“Ter uma memória autobiográfica involuntária é tomar consciência de uma experiência passada sem qualquer tentativa consciente prévia de a evocar” (Berntsen & Hall, 2004)
No Ano passado esteve em cartaz a
peça Havemos de Amanhecer, inspirada na obra de Carlos Drummond de Andrade.
Quando me deparei com o título minha reação inicial foi espanto. Anos antes
compus Padam, uma música contendo referência ao mesmo poema. Até que eu
associasse o fato, no entanto, fiquei ali me sentindo meio autor do título. Acho que todo mundo tem esse sentimento de se
apossar de algo a ponto de diminuir a relevância da autoria. Em família temos o
hábito de inserir frases de filmes e séries enquanto dialogando amenidades.
Ninguém se detém a imaginar o roteirista nessas horas.
Quando em 8 de agosto de 2013, Kariny
postou a imagem que ilustra esse post eu não imaginei que teria aulas com Carpinejar
anos depois, conhecia seu trabalho pela repercussão de frases no twitter e depois pelo programa A Máquina, mas ainda não tinha tocado num livro de sua autoria. Fiquei ruminando suas palavras, tentado a mesclar esse 'apesar de nós' n’alguma melodia. Antes que chegasse a qualquer conclusão veio o dia
seguinte e mais um post:
Decidi que o mote da letra seria me deixar conduzir pela ideia da felicidade de outrem. A partir disso consolidei diversas referências, começando pelo filme Luzes da Cidade, de Chaplin. Até chegar a O Vento do Los Hermanos. Já o "quadro de saudade" é inspirado na obra do Ituano, Almeida Junior. Na imagem do moleskine é possível perceber o método para cifrar a canção, que utiliza afinação drop-D e capotraste na quarta casa. Até hoje não faço ideia do nome dos acordes usados. Fui colocando de acordo com os sons, influenciado pela leitura do songbook de Vitor Ramil - sempre referência. Como notado na foto há apenas duas estrofes um pré-refrão e o refrão e o outro, definido pela palavra FIM. Outra estrofe foi escrita para não se valer do recurso de repetição total do texto.
Muitas referências se perderiam sem o registro, por exemplo, no momento em que vejo "como uma brisa leve" o primeiro pensamento é que se trata de uma referência ao cavaleiro de ouro Afrodite de Peixes ao receber a Tempestade Nebulosa de Shun: - como pode chamar isso de tempestade? Não é sequer uma brisa matutina. Poderia ser também da canção Quero Mergulhar nas Profundezas que conheci com o Pe. Marcelo Rossi no longínquo 1998 e possui o verso "brisa leve tão suave doce espírito" e no final das contas trata-se do título de um poema de Fernando Pessoa!
Os versos finais, quando interpretados literalmente, podem remeter à eterna rainha da Floresta Encantada, Regina, e seu hábito de retirar corações para os mais diversos fins. Sendo que a retirei do cabeçalho do blog http://meulivrodepoesia.blogspot.com.br/. Inserindo o Não digas nada! de Pessoa como anacoluto. A parte do diário de bordo mostra que a canção foi gravada no dia anterior à entrega de meu currículo na Editora Saraiva. Nada é mais simples, não há outra norma. Nada se perde, tudo se transforma. Diria Jorge Drexler.
Apesar de Nós (2013)
As
luzes da cidade
Te
dando esperança
Um
quadro de saudade
A
fazer chover
Se
não é mais “pequeno”
Será
providencial?
Rasgando
a amargura
Em
mil pedaços
Apesar
do que se crê
Apesar
do que se quer
Como
a vida pode ser melhor
Quando
você sente-se plena?
Com
uma brisa leve a te levar
Á
eterna inocência
De
esquecer a cor da mágoa
Com
o que vem
Apesar
de nós
O
sol daquelas tardes
De
vento na lembrança
Um
sentimento imenso
Que
só faz crescer
Se
não é passageiro
E
tampouco acidental
Nova
surpresa em risos
Partilhados
Apesar
do que se vê
Apesar
de quem se é
Como
a vida pode ser melhor
Quando
caminhas tão serena?
Com
uma brisa leve a te levar
Á
eterna inocência
De
esquecer a cor da mágoa
Com
o que vem
Apesar
de nós
Se
te arrancassem do peito o coração
No
vazio ainda existiria...
Não
digas nada!
Acho sempre um deleite revisitar as cancoes do meu presente de 23 anos pela sua propria analise :) Pois nem me lembro do que causou tal completude. "Mas ali fui feliz. Nao digas nada..." :)
ResponderExcluirNo meu caso é curioso por eu nunca lhe ter perguntado, então, há um mistério perpétuo. O mais que fiz foi catalogar uma série de movimentos virtuais e estes me levaram às canções. Tempo fecundo.
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