"De muito amor ao viver./De esperança e medo se libertar,/Nos agradecemos um breve agradecer/ A quaisquer deuses que possam escutar/Que não haja vida que sempre viva;/Que não haja defunto que reviva;/Que o mais tortuoso rio à deriva/Serpenteie seguro para o mar." Trecho de O Jardim de Proserpina (1866) de Algernon Charles Swinburne em tradução de Ana Cláudia Fonseca e Cláudia Gerpe Duarte
Desejo de um Rio com uma onda inspirada em A Grande Onda de Kanagawa, do artista Katsushika Hokusai |
Desejo de um Rio (2010)
Era um rio que queria alçar vôo
Ninguém
notava suas lágrimas
Pudera
ele conhecer os céus
Os
mares o achavam tolo
O
rio não guardava mágoas
Queria
estar além dos véus
Ria
rio, sem você não há mar algum
Ria
rio, tuas águas lhe afagam
Você
não está Só
- Onde quer ficar?
- Deixe-me pensar, há pouco lugar.
- Posso sugerir? Se sim, sugiro o terminal, se não nem faz mal...
- É. Por ali há bancos e verdejar.
- Hoje não haverá atraso
- Bom é saber tão cedo. Diz-me tua urgência.
- É que, de repente, fez-se luz em mim.
- Como um chamado?
- E sem você do lado.
- (Como um chamado)
- Vou elevar paz, me purificar.
- Eu não entendo, verdade, vou sentir saudade. Se é pra melhor, quem vai dizer?
- Tenha calma, não é um adeus.
- Adiantaria propor outra fuga?
- Pouco ou quase nada.
- É uma acertada decisão, você verá.
- O que vejo lá? É tua condução.
- Não se esqueça, não é um adeus.
Página sete de meu primeiro Moleskine (2010) |
- Deixe-me pensar, há pouco lugar.
- Posso sugerir? Se sim, sugiro o terminal, se não nem faz mal...
- É. Por ali há bancos e verdejar.
- Hoje não haverá atraso
- Bom é saber tão cedo. Diz-me tua urgência.
- É que, de repente, fez-se luz em mim.
- Como um chamado?
- E sem você do lado.
- (Como um chamado)
- Vou elevar paz, me purificar.
- Eu não entendo, verdade, vou sentir saudade. Se é pra melhor, quem vai dizer?
- Tenha calma, não é um adeus.
- Adiantaria propor outra fuga?
- Pouco ou quase nada.
- É uma acertada decisão, você verá.
- O que vejo lá? É tua condução.
- Não se esqueça, não é um adeus.
Revirando meu primeiro Moleskine dei de cara com esse diálogo. Tentativa de descrever uma fissura, sem dizer. O mesmo diário em que encontrei a letra de How Many Restarts Left na segunda página e a letra que viria a ser Desejo de um Rio na sétima. Se o sete pode for mesmo um número sagrado e perfeito haveria uma ligação entre a página sete e eventos colocados em movimento partindo da sétima série. Isso tornaria essa música a faixa sete na compilação O Tempo Passado, quinta demo de composições da Falsa Modéstia, o que não ocorre. Ela é a sexta. Se eu considerasse nomear as canções à moda de Dave Matthews ela seria, certamente, a #56 dessa banda fantasma. Considerando a altura de 2010 em que foi escrita, posso, afirmar fazer parte de minha "lira dos vinte anos particular". Outra hipótese seria a de que o embrião da composição teria sido lançado ao solo no breve contato com a canção do grupo Sagrado Coração da Terra: Sob o Sol. Ainda que não tenha acompanhado a trama da novela O Clone, a letra me alcançara e ela figura junto a Por um Triz - de Lulo Scroback - como aquelas músicas que, a cada ano reservo alguns minutos para audições consecutivas. Divago, todavia. Voltando ao embrião: se o que dizem do bambu chinês é que cresce por cinco anos no subterrâneo, pode ocorrer o mesmo com uma canção?
Essa letra é mais um produto da "teoria da mente"; Diferente de uma personificação mais subjetiva como a de O Sol Só II, Desejo de um Rio é resultado da tentativa de poetizar um conflito existencial de maneira projetiva, ainda assim, sempre estive preocupado com uma questão: qual o limite entre saber escrever e, de fato, sentir o que se escreve? porque para entender um amor assim é preciso conhecer o amor de fato! sou pretensioso ou demasiado obtuso? Tenha calma, leitora ou leitor, tentemos seguir esse parágrafo sem mais interrogações eruptivas. Musicalmente, tenho a referência do músico norte-americano Bill Callahan em seu disco de 2009 Sometimes I Wish We Were An Eagle. O violão dedilhado e suas paisagens bucólicas me inspiraram a buscar acordes numa afinação Open D - curiosamente, quando ensaiava nessa afinação acabei compondo a melodia de Tudo Depende de Conforme For - e, justamente por desconhecê-la, a limitação permitiu ser preciso. Há momentos em que é possível se colocar no lugar de uma pessoa, perceber a desordem, a ferocidade remota ao tempo que se percebe a construção/frustração de sonhos que impedem a colheita do mel da vida. Você sabe que se vivesse num mundo perfeito, seria capaz de entregar respostas e desdobramentos, mas não é assim. A impotência ao ver uma pessoa como "o rio" me levou ao ato de expressar o entendimento sabendo que, um dia, a vida haveria de estar melhor. Enquanto há vida, há mudança. Enquanto há mundo, há dança.
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