domingo, 8 de novembro de 2020

Celebração

 “Pode não parecer. Há dez anos. Raramente tirava fotos. Os retratos, fazia com letra e música. Como este: celebração. A ideia do arranjo minimalista, quatro acordes, veio de Elephant Gun da Beirut. A época, ainda sob influência da microssérie Capitu. Então, em se tratando de dez anos de diferença. Antes, a letra. Hoje, um desenho. Fotos, para quê?” – 7 de fevereiro de 2019 em @fmodestia
Desenho feito em 2019
inspirado no mito grego subvertido na canção
    
    É difícil falar de “Celebração”. No fim das contas, ela parece resumir-se a um exercício breve na gravação da banda norte-americana Beirut, utilizam um ukelele. Pensei em como seria ter uma composição com acordes em uma outra ordem, mas despida da orquestração, por dois motivos: primeiro, me faltava a destreza técnica para tal e, em segundo, a ideia não era fazer uma versão nacional.


Celebração (2009)

Vamos celebrar o impulso cerebral
O pulso que não para
Para nos satisfazer
O culto ao oculto quando
Chove a chuva cheia de chagas

Esta noite serei teu Ícaro
E tu serás meu sol
Aposto que, isto posto,
Contrair-se-á teu rosto sem dó
Em contraste com meu rosto em dor

Não estou mais perdido agora não
Pois eu sei que o livre-arbítrio é ilusão
São aquele que não pensa como eu
E enxerga um mundo inteiro seu

   A gravação original tinha uma vocalização de diversas vozes sobrepostas durante a duração total (no vídeo atual, ela surge apenas no final) o que poderia alienar os possíveis dez ouvintes. Se você não sabe fazer uma segunda voz, mal conseguirá fazer uma terceira, então, já imaginou quão excruciante pode ter sido ouvir a tentativa.
    Sem ter habilidade técnica para criar harmonias vocais ou programar bateria, a ideia de tocar um projeto como o Elect the Dead de Serj Tankian, em que o artista toca guitarras, baixo, piano, vocais, sintetizadores, programação de bateria, escaleta e até sinos. Desse modo, a ação gregária, o apoio de outras pessoas com outros conhecimentos sobre música é essencial para fugir do formato “voz e violão” (ou voz e uke, como nesse vídeo).
     O primeiro verso parece retirado da canção Perfeição, lançada pela Legião Urbana quanto Renato Russo tinha 33. Assim como o segundo parece prestar tributo à “O Pulso”, lançada pelos Titãs quando Arnaldo Antunes tinha 30. Digo “parece” pois não sei se estava com estes artistas na cabeça quanto a letra foi escrita. Contava eu 19. Proporções à parte, todas estas comparações não levam a lugar algum. Ninguém precisa compor o que já foi composto, por mais que tenhamos grandes artistas que nos precederam como norte.
    Esse argumento surgiu recentemente enquanto conversava com a cantora Paula Lima. Ela me mostrou uma interpretação de uma composição minha e comentei que, dentro desta situação, eu era o Belchior e ela era a Elis Regina. Belchior lançou seu primeiro álbum aos 28 anos. Aos 30, nunca lancei nada. Medo, falta de interesse ou falsa modéstia? Em um desdobramento desta conversa, surgiu a questão de que as canções poderiam ser mais que um hobby se eu quisesse. Será? Fica a carta para o futuro, quem sabe eu chegue aos 70, me depare com este texto – considerando que eu alcance esta idade e não sofra de nenhuma forma de degeneração progressiva das células cerebrais – e pense: parece que ela estava certa e eu me enganei pelos últimos 50 anos. Quem sabe?
    É valido ressaltar, que os versos são repetidos duas vezes mostrando uma certa preguiça por parte de seu autor. Não foi intencional, mas... quando a compunha não senti que poderia ser de outra forma. Onze anos depois de sua composição, pude tocá-la no ukelele, de modo que o instrumento que inspirou a composição, encontrou a canção. Ciclos dentro dos ciclos ou o eterno retorno?