sábado, 22 de outubro de 2022

C.P.T.M. , da ilustração e demo

 "Atravesso as calçadas pra ter avenidas inteiras só pra mim. Às vezes, evitar as pessoas me faz bem. Quando eu estou numa multidão, cada pessoa, cada frase direcionada a mim, uma pergunta mais específica que me faça falar me suga a energia, me arranca de um curso natural. Eu queria estar junto, mas estar junto seria uma coisa excepcional, me cansaria. Eu sempre acabo querendo ir embora antes da hora de cortar o bolo." - Contos de mentira, Luisa Geisler - Rio de Janeiro: Record, 2011. p.82 e 83


Arte por @ellaproenca


   Na manhã do ducentésimo nonagésimo dia de 2022, rememoro e acho graça no positivismo do Thales de quatro anos, três meses e vinte e dois dias atrás. Num post neste mesmo blog, C.P.T.M., da letra, eu concluía após reflexões preliminares: "Surge "Caminham Pelos Trilhos do Mundo" e, após isso, concluo que a melhor forma para começar a letra seria usar, como tantas outras vezes, um acróstico. Desta vez para Metrô e Trem. Objetos inanimados tomando parte de uma canção. Que, até o fim de julho, não foi gravada. Mas o será, em breve." quatro anos ainda se enquadra na categoria de "em breve?" Em se considerar que a gravação da demo foi ocorrer em algum ponto de 2021, sim. Se, como versa Lirinha em Meu Mundo de Otto, o desejo é um tempo parado, o desejo de escrever acerca dessa letra demanda que isso seja realizado em partes. Para todos os efeitos, não é como existisse um prazo fixo. Já escreveu Vitor Ramil: "nascer leva tempo".
    Foi apenas após assistir ao show de lançamento de Oceano Rubi da Vanguart no Sesc Santo Amaro, que me ocorreu colocar, uma vez mais, essa canção sob análise. E, foi assim, que entrei em contato com a multiartista Isabella Proença falando acerca desta canção e de minha postagem anterior embebida em wishful thinking. Agora, o termo em esperanto "Aliloke" já estava atravessando a compilação de canções feitas após o Ikyriou EP. Ele já havia, inclusive, sido utilizado na canção Impressões Antes de Olvidar Memórias Pacíficas, composta após uma imersão em Belo Horizonte conhecendo o Sarau Tranquilo, enfim, como diria Maz Kanata, essa é uma história para um outro momento.
   O receio de que o tom mezzo-mórbido da canção fosse um impeditivo, se desmanchou quando Isabella comentou não só gostar do mórbido quanto ter a vontade de explorar sua criação pelo meio digital. E foi assim que surgiu o painel, com um terceiro lugar, entre eu que passei diversas vezes na estação da Luz, Isabella, que ainda não esteve nela, e todas as histórias que perpassam os versos.

terça-feira, 27 de setembro de 2022

Distante, razoavelmente inquieta, e, acima de tudo: lenta e livremente, em torno de si.

"É uma luta permanecer presente onde quer que eu esteja, porque minha mente viaja no tempo e no espaço, não apenas até o passado e o futuro, mas também até as casas que nos cercam neste condomínio, até os corpos que habitam esta cidade." - Açucar Queimado, Avni Doshi; tradução Adriana Lisboa. - Porto Alegre: Dublinense, 2021. p.118

 

Arte por @ellaproenca

Distante, razoavelmente inquieta, e, acima de tudo: lenta e livremente, em torno de si. (2022)
Letra e Música: Thales Salgado

Quantas vozes há em ti?
São elas suas vidas passadas
Ou o que está por vir?
Há tantas interrogações!

Cale aquelas que puder
Ouça as que lhe façam bem
Se forem só ilusão
Dissipe com o coração

Sua voz é bem maior
Que qualquer barulho.

     Por muitos dias, esses versos não tiveram nome. Cheguei até a me perguntar se assim ficariam. Há uma década já me vali do expediente de nomear uma composição como "Sem um Nome". Batizar - e eu provavelmente já repeti isso diversas vezes desde 2016, é, muitas vezes, mais difícil do que escrever todos os versos. Agora, qual o motivo de um título tão extenso? (Não que já não haja precedente com Tudo Depende de Conforme For (ou A Balada de Raul e Júlia) de 2017) pode ser influência do título do álbum de Jair Naves: E Você Se Sente numa Cela Escura, Planejando a Sua Fuga, Cavando o Chão Com as Próprias Unhas que está completando dez anos em 2022.
    "Se eu tentar, ser mais direto, vou me perder... melhor deixar quieto" cantaria o duo Pouca Vogal.
     Composta no dia 6/09 quase que de forma inconsciente, a última coisa que ela recebeu foi o nome (justamente agora, no dia 27/09). Quando entrei em contato com a multiartista Isabella Proença para propor mais uma parceria para ilustração, a canção seguia sem nome. Abertura maior para que ela mergulhasse nas diversas camadas para seu realismo abstrato não poderia existir. Aquarela e digital, dois mundos, distintos são, mas ela soube, uma vez mais, uni-los e fazer com que trabalhassem em uma mesma intenção. A versão que se encontra em @fmodestia tem cores, qual é o antes e qual o depois? São o fim de um ciclo ou a promessa de renovação? Interrogações para um outro momento.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Incêndios na Alma

    Mal havia começado a leitura do texto Ser Egocêntrica, de Natália Nodari, no site da R.Nott Magazine me deparei com o seguinte trecho:

“Qualquer um que queira escrever algo decente precisa viver dentro de si. Quem falou isso foi poeta austríaco Rainer Maria Rilke, não eu. De qualquer forma, vou evitar ficar citando Rilke. Tem gente que cita autor inteligente para parecer mais inteligente, e eu acho isso péssimo. Quando alguém começa a falar de grandes autores eu começo a pensar em como eles são grandes e em como a pessoa que está citando parece pequena, minúscula, ao lado de gênios.”

Os trechos no Moleskine de 2011
    Ele me chamou atenção pois, desde o início, o blog contou com citações. O motivo eu já não sei. Talvez fosse referenciar autores que eu goste. O primeiro texto tem uma citação de Milan Kundera. Com o passar do tempo, a citação tornou-se uma obrigação, e, por vezes, me pego na Wikiquote procurando por alguma que tenha relação temática. Outras, como as recentes menções a Jeff Tweedy surgiram durante a leitura de seu livro sobre composição. Era coerente. Este trecho de Natália ressoou comigo, particularmente, por ser o que motivou essa letra. 
    Ela era a quarta em um conjunto de dezesseis composições que eu tentava completar em 2011. A única finalizada naquele ano, nem consta neste registro, foi a décima sexta: Referência, feita com versos da poeta do passeio azul: Kariny Camargo. Outras seguiram com o passar dos anos, mas creio que não chegam, até o momento, a dez. A ideia de falar em “heróis” partiu do refrão de Ideologia, de Frejat e Cazuza. Quem seriam meus heróis? E heroínas? Várias dessas pessoas ainda estão vivas! Em 2018, Frejat comentou com a Rolling Stone a razão de ter evitado cantá-la por anos: 
“Eu não tenho heróis, não tenho relação de idolatria com ninguém. Mesmo as pessoas que eu mais admiro – seja na área humana, na história da civilização, ou na música, os guitarristas que adoro –, não tenho relação de idolatria com nenhum deles. O Cazuza, sim, ele tinha essa relação de idolatria, então ele se sentia muito à vontade de cantar”.
    A ideia de utilizar os incêndios partiu de duas partes, tanto a Sra. Ezzzausta que havia me passado o livro Pequenos Incêndios por Toda a Parte de Celeste Ng quanto pela própria responsável pela arte que ilustra o post, Isabella Proença. Que publicara um trabalho em aquarela em que uma casa tomada por chamas surge em frente à uma grande figura. Esse foi, inclusive, um dos pontos que mencionei quando conversávamos possibilidades para a nova ilustração, em que ela empregou aquarela e giz pastel. 


Incêndios na Alma (2021)
Letra e música: Thales Salgado

Alguns de meus heróis se devoravam
Outros tomavam chimarrão
Alguns falavam sobre o tempo
Ou anteviam a revolução

Minhas heroínas, também,
Nunca deixaram calar
O sangue-quente, a cintilância,
De um infinito particular

Não são beatas, inamovíveis,
Mesmo assim, se erguem

Como seremos vistos amanhã
Se tudo o que fizermos
For sobreviver e fugir?

O que faremos quando
Até o espelho nos contra-atacar?

Quantos incêndios devem se alastrar
Por toda a nossa alma
Para ela poder descansar?


Cifra simples no Moleskine atual