A estação deserta após noite de festa. |
C.P.T.M - 2018
(Caminham Pelos Trilhos do Mundo)
Letra e música: Thales Salgado
Mesmo após sair dos sonhos
Ela embarca em outro dia
Tem nos olhos o verão
Refletindo o lado avesso
O oposto a gravidade
Transitada em suas mãos
Resoluta ela parte
E narcisos imprecisos
Mal a vêem sair do chão
Os operários de Tarsila na estação da Luz
Caminham pelos trilhos do mundo
Buscando a quem conduz
E que nunca vem
Não vem!
Quanto se deixa em estações?
Nenhuma esfinge saberá
Os sentimentos em nudez
Contrários a qualquer talvez
Não salte! De branco.
Não salte! Só olha.
Vejo as mãos, ao vento
Só a trajetória
Tanta emergência nos desvãos
Os emergentes, sem ação
Rompa o silêncio em avidez
Tudo só acaba uma vez
Das composições que fiz desde 2007 C.P.T.M, é, até o momento, a que mais levou tempo para ser desenvolvida. Ainda que tenha sido finalizada em 25/05/2018, seu embrião surgiu em 2011. Após assistir o coletivo Bootworks Theatre falando de seu espetáculo Black Box no teatro do Sesi, fui abordado na linha verdade do metrô se "ver todas aquelas pessoas na estação" não me inspiravam a escrever e, até então, a verdade era que não. Ali, aos 21, o máximo de exposição que tinha ao metrô eram passagens pontuais enquanto alcançava a UniSant'Anna ou algum evento no Sesc.
N'algum ponto entre 2014 e 2015 conheci o trabalho da dupla Onagra Claudique; por meio de seu álbum Lira Auviverde. Entre as narrativas presentes em sua lírica, há a letra de Arrebol. Nela há versos como "Na catraca do metrô querem passar três/É tão desolador o anhangabaú/Depois das seis" e "Na parcela do imposto não contém/O desgosto de encarar duas conduções, um trem?". Era possível, então, inserir elementos do cotidiano de forma elegante numa letra de música. Mas, o que eu poderia dizer acerca do tema?
Foi apenas em 2016, na primeira aula que tive com o escritor Fabrício Carpinejar, que algo passou a realmente tomar forma. Enquanto passava pela estação da Luz, tive a impressão de enxergar o quadro de Tarsila do Amaral, a tela Operários:
Na pintura de 1933 podemos enxergar uma pirâmide de trabalhadores exibindo feições que são variações de cansaço (uma pequena parcela do que, no futuro, Byung-Chul Han definiria como a Sociedade do Cansaço). A intersecção nesta estação me trouxe alguns dos versos:
Os operários de Tarsila
Na estação da Luz
(...) algo que os conduz
Conduz surgiu para rimar com luz, e, não havia nada além disso. Uma brincadeira com o maquinista/condutor estava implícita, mas, o que mais? Tudo o que foi escrito no texto conduziria a este ponto. Foi apenas em 2018 que me veio a mente uma história que ouvi quando criança. Uma moça com vestes brancas olha fixamente aos olhos de uma testemunha antes de saltar rumo aos trilhos. Algo chocante, sem dúvidas. Uni uma possível narrativa do que seria este momento com a ideia de "narcisos imprecisos" que já estava num dos textos do blog deste novembro de 2016 "Mesmo assim ainda pode causar estranheza ver as pessoas banhadas pela luz das telas. Narcisos imprecisos? Quando o display esmaece, sobra o reflexo." Era uma brincadeira com Black Mirror, claro, mas, ainda assim, permitia mostrar algo que vemos todos os dias: a utilização indistinta de celulares enquanto estamos entre lugares. Não me excluo disso, obviamente.
Tinha então quase todas as peças em lugar, uma possível suicida, operários caminhando na estação, pessoas com seu celulares dando atenção a seus universos digitais particulares... eis que, num dia de maio concluo que seria interessante ter um acrônimo para o título. Surge "Caminham Pelos Trilhos do Mundo" e, após isso, concluo que a melhor forma para começar a letra seria usar, como tantas outras vezes, um acróstico. Desta vez para Metrô e Trem. Objetos inanimados tomando parte de uma canção. Que, até o fim de julho, não foi gravada. Mas o será, em breve.
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