‘Why did the apple fall to the ground? Where have all the flowers gone? Who fired the shotgun when love was all around? Where we only sleeping? I don’t know. But I do know Something About The Beatles’ - The Korgis
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Foto: Helen Moraes |
No dia sete de setembro decidi, finalmente, visitar o Shopping Eldorado para conhecer o evento que prometia ser “a maior e mais interativa exposição dos Beatles já vista”. Para todos os efeitos, ela é! Ainda não tivesse visitado nenhuma outra exposição tendo os Fabfour como foco a experiência do título é realmente imersiva, não devendo nada para as itinerâncias do circuito de museus de São Paulo.
Já na fila, se enxerga uma
reprodução imensa de uma fotografia de outubro de 1965 em que fãs ensandecidas
tentam furar um bloqueio policial em frente ao Palácio de Buckingham, onde os
membros da banda receberiam condecorações da Rainha Elizabeth II. Olhando ao
redor, era possível observar a abrangência de público. Havia desde idosos
comentando admiráveis tempos idos, curiosos procurando descobrir quem eram “os
tais dos Beatles” e até mesmo crianças que teriam seu primeiro contato com a
obra de John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr. A canção In
spite of all the danger, única creditada a Paul e George e uma das primeiras
gravadas pelos The Quarrymen, já dava o tom do que viria a seguir.
Antes de rasgar seda na descrição
do percurso, convém salientar que, ao menos no dia em que lá estive, não foi
possível obter o guia em inglês para apreciação. Funcionários confessaram que “o
número de estrangeiros no feriado de Independência superou as expectativas” e “o
fato do conteúdo estar quase que completamente em português dificultou um pouco
para os visitantes estrangeiros que ficaram sem o guia impresso”. Como meu
interesse pelo objeto era mais questão de um souvenir não afetou minha
experiência. Por último, não menos importante, todavia, pude encontrar tremas
em textos da exposição. Supondo o visitante não seja um gramar nazi, elas
passarão batidas. Agora, sem mais delongas, o roteiro.
ATENÇÃO: O TEXTO A SEGUIR CONTÉM
SPOILERS
Ah! Mas é para isso mesmo que
estão aqui? Perdoe, cara leitora ou leitor, eu sempre quis usar essa frase. Mas
divago! As únicas regras que foram transmitidas: para não comprometer o fluxo
de visitantes não é permitido retornar para a ala anterior, no entanto, a
permanência nas dependências é livre. Fotografias são permitidas desde que
tiradas com dispositivos móveis. Câmeras profissionais não são permitidas.
Tudo começa com um vídeo
apresentando as datas de nascimento dos integrantes e o contexto histórico da
Inglaterra. Em seguida, você se depara com a recriação de um caminhão em que
os, então, Quarrymen, tocaram numa quermesse, e John e Paul se conheceram. Essa
primeira ala conta com uma série de itens, como o diploma de Lennon. Há,
também, um grande painel exibindo as mudanças de integrantes desde que a banda
se chamava The Quarrymen até se tornaram The Beatles, com a supracitada
formação clássica.
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Foto: Helen Moraes |
No livro As letras dos Beatles, o
biografo oficial da banda, Hunter Davies comenta que, certa vez, num momento de
tédio se colocou a estudar os rostos famosos na capa do álbum Sgt. Pepper
(1967) e se surpreendeu ao constatar que haviam nove escritores e apenas quatro
músicos. Essa inclinação literária é interessante em se considerando o quanto
os rapazes zombavam de sua boa formação e de seus professores. O academicismo,
por si, não significa muito despido do interesse individual. Seguindo o trajeto há uma série
de fachadas, pôsteres e foto. Um expediente para manter o visitante sempre
entretido com alguma informação ou detalhe. A recriação cenográfica do Cavern
Club, em que os Beatles tocaram cerca de 300 vezes, remete aos clubes de rock
ou ambientes que seriam recriados em programas como o Acústico MTV. Nas paredes
pequenas biografias dos poucos que tiveram oportunidade de fazer parte do
círculo íntimo da banda, como Brian Epstein, Klaus Voormann, Mal Evans e Neil
Aspinall. Forma de se perceber que além dos criativos uma série de
protagonistas são necessários em outras frentes para a consolidação do mito.
Um exemplo do aproveitamento
criativo do espaço está no corredor que simula uma cabine de trem britânica.
Detalhes como as malas e a paisagem da janela fizeram com que eu me sentisse no
Expresso de Hogwarts. O desembarque é realizado na “Beatlemania” em si. O frisson
causado pelo grupo no mundo, em especial, nos EUA. A “Invasão Britânica” foi
capitaneada pelos quatro garotos de Liverpool mas contou com uma série de
outros nomes como o The Kinks, The Animals, The Hollies, The Who e, claro, The
Rolling Stones. O episódio seis do minidocumentário The Sixties (2013), com produção
executiva de Tom Hanks, se aprofunda no aspecto histórico desse momento. Nesse
sentido, não importa ‘gostar ou não’ dos Beatles. O efeito que tiveram, e tem,
na cultura pop e no estilo de produção musical que é seguido até hoje é
inegável. Até mesmo Matthew Weiner, criador da aclamada série afirma que não teve
problemas em pagar US$250.000 em taxas de licenciamento para utilizar a faixa
Tomorrow Never Knows na quinta temporada da série (2012) uma vez que, no
comando de uma série que tomava parte nas transformações vivenciadas nos anos
sessenta, sentia estar faltando autenticidade por não haver nenhuma música do
grupo que era o estandarte de diversas transformações.
Voltando a ala em si: ao centro, dezenas de televisores
antigos transmitem imagens de arquivo da banda. Ao redor? Vitrines com todos os
artigos que você puder imaginar. Agasalhos, quebra-cabeças, lancheiras,
bonecos... você escolhe! Há também um espaço dedicado a alguns dos efeitos da
febre no Brasil. Num vídeo, Beto Bruno da banda Cachorro Grande fala das
decisões que motivaram as mudanças nas coletâneas tupiniquins. Há um trecho em
que Caetano Veloso comenta que quando os Beatles apareceram no Brasil não
diferiam muito do que seria, hoje, um Justin Bieber. Odair José – que tem uma
canção chamada "Eu Queria Ser John Lennon" – afirma que
quando estreou o filme Os reis do Iê Iê Iê (A Hard Day´s Night, no original,
mostrando como desde sempre os brasileiros possuíram criatividade ímpar para
adaptação dos títulos) ele chegou a assistir vinte vezes. Ronnie Von explica
que seu pai conseguia os discos com cerca de seis meses de antecedência e ele
chamava Rita Lee para ouvir junto, e como, a partir disso viu surgirem Os
Mutantes. O Iê Iê Iê brasileiro ecoou de Roberto Carlos à Arnaldo Antunes.
Além dos instrumentos utilizados no período há uma
coleção de capas dos lançamentos ao redor do globo e a biografia daquele que é
considerado o 5º Beatle: o produtor musical George Martin. O apoio do Spotify
como o player oficial se reflete em uma série de totens espalhados por todo o
espaço da exposição em que os visitantes podem pegar fones de ouvido e apreciar
a discografia completa dos Beatles, além de playlists dedicados a suas
primeiras influências, como o skiffle. Chega então um dos momentos mais
interessantes, a recriação de um trecho do show no Shea Stadium, NY, em 1965,
em um filme de realidade virtual. O visitante se vê como uma das 55.600 pessoas
do público. A tecnologia é realmente promissora e, de cara, já se mostra
superior à utilização do 3D tradicional, por exemplo.
Após o show há dois quadros interativos com linhas
do tempo. Muitos dos presentes afirmavam se sentir como Tony Stark manipulando
a tela. Há também os figurinos de John para uma apresentação no Japão e depois
uma explicação daqueles que são considerados os três maiores problemas externos
que a banda enfrentou: a descontextualização da infame frase de John Lennon
sobre ‘serem maiores que Jesus’, o desentendimento com o ditador das Filipinas
Ferdinand Marcos e sua esposa Imelda, e a explosão de uma cherry-bomb próxima a
uma apresentação, coisa que, logo, deixariam de realizar.
Bem próxima à fachada da EMI, há um mural com as
capas de diversos álbuns gravados no estúdio Abbey Road. Como o The Dark Side
of the Moon, do Pink Floyd, em 1973. O homônimo de Duran Duran em 1993 e a
trilha sonora do filme O Senhor dos Anéis composta por Howard Shore. Já na “EMI”
há material promocional da animação Yellow Submarine, fotografias do tempo em
que estiveram no retiro espiritual com o guru Maharishi Mahesh Yogi na ìndia e
as vestes da Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band. Falando em submarino, logo
depois, o visitante tem a oportunidade de navegar, ao céu azul e ao verde do
mar, no submarino amarelo com escotilhas animadas e o vídeo falando do disco
visualizado por meio de periscópios.
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Foto: Helen Moraes |
O telhado da sede da gravadora Apple é o cenário
reproduzido de modo a passar a impressão de que o visitante está presente no
Rooftop Concert ouvindo Don’t let me down. O que foi a última apresentação da
banda, um ano antes da separação prepara o terreno para o fim. Como que para
melhorar os ânimos há a reprodução cenográfica do exterior do estúdio com a
faixa de pedestres de Abbey Road, em que os visitantes, pagando uma taxa de
R$18, tem um fotografo para conduzi-los ao melhor lugar e guardar de recordação
sua própria versão da capa do último disco a ser gravado, e penúltimo lançado.
As pessoas que quiseram entrar na brincadeira não hesitavam em descalçar os
sapatos à Paul. Jornais da época esboçam a perplexidade com a separação do
grupo. E enfim o epílogo: há uma pequena ala dedicada aos integrantes em suas
empreitadas solo. Variadas peles da bateria de Ringo Starr, a relação do
repertório de cada visita de Paul McCartney ao Brasil, As amizades musicais e o
Sitar de George Harrison e também uma réplica do piano branco que John Lennon
utilizou no vídeo de Imagine. A exposição, conduz, então a uma grande loja com
tudo o que beatlemaníacos de todas as idades e nacionalidades poderiam querer:
cd’s, dvd’s, vinhs, camisetas, biografias, bottons, etc. Ao sair, você vai se
deparar com os portões de Strawberry Fields e virá a vontade de voltar ao
início para ver tudo de novo. Experenciar os dez anos mais prolíficos na
história da música, uma mágica e misteriosa viagem num sonho sem fim.