logo, não há como dizer que não aprendi nada com a canção.

“Aspirante a engenheira física e amante do mundo musical. Ainda no engatinhar da composição, do cantar e do tocar. Busco transparecer no que escrevo o que vivi, o que gostaria de ter vivido, minhas frustrações e revoltas.” Paula em minibiografia, 19/07/2021

    Mas, para mim, aprendi mais com os versos de Paula. A imagem que, temporariamente, ilustra esta postagem foi feita por mim em 2018, para redirecionar a um texto de 2016, discorrendo acerca de uma composição que ficou pronta em 2009, mas foi iniciada em 2007: Solipatria. Se você já viu o texto sobre Pequenas Conversas Levando ao Real, sabe que sou dado a saltos no tempo. Mas me recordo da empolgação que tive, alguns minutos depois de ler e reler os versos que Paula escreveu depois de ruminar as coisas em água quente e montar algumas frases com rimas. Ela comentou que, durante a aula, rascunhou no caderno e saiu a letra que encabeça a postagem.

    Ainda eu não soubesse durante a leitura qual era o ritmo que ela havia desenvolvido, a melodia que minha mente tocou para mim era um punk rock. Ainda eu pudesse citar nominalmente uma série de casos, tive a impressão de que, ao não o fazer nos versos, ela a tornou atemporal: os problemas estão além dos noticiários atuais, são chagas estruturais, frutos do patriarcado, do racismo... e ainda assim, há esperança nos versos do refrão; há mensagem. No fim das contas, conhecer as criações de pessoas que eu conheço é muito mais satisfatório.

     Atualização: 11/10/2021

   Há muitos anos Gessinger comentou que tudo o que sentia era que algo lhe faltava. Comigo aconteceu o mesmo. Quando postei os versos da canção e a história na Independência não tinha a imagem que pudesse representá-los como imaginava. Era necessário que fosse algo atual, ainda que as tensões nacionais sejam constantes como capturar o ar dos acontecimentos? Normalmente sou o senhor das pautas frias. Era domingo quando comentei com a artista visual Isabella Proença acerca do desarranjo que havia entre a composição exalando o zeitgeist de Paula e o post. Diferente de outros briefings este foi breve: os versos deveriam bastar. Quando ela comentou sobre a silhueta do mapa de Brasília me peguei pensando em como as asas que compõe a cidade podem assemelhar-se a uma besta ou a um riso de escarnio. As figuras de resistência à frente como bradassem: "não quero mais nenhum direito à menos!". Todas as cores não se deixando apagar. É mais um belo trabalho.

     P.S: Poucos dias após o post, tive a oportunidade de, enfim, assistir ao filme supramencionado. Não Amarás. Me admira que este tipo de filme siga sendo trazido ao presente como representação de um amor romântico. Em um trabalho baseado no último álbum de Duda Beat, a psicóloga Fabíola Passos comentou aqui sobre a canção Melô da Ilusão e a forma como o ato de stalkear foi, com a ampliação do uso das redes sociais, normalizada, nem sempre de uma forma saudável. O filme me recordou da obra de Milan Kundera A Vida Está em Outro Lugar com a presença do jovem e inexperiente Jaromil. Com qual intuito trazer um filme em que um personagem passa trotes, rouba correspondências, escreve cartas falsas e observa uma mulher com uma luneta? Mais que isso, o filme parece apresentar estes comportamentos como galanteios aceitáveis e a personagem Magda o contrapõe em determinado momento, mas aceita a atenção do jovem, como se, aproximando-se e seduzindo seu algoz, encontra-se poder. Após assistir ao filme, os verbos que Leoni traz em sua canção: invade, rouba soam ainda mais violentos como a absolvição de André de Camargo Aranha. Sigo reforçando os versos de Paula e agregando ao coro: Vivemos nessa decadência esperando que tudo seja melhor!

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

A segunda dose da Vacina

"É uma máxima universalmente admitida na geometria, e de fato em cada um dos ramos do conhecimento que, no processo de investigação, nós devemos proceder dos fatos conhecidos para o desconhecido. ... Desta maneira, de uma série de sensações, observações e análises, um sucessivo trem de ideias surge, tão conectadas, que um observador atento poderia rastrear de volta a um certo ponto a ordem e conexão de toda a soma do conhecimento humano." Elements of Chemistry, pp. xv-xvi., 1790, Antoine-Laurent de Lavoisier (tradução livre)

A Vacina planejando o pós show, salvo melhor juízo, em 28/08/2010

Você pode reviver outros momentos da banda aqui

   Há alguns meses, escrevi acerca de uma de minhas composições chamada Vacina. Embora possa parecer um nome incomum para uma canção que não versa sobre a saúde pública, ela fora encomendada por bob em 2013 para celebrar um de seus projetos musicais. Naquele momento eu ainda não havia sequer tomado a primeira dose da vacina então era um espaço mental de muita especulação e expectativa, de modo que acabei não discorrendo acerca de outros pormenores que envolviam àquela composição. Um deles era a breve história daquela banda que eu tinha a intenção de registar por aqui:
"Depois de várias tentativas, com outros personagens e outros nomes, nasceu a Banda Vacina. No entanto, apesar das variações ao longo do tempo, sempre existiu uma base representada pelos integrantes Fábio Kulakauskas e Bruno Oliveira, vulgo Bob. A última versão antes da atual formação foi a chamada banda “2 na Base”, apresentando uma duração “relâmpago” em meados de 2008. Sua constituição era a seguinte: Bruno Cortês na bateria, Fábio Kulakauskas na guitarra e voz e Bruno Oliveira no baixo.
Após essa experiência, que durou apenas alguns poucos eventos, foi criada a banda Vacina, tendo como integrantes: Cláudio França na guitarra, Bob no baixo, Fábio na voz e violão e mais um baterista. Pode-se dizer que dois bateristas (Clever e Saulo) foram “Vacinados” até chegar ao baterista atual: Lincoln, que também atua como backing vocal. Desta forma, os “Vacinados efetivos” são: Bob, Fábio, Cláudio e Lincoln."
    Tanto a banda Falsa Modéstia quanto eu estamos contidos naquele primeira frase "outros personagens e outros nomes". Ou muito me engano, mas me recordo de uma conversa com bob no Windows Live Messenger, em que ele mencionava como se deu a impossibilidade de fazer a menção nominal. O que faz todo o sentido: a Vacina sempre foi uma banda que acompanhei como público. Uma vigilância ativa da agenda da banda? Sim. Mas uma conduta expectante no sentido de que eu não fazia parte das discussões de repertório, não sabia o horário ou se os rapazes haviam ensaiado. A responsabilidade era apenas a de estar no local e hora certos. Se eu tivesse sorte, teria a companhia d'A Menina em Sépia. O que mais eu poderia querer?
     Afinal, há muita diferença entre a troca de um elemento humano em um conjunto. Um dia desses num desses encontros casuais estava ouvindo a enxuta discografia da Audioslave. Três álbuns, dos quais, apesar do sucesso do primeiro, prefiro os dois últimos, pensemos então como fosse um triângulo isósceles: o primeiro, com pérolas como Like a Stone e Show me How to Live é a base e os sucessores são os lados congruentes. Ainda que conte com quatro álbuns de estúdio e 3/4 do Audioslave a Rage Against the Machine é uma criatura completamente diferente. A visão política revolucionária de Zack de la Rocha é diametralmente oposta à potência melódica existencialista de Chris Cornell. Assim também era com diversas bandas em Arujá (ou qualquer lugar, essa parece uma constante no livro de Guga Magfra Como Ser um Rockstar) um elemento poderia alterar completamente a dinâmica de um grupo.
     Ainda assim, enquanto acompanhava enquanto fã, me perguntava como o nome da banda poderia ser empregado em uma canção. Foi assim que nasceu a "Vacina" original, com uma melodia que tentava emular Djavan e uma letra com referencias que iam de Saint Seiya à Interpretação de Sonhos de Freud passando pelos sacos de pão francês. Ela nasceu primeiro e, por muitos anos, ponderei se o post contaria a história das duas, o que não aconteceu. Assim, anacronicamente, surgiu a segunda dose:

Vacina (2011)

Letra e música: Thales Salgado


Acaso haja as escadas mar de rosas

Eu te carrego sem que precise pedir

Vou com teus olhos em prosa silenciosa

Se sirvo bem é para pra sempre te servir


Tudo na vida é sem medida

Tu andavas tão distraída

Não via nascer feridas

Nem as brasas que passou

Agora isso não importa

Vem, fecha atrás a porta.

Que a ânfora de anseios se quebrou


De tua vacina sou conhecedor

Sei do remédio que afasta-nos do tédio

Deste insuspirado amor

segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Texto de 4 cm

"Quais foram as grandes lições que você aprendeu com esse período conturbado até o momento? Acredito que foi essa travessia para dentro de si. A gente se vê sozinho para não continuar vivendo sozinho. Para recuperar os laços. É um paradoxo." - Fabrício Carpinejar em entrevista para Jocé Rodrigues, Cândido - Jornal da Biblioteca Pública do Paraná, 30/11/2020
Print do site do escritor Rodrigo Mutuca
Antes de seu site ser aposentado
Colega na oficina de crônicas de Carpinejar
Foi o primeiro a publicar um texto meu
(fora deste blog)

     Um dos aspectos que me interessavam nos tempos pré-pandemia era a possibilidade de realizar cursos/workshops por aí. É possível fazê-los em casa? #simecomcerteza mas não é a mesma coisa. Datando este post: estou vivendo a expectativa para o Tradução de literatura japonesa: reflexões e debates pela plataforma Momonoki, com a profª Rita Kohl. Mas não creio que haverá espaço para conversas paralelas entre colegas que me levem a descobrir que alguém no Centro Cultural b_arco, está ligado a mim por menos de seis graus de separação, como ocorreu com a escritora Valéria Rezende que já conhecia uma das pessoas mais recorrentes em menções neste espaço: o designer baixista bob que recentemente fez sua estreia enquanto roteirista, colorista, montador e diretor com o clipe para a canção Ressaca dos Olhos, parceria de Luan Magustero e Pedro Santos.
   As reuniões via Microsoft Teams e Google Meet são ótimas para momentos expositivos ou para conversas entre um conjunto pequeno de pessoas, mas, ou muito me engano, ou não favorecem a interação ao pensarmos em um grupo com algumas dezenas - é, sabe aquela coisa de cutucar a pessoa que está a seu lado apenas para mencionar algo, ou utilizar o bom e velho "msn paper" (citar MSN é cringe, gente? é noia minha? 😅) para fazer um comentário à caneta. As vozes não vão se sobrepor, é um outro tipo de interação e, se você tem aulas com algum modal virtual e acha que estou falando bobagem e há outras possibilidades, como usar o chat ou o WhatsApp Web na aba do lado, fique à vontade para mencionar nos comentários. Afinal, como é de costume, divago. O assunto deste texto é o mesmo da foto que ilustra o post, sim, tem a ver com o Danoninho mesmo.
   Em 2017 decidi repetir a dose em um curso com o escritor, jornalista e professor universitário Fabrício Carpinejar,

Spoilers do texto no Moleskine
A versão em 2016, Mentiras Libertárias, havia sido um tour-de-force-emocional-mezzo-terapêutico que levou do silêncio até pequenos versos e, como diria Forrest Gump "é tudo o que eu tenho a dizer sobre isso". A presença do autor já se fazia mostrar em minhas composições timidamente, como em Apesar de Nós, de 2013 e acompanhar seu programa A Máquina na TV Gazeta foi um programa familiar por algum tempo quando chegamos à Guarulhos.
     A segunda experiência foi bem menos intensa, mesmo considerando ter começado Escrito à luz de velas/Quase na escuridão/Longe da Multidão com um apagão em Pinheiros no dia 22/02. Talvez por eu já ter uma noção do que esperar. Mas gerou um texto que, à época, não veio para o blog. Diferente do "Nerdcast Proibido", minhas palavras encontraram um lar temporário no site de Rodrigo. Ainda o editor deste blog seja eu mesmo - antes eu pudesse criar um heterônimo ou outra personalidade para tal - parecia não ter relação com a "linha editorial" que eu buscava alcançar: composições autorais, entremeadas por relatos de shows ou pensares sobre álbuns de artistas conhecidos. Crônicas, nunca foram a minha praia nem mesmo como gênero para consumo e fruição pessoal, o interesse no curso era justamente sair da zona de conforto.
     Não consigo recordar qual foi a indicação do professor para a atividade, mas lembro que o subtítulo, por muito tempo era "sem meter a colher". Mas optei por Texto de 4cm para tentar obter uma característica cinestésica e, fica por isso mesmo, não é como cada frase tivesse sido escolhida com uma intenção específica. Chegamos ao quinto parágrafo não planejado e, em momento algum, minha intenção era investir tanto tempo no introito. Fica um salve para a escritora dançarina Jolie Cardoso, que ao comentar ter se inscrito no curso Escrever Cura, de Carpinejar, me colocou em mais um capítulo da "Saga das memórias involuntárias" que teve sua primeira parte em: Letras sobre decepções zodiacais. Se você chegou até aqui... fique com o texto:

Texto de 4 cm

(Escrito por Thales Salgado em 23/02/2017)


Rompo o lacre e me deparo com aquela perfeição rósea. Salivo indeciso com a ideia de pressionar com o indicador para sentir a consistência. Meter uma colher no Danoninho de morango é uma ofensa!
Alumínio, madeira, plástico, o material que for: subterfúgios violentos. É o sabor da colher e ninguém gosta disso. Há coisa melhor que o eco de um queijo francês - É um queijo mesmo, acredita que tem quem confunda com iogurte? - aromatizado artificialmente de morango na intimidade de seu músculo mais forte? Controlar os movimentos deveria ser a única linha de ação.
Cada potinho é um universo do alto de seus 4cm. Ninguém precisa da língua de um integrante do Kiss: não haverá resistência, por isso mesmo, comer Danoninho com a língua é uma arte da lentidão.
Conheço quem prefira usar os dedos, opção até digna; Haverá pele e unha, todavia. A língua veste todos os sabores, abandonar colheres é intuir a essência.

sábado, 31 de julho de 2021

Letras sobre decepções zodiacais

 "Você gosta de anime?" - A pacífica Aggretsuko de Oz, 29/07/2021

     Quando me disse estas palavras, ela certamente não pensou que colocaria uma série de lembranças em movimento. Ainda aquela pergunta despretensiosa tivesse a intenção de comentar a série homônima a ela, presente na Netflix desde 2018 a minha resposta foi para um rumo distinto: "Minha vida mudou no dia 1 de setembro de 1994 quando Cavaleiros estreou na Manchete. Quando reestreou em 1 de setembro de 2003 na Cartoon Network, eu fui atropelado enquanto corria da escola para casa para ver". Estas duas histórias poderiam ser alongadas, ou mesmo o dia em que, enquanto criança, caí em um golpe dos garotos do bairro que ofereceram um boneco original. Esta história foi transformada em diálogos em um exercício de escrever 100 palavras por dia proposto pelo escritor e professor de escrita criativa Tiago Novaes, em 2019:

- Última chance, você não quer?
- É claro que...
- Então! cinco reais, só.
Ficou olhando o amigo. Iam sempre para a escola juntos. Ele estava trazendo uma oferta de além dos portões. Fora da aula, ele não podia sair.
- A gente veio falar com você primeiro, tem um menino na rua de baixo que também quer.
- Tá bom! Eu já volto.
Desceu as escadas, atravessou para a casa da vó. Tirou do Budinha as moedas que vinha guardando. Teria, enfim, um boneco do desenho japonês. Sem perceber já estava no portão entregando sua fortuna.
- Espera aí que a gente já traz.

    O meu ano de 2019 guardou uma série de questões com a série. Não consigo me lembrar o que motivou isso. Reli o mangá, revi a animação, vi Saintia Shô, além da versão produzida pela Netflix para tentar renovar o público abarcando de uma só vez os norte-americanos, que não haviam vivido uma febre da série como o Brasil e outros países da América Latina. Aquele também foi o ano em que o Podcast Saint Seiya viria a publicar um programa com uma entrevista com o dublador Francisco Brêtas, e que vale cada minuto, afinal Sonhar é Fundamental. Durante o período em que estava acompanhando os vídeos do canal Katsu X regularmente, ouvi falar pela primeira vez acerca de um evento que parecia ser a epítome de toda aquela efervescência com a obra de Masami Kurumada a:

               
    Em comemoração aos 25 anos da estreia da animação na rede Manchete, o evento prometia ter tudo o que os fãs se acostumaram em duas décadas: música ao vivo, cosplay, meet & greet dubladores, exibição de longas-metragens da série, exposição de itens raros, palestras com os responsáveis por um game, enfim, o suficiente para que eu aproveitasse o cupom limitado disponibilizado ao final do vídeo e comprasse a minha credencial para visitar durante o final de semana inteiro. Conforme ainda pode ser visualizado no site da Sympla, ela dava direito a:
    
    De todo modo, pelo título desta postagem e a primeira história em que fala de minha ingenuidade infantil, algo não correu bem. Não por coincidência (elas existem mesmo?) o melhor resumo para a situação também nasceu em 2019:

O texto a seguir foi retirado ipsis literis de um comentário que fiz em uma postagem de Mara, do Mais de Oito Mil, sobre o evento e como, em uma bela analogia, ele foi o Fyre Festival dos fãs de Cavaleiros do Zodíaco. Essa postagem pode ser visualizada aqui. Sem mais delongas, as impressões de minha versão de 29 anos.

FLASHBACK

   Fiquei sabendo sobre o evento vendo o código promocional no canal Katsu X. Qual não foi minha expectativa? Eu que não tive interesse em ir às convenções renomadas, fiquei super empolgado ao ver que teria a possibilidade de conhecer o grande Gilberto Baroli. Todos os outros também, claro. Letícia Quinto, Élcio Sodré, Francisco Bretas. Nesses 25 anos de Cavaleiros na Manchete, foi esse elenco da Gota Mágica (posteriormente Álamo e Dubrasil) que fez muitos de nós conhecermos os artistas por nome e valorizar aquele trabalho. Decidi comprar de cara: credencial Big Bang! Ter acesso a tudo que tivesse direito ao mesmo tempo incentivando tal ação a ocorrer de novo. O sábado pareceu promissor, vi de longe, as dez da manhã um jovem Hyoga de cisne. Gosto quando o cosplay já chega ao evento agindo o personagem. (Imagino fosse Ronaldo seu nome). Rapaz divertido, contava na fila histórias sobre como tinha aproveitado o sono de Athena para levar seu báculo. Enquanto se via alguns calculando ascendentes, os minutos passavam. O atraso foi encarado com bom humor “talvez precisemos absorver os raios solares e entrar porta a dentro!”. Ah! As referências, Capitão América estaria orgulhoso (antes que perguntem a razão de colocar a Marvel no meio do santuário, lá na frente fará sentido).

   Quando finalmente pudemos entrar, houve alguma bagunça com credenciais (recebi a minha mas em momento algum o seu QR foi bipado, por exemplo) o importante era entrar: o térreo parecia promissor, o @woodxguitar desfilava vários sucessos, Pegasus Fantasy, Soldier Dream. O ponto mais alto foi quando chegou um pequeno Seiya com a caixa da armadura nas costas e ficou a dançar ao som da guitarra. Nem o próprio Saga, do alto de seus galácticos grisalhos diria algo contra. Ao fundo um artists alley com versões, mangas, sketches. Boa para os futuros mangakás brasileiros. Também havia um acervo pessoal de obras do Kurumada, sorte do colecionador. Mas era interessante olhar, fiquei me perguntando a que momento alguém viria para comentar o que fosse. Mas… Nada.

    Não haviam indicações precisas do que ocorreria no primeiro andar, então o fã ia tateando às cegas pela escadaria (ao fim de uma escada, nem mesmo uma decoração como fosse a casa de Áries, o simples, fãs de cavaleiros sabem apreciar uma boa e velha escadaria). A programação dizia que as 10h começariam as exibições dos filmes na dublagem clássica mas já passava muito e não parecia haver sinal. A palestra sobre Saint Seiya Online também não agregou muito, a maior parte dos presentes conhece as diferenças entre o mangá e o anime, e por mais a história seja cíclica, contar spoilers do jogo também tirou um pouco a graça.

"O interesse nas referências de Kurumada era tanto que, em agosto, cheguei a desenhar Mankichi Togawa da obra Otoko Ippiki Gaki Daishô, de Hiroshi Motomiya. O criador de Cavaleiros já comentou que, sem sua influência, talvez não se tornasse mangaká. Imagino que, sem Cavaleiros, no mínimo, meu entusiasmo pela mitologia grega seria menor."

   Quando finalmente pudemos assistir À Grande Batalha dos Deuses, qual não foi a surpresa ao ser apenas a exibição de um vídeo do YouTube (isso mesmo, não houve nem o trabalho de obter um .MKV HD!) mas o público tentava se satisfazer revendo a pose de deboche de Seiya ante os guerreiros deuses. Falando em dublagem Gota Mágica, como é bom ouvir Carlos Campanile como Durval. A questão é que todos já viram e não havia nenhuma reverência a forma como o material era apresentado. Antes de a armadura de sagitário surgir, os alto falantes comentam que os kits estão disponíveis. Isso mesmo, o desrespeito não era apenas com quem estava presente, com quem tinha se deslocado para a comemoração, era com a própria obra (!). Não custa esperar um vídeo acabar. Se a internet tivesse caído, o programa tinha acabado? As horas foram passando e nada de palestras ou dubladores. Era preciso se contentar com episódios de Lost Canvas. Bela animação, bom trabalho de dublagem mas… Sério? Eventualmente chegou ao ponto do concurso de Cosplay e foi bem legal. Revi o Hyoga da fila, vi um Poseidon que tinha realmente aura divina e, confesso, vi uma Shun que me fez pensar que a mudança era bem-vinda. Os cosplayers pareciam se divertir muito, as poses, as fotos, a sensação de ser um personagem querido é muito forte e eu (que já tive meus tempos como Joker há uns onze anos) fiquei contente em poder bater palmas para cada um ali. O prêmio maior era poder ser prestigiado. Mais uma vez parabéns a todos os cosplayers (até para o pequeno Harry Potter que se meteu no evento).

Com a palavra, Hyoga de Cisne

    Faltava o principal: palestras e dubladores. Em algum ponto da história, talvez até antes do desfile, o organizador apareceu e pediu desculpas, aí entra o que eu falei: estava lá com a camiseta da Marvel! (Nada contra, vi Ultimato três vezes no cinema) quando o próprio organizador não ‘veste a camisa’ de seu evento, você percebe que algo de errado não está certo. Houve uma falha no planejamento, ele concentrou tudo sozinho e dificultou a entrega, coisas saíram foram do controle. Até aí, tudo bem. Finalmente Ulisses Bezerra, Letícia Quinto e Élcio Sodré subiram ao palco. Não houve tempo para palestras e eles não poderiam ficar muito tempo, o Élcio tinha um avião para pegar, sabemos quão exigente é a profissão. Ao menos quem estava lá poderia pegar o autógrafo da Saori e o Shun. Ou isso era sonhar demais? Sabe quando você está zapeando a tv a cabo e, de repente, passam para o filme seguinte? “Por premissa de tempo passamos à frente em nossa programação”. Foi bem isso que aconteceu. A Letícia muito educadamente explicou que não poderiam atender a todos e iam delimitar um ponto x na fila. Pude sentir Athena falando comigo, aqueles momentos em que a deusa fala algo e todos os cavaleiros se prostram a ouvir. Algo nessa linha. Eu nem tinha levantado, um cosplay de grande mestre chegou, mas era tarde demais para ele. Ao menos conseguiu algumas fotos com fãs. Élcio, baita profissional que é, levantou e gritou seu característico CÓLERA DO DRAGÃO! Todo o santuário tremeu: o Shiryu, amigo.

Um dos desenhos que fiz em 2019, sinais da febre
    A questão é que já passava das 17h. A programação seguiria. O organizador pedia para que as pessoas se apressassem em pegar seus autógrafos, era só um sem tempo de foto. Quem pagou para o privilégio de conhecer os profissionais não pode. Então quando um soldado gritou “quero o meu dinheiro de volta” e ouviu a contraproposta de devolver todos os benefícios em troca, entendo a raiva. O cosmo dele estava borbulhando em nome da justiça. De que não havia como o pôster A3 ser controlado, de que faltava o carregador personalizado, faltavam os adesivos, faltavam palestras, vídeos, autógrafos. A reunião dos cavaleiros de Athena se mostrou mais decepcionante que vilão de seriado que aparece para morrer com um báculo no peito. Saí do local sem nem ao menos saber se o show chegou a se concretizar. O aluguel do palácio do trabalhador custava tanto assim? Depois do fiasco, alguém terá coragem de usar a camiseta do evento? Já era tarde demais. A ver três horas de vídeo do YouTube, podia ver em casa. Amizades se firmaram, diversos se reuniram, tudo em nome de Athena. Mas a que preço? R$180? Tomara que tenha valido a pena para quem embolsou. Não me dei ao trabalho de retornar no dia seguinte.

domingo, 18 de julho de 2021

Letras acerca de quem ilustrou algumas das canções

"A imaginação é uma ferramenta pessoal. Digo assim: a experiência humana passa pelo saber, conhecer, acreditar, imaginar e sonhar. Você não sabe, não conhece tudo o que você vivencia. Você não está ali tomando fazendo, tomando atitudes, decisões e coisas práticas com a ciência total do que você está fazendo. Você está, em parte, acreditando, algumas coisas você sabe, conhece, estudou, entendeu. Algumas coisas você faz pois alguém falou que é a coisa certa. Você confia por hábito. E, as vezes, você imagina, você sonha. Acho que todas as pessoas passam por isso, algumas com maior intensidade em um dos aspectos que em outros. Imaginamos muito na vida." - Augusto Licks em entrevista com Luiz Felipe Carneiro para o canal Alta Fidelidade, 04/07/2021
Arte de @ellaproenca 16/07/2020

   Há um ano me deparei com uma obra em um grupo de arte no Face. Não lembro quanto tempo levei para comentá-la. Sei que quis saber os materiais (aquarela, guache, digital) e se a artista aceitava encomendas. Não que o "como" fosse o mais importante naquele instante: havia (e há, afinal, a ilustração existe) algo nos olhos da figura retratada, em como o cabelo e o fundo se misturam como um rio e raminhos brotavam aos poucos - como ela fosse a rainha de maio.
  Ruminei a ideia de ter uma perspectiva diferente sobre minhas criações desde 2018, quando o blog estava prestes a fazer dois anos. Cheguei a iniciar contato com alguns artistas mas a conversa não evoluiu. Os problemas podem ter variado, desde a falta de interesse, grande número de encomendas, suspeitas de pedidos para permuta, ou mesmo não ter identificação com o que eu conseguia entregar. Quem sabe? Com o passar do tempo, pareceu mais fácil seguir recorrendo à fotos do acervo dos integrantes da banda, cliques tirados durante trajetos, desenhos próprios ou mesmo o domínio público. Quando me deparei com este post, o blog havia completado quatro anos há pouco mais de um mês e havia algum tempo eu não pensava mais nisso. Algo na obra me chamou atenção mais que o normal - a título de ilustrar as estatísticas do grupo dizem que no último mês foram feitas 710(!) - e foi esse algo que me levou a, como relatado há pouco, comentar.
   Lembro como o receio das tentativas anteriores pairava em minha mente. No inbox tentei relatar para onde eu postava com uma verborragia assaz verbosa. Durante a tarde do dia seguinte começamos a trocar ideias sobre possíveis ilustrações. E em menos de seis dias, ela havia finalizado um trabalho ilustrando uma canção que eu havia sonhado naquela semana e que, neste mês de julho, também fez aniversário: Canto de duas cidades.
   No decorrer deste ano outras parcerias vieram: Concreto-confrontoOutra versão de nós,Basta Olhar Bem,Lhe Escreveria,A Equação do Hiato,ÁguiaTributo aos SentimentosP.C.L.R.Vacina... assim como, além da aquarela, a descobri no graffiti, violão, canto, ao piano, com crochê em fio de malha… uma multiartista!
     Assim que percebi a data se aproximando, pensei em como pontuar esta troca artística. E a forma como achei foi esta:


   Meus desenhos não seguem diretriz nenhuma, quando começo, nunca sei como serão: Posso mirar o ultrarrealismo e acertar o nikayou ou falhar miseravelmente em retratar seja o que for, mesmo assim, tentei desenhar a ilustre ilustradora @ellaproenca afinal, quem desenha os desenhistas?

*Texto expandido de uma publicação feita para Instagram em 16/07/2021
**Para a publicação original, tirei uma foto, para este post, digitalizei a ilustração. Variações de um mesmo tema.