terça-feira, 7 de novembro de 2017

Para Contato (Marte)

"A solidão é, mais ou menos, uma circunstância inevitável. Às vezes, porém, esse senso de isolamento, como ácido espirrando de uma garrafa, pode inconscientemente corroer o coração da pessoa e dissolvê-lo. Podemos ver isso, ainda, como uma faca de dois gumes. Isso me protege, mas ao mesmo tempo me dilacera por dentro. Acho que a meu próprio modo tenho consciência desse perigo -- provavelmente, por intermédio da experiência --, e é por isso que constantemente mantenho meu corpo em movimento, em alguns casos forçando-me até o limite, a fim de curar a solidão interior que sinto e colocá-la em perspectiva. Não é tanto um ato intencional, mas, antes, uma reação instintiva." Haruki Murakami, Do que eu falo quando falo de corrida.

STS040-610-049 Mar Egeu Junho 1991


         Tire a microfonia, retire a cacofonia sonora. Sobra alguma coisa dessa composição? Você, leitora ou leitor desse texto é quem decide, afinal, provavelmente não tenha o parâmetro da gravação caseira feita em 2007. Décima primeira faixa da demo Falsa Modéstia, Para Contato (Marte), iniciava a trilogia da primavera (que segue com Um Conto no Jardim e Para Ela), inspirada na trinca do álbum Gessinger, Licks & Maltz da Engenheiros do Hawaii. Ali, travei contato com as possibilidades de um tema recorrente em canções. O Marte do título era por conta da microfonia ao final da música. Nada contextual à letra.
       O eu-lírico se dirige a um interlocutor desconhecido - senso de despeito inapropriado? - inconformado com uma decisão que lhe fugia ao controle. Na primeira estrofe predomina o caráter de negação, sintetizado pelo uso do não a iniciar os versos. Em seguida ele se dirige a outrem. "Parem de falar que as coisas são assim, sem ao menos entender!" Ele grita várias vezes como quem se faz de surdo. Aqui, cabe uma reflexão de um texto do psicoterapeuta Flávio Gikovate: Acredito que é direito legítimo de cada um falar ou não com qualquer outra pessoa. O fato de ela querer muito nossa atenção não nos obriga a aceitar sua aproximação. E isso independe das intenções de quem deseja o convívio. A postura demonstrada pelo eu-lírico nesta canção é carregada de prepotência e egoísmo. Sua insistência demonstra apenas a falta de respeito e a vontade de magoar gratuitamente, como fosse um direito!
        Isso fica evidente no trecho final da canção. Um poema aliterativo inspirado na apresentação de V no filme V de Vingança. As coisas já começam mal: "E no prelúdio irei me predispor a te prender se precisar" e essa atmosfera densa se mantém ainda ele prefira colocar palavras doces como primavera nessa equação desconsolada. O que suas lágrimas devem evocar? A decisão mais acertada para tal personagem seria respirar fundo e aceitar o conselho dos que ainda se prezavam à dá-lo: as coisas são assim mesmo. Não se deve confundir insistência com inconveniência.

Para Contato (Marte) - 2007

Não acredito no que você me disse
Não acredito que aquilo quis dizer
Não faço apostas, nem estou triste
Só não me diga o que fazer
Não vou deixar de te ver

Parem de falar que as coisas são assim
Sem ao menos entender
Quem sabe o que fazer?
Quem sabe o que falar?
Para onde estamos indo não dá pra voltar!
Não dá pra voltar!!

E no prelúdio irei me predispor
A te prender se precisar
O principal é sim precário e na pratica
Serei precavido ao proteger
O precioso prêmio
Que desde o início me privei
A primavera que por prece
Deixou de ser profana
A primavera que por fim de prantos
Trouxe-me você!

Nenhum comentário:

Postar um comentário