“Nascer leva tempo”. Satolep, de Vitor Ramil, Editora Cosac Naify, 2008
No Banana’s (2020)
Letra e música: Thales Salgado
Três mil
Duzentos e noventa dias
Nos separam
Daquela fotografia
Canções, assim se dizia
E o cantar
Com a melhor companhia
Se enlouquecia
Ao suco de maracujá
No Banana’s
“¡Los brasileños le gustan Banana’s!”
Horas atrás, vi surgir
em uma de minhas timelines uma foto foi adaptada pela multiartista
Isabella Proença na ilustração para A Equação
do Hiato em 2020. Ela retrata um evento ocorrido há dez anos e dois dias
atrás, uma pequena reunião no karaokê de, como diria Lenine: gente bacana,
amigos e o pretexto era fazer cantar música.
Entre os registros
visuais de tal dia, também surgiu a foto que utilizei para ilustrar o texto
sobre a canção Solipatria,
isso para manter tudo em apenas dois exemplos. Foi também inspirado nesse
evento que nomeei, para o Mosaico de Estrelas, uma faixa instrumental Passiflora
Edulis.
A foto me colocou a
pensar nas memórias episódicas, termo que ganhou popularidade após o início da
pandemia. Coincidência ou não, esta semana ouvi o décimo episódio do Podcast Todavia
em que entrevistam a doutoranda Glaupy Fontana acerca do tema. O programa me
levou a seu texto “Continuísmo e Descontinuísmo em Mental Time Travel: A
relação entre Memória e Imaginação” na esperança de encontrar um trecho que
eu pudesse usar para abrir este texto, o que, apesar dos conceitos curiosos
para alguém que lida com o tempo apenas na esfera do tempo comum, não
aconteceu.
Pensei, então, no
livro O perigo de uma história única, de Chimamanda Adichie, adaptação da
primeira fala da autora em um TED Talk em 2009. Sob o prisma de que posso falar
apenas de meu lado da história. Não imagino quem foi que decidiu criar o evento,
se a elucubração demandou muito tempo, como decidiram quem seria convidado, se
os convidados poderiam estender o convite etc. Meu conhecimento se deu bem
pouco tempo antes, como fica demonstrado no registro que pode ser encontrado em
meu e-mail:
Olhando hoje, ainda
seja um episódio marcante, não consigo lembrar sequer uma música que eu tenha
cantado na ocasião. Caso eu me ancorasse apenas nas palavras de minha versão
dez anos mais jovem e não tivesse registros fotográficos empunhando um
microfone eu poderia crer que sequer o fiz. De posse do Moleskine utilizado
na ocasião, posso até transcrever palavra por palavra de alguns dos pensamentos
que tive durante parte do evento. O que não quer dizer que eu me reconheça nestas
palavras. Digamos que seja uma tentativa fugidia para citar a Autopsicografia
de Pessoa e paremos por aí.
Tendo apenas a
história única de minha memória episódica, lembro como, ao ver a foto no ano
passado, fui tomado por um impulso de compor uma música que encapsulasse a
sensação daquele dia, com uma alegria que, naquele ano, eu não conseguia
manifestar. Ainda que Estela tenha replicado em um chiste que a música foi
composta apenas para jogar na cara dela a passagem de tempo em que ela não
havia escrito, para mim, não se tratava disso e, tenho aqui para mim, que ela lá já soubesse
disso.
O tema “canções
alegres” sempre orbitou nossas conversas quando passamos a dialogar regularmente
e, por razões que me escapam, sempre foi uma área na música em que não consegui
atuar com desenvoltura. Como a melodia surgiu de improviso, não parei para
pensar em que encadeamento de acordes estava trabalhando, é capaz até que ela
seja um arremedo de parte da canção Plain Letters, da cantora e compositora
americana Madison Cunningham.
Hoje, já são três mil
seiscentos e cinquenta e cinco dias após a letra, de modo que, posso dizer que,
como muitas composições que fiz, está “datada”. Mesmo assim, e, ainda mais, se
tratando de uma canção com ares de vinheta, composta para replicar a um
comentário, penso em como é uma memória importante. Ainda mais em um período
que as memórias episódicas estão tão prejudicadas por não termos uma marcação
nítida de tempo e espaço pela semelhança dos dias. Quem sabe no futuro, possa
haver outras fotos dignas de promessas para recorrência? O tempo dirá... ou, como costuma fazer,
não dirá nada.
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