"São tempos sombrios, não há como negar. Nosso mundo jamais enfrentou ameaça maior que a que enfrenta hoje." Rufo Scrimgeour
Essas narrativas em primeira pessoa sempre me fazem pensar em quão confiável é a voz do texto, principalmente quando envolve o resultado de uma série de diálogos. Tudo é sempre uma ficção; Pode ser influência da segunda temporada de Mr. Robot, ainda que não esteja tão contente com os rumos da trama que parece patinar sem rumo, a ideia de dupla personalidade sempre me chamou atenção desde que me deparei com o trágico destino de Saga, o geminiano. Diga o que quiser, fui conhecer a obra de Robert Louis Stevenson só muito tempo depois, fico com o referencial nipônico. Seja como for, no final, despida de todo o requinte que se buscava cá estamos no segundo parágrafo e, na falta de ideia melhor para ele, sugiro que passe ao terceiro:
Síntese sem tese ou antítese agora, retomemos parte do que compunha a intenção original do texto. Aos doze, eu estava na banca de jornal próxima à E.E. Esli Garcia Diniz, suponho eu estivesse conversando com Alcebíades quando os acordes de uma música diferente começou a tocar na rádio. Gm F Dm não seria mera coincidência que minha primeira composição teria um pouco disso. A questão é que quando ouvi os versos "Sinto um imenso vazio e o Brasil que herda o costume servil, não serviu pra mim" não deixei escapar a surpresa. "Esse cara tem a voz parecida com a do Paulo Ricardo". Fui corrigido pelo colega da banca: "Mas é ele, está voltando com a banda dele, o RPM". Curioso, até então, para mim, ele era apenas o judeu Samuel na novela Esperança e o cantor de hits tais Como se fosse a primeira vez e Dois.
Foi um choque bem vindo, eu sabia que letras podiam ser politizadas, refletir algo do mundo "real". Conhecia Ideologia de Cazuza, e uma serie de pensamentos de Renato Russo envolvidos nas letras da Legião Urbana, como Que país é esse? e Geração Coca-Cola. Mas Juvenília representou a ruptura do que se podia dizer ou não. Então, no terceiro ano do ensino médio era o que eu tinha em mente quando a profª Marize dividiu a sala em grupos e propôs que cada um compusesse uma canção sobre o país, e que tivesse o meio ambiente, também, como norteador. Foi surgindo o que viria a ser Solipátria suponho segui o tema até o segundo verso. Como o grupo em que eu estava já possuía um compositor com uma verve "popcêntrica" deixei de lado a primeira estrofe por alguns anos. Textos guardados. Uma série deles.
Corta para o RPM de novo. Em sua versão de Alvorada Voraz para o disco ao vivo em 2002, Paulo Ricardo atualizou sua letra. O que era "O caso Morel/O crime da mala/Coroa-brastel/O escândalo das jóias/e o contrabando/um bando de gente importante envolvida" tornou-se "O caso Sudam/Maluf, Lalau/ Barbalho, Sarney/ E quem paga o jornal?/ É a propaganda, pois, nesse país é o dinheiro que manda." Em 2009 a série de escândalos no senado acabaram por me fazer retomar a letra pensando na situação do país, e, o hino nacional já estava no DNA da letra que nasceu na escola. O tema na faculdade rondava as intertextualidades, e a Canção do Exílio de Murilo Mendes uma ponte. No último momento a melodia se deixou influenciar pelo folk cuiabano do Vanguart. De tanto ouvir comentários acerca de Guimarães Rosa era preciso utilizar neologismos, apenas no título faria sentido: A pátria solitária, solitária pátria, solipátria. Os protestos de 2013 viriam a contradizer o primeiro verso da segunda estrofe, o povo já não estava calado. Hoje, mais que arroubos parnasianos, estudantes ocupam suas escolas em atos que deixariam V orgulhoso. Ideias são à prova de balas e o país pode avançar sem temer.
Solipátria (2009)
Quando o verde louro torna rubro
E o som do mar traz gritos incontáveis
Quem parar para olhar para o céu
Não verá o sol da liberdade
E sim decepção por toda a corrupção
Que agora reina e se espalhou
O povo heroico está calado e já não liga mais
O espelho está quebrado e se nega a refletir
Pois que não há grandeza a ser espelhada em futuro aqui
O berço esplêndido virou caixão
E ninguém já se deu conta
Que alguém apagou a luz
Entre outras mil fomos nós mesmos
Os que cortamos o cruzeiro que resplandecia
E agora vocês sabem
Sabem que somos nós
Que vamos permitindo a um outro mundo
Vir até aqui e fazer pouco caso de nossas verdades!
Da pátria amada hoje só restou saudade
Saudade restou só hoje amada pátria
Tenha dó de mim
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