domingo, 24 de junho de 2018

Dom Casmurro!

"Estilo, meus senhores, deitem estilo nas descrições e comentários; os jornalistas de 1944 poderão muito bem transcrevê-los, e não é bonito aparecer despenteado aos olhos do futuro." - Machado de Assis. "A semana". Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 1895.
 


         A gravação que acompanha este texto é a feita em 2009, com os erros e acertos no limite do que eu no alto de meus dezenove anos era capaz de fazer. Gravei primeiro o violão e tentei cantar de fôlego com alguma dificuldade. O "Ah Capitu" soa antinatural por ter sido inserido depois. Á época me era difícil cantar tocando a letra inteira. Letra essa que surgiu em meio à rota das cobranças como office-boy. Num dia inespecífico comecei a cantar "De minha infância lembro muito meu tio, minha mãe, o quanto isso hoje me diz é pouco" depois os jogos de palavras "quem captava a linha direta de minha rotina, por quem meu corpo perto optava por parar, tu captas que diziam: ela é coisa do capeta. Teus olhos de ressaca: Capitu". Algumas brincadeiras como o "europou" eram influência dos neologismos de Guimarães Rosa. Autor que só me lembro de ter prestado atenção à existência por influência dos professores na universidade. Mas pensemos na música.
       Dom Casmurro! surgiu no mesmo ano em que compus A Hora da Estrela. Não é coincidência. 2009, para efeitos deste texto, ficou marcado por dois eventos: minha incursão na faculdade de Letras e o fim da banda Falsa Modéstia.    
        Ambos eventos parecem carregados de coincidências. Desenho, então poderia ter feito Artes Plásticas. Navegando o sonho de perder a timidez e me libertar no palco poderia fazer Artes Cênicas. Compondo há alguns anos e já tendo a indicação de um técnico em estúdio para aprender a tocar com metrônomo, Música era a escolha certa. O gosto pela análise interpessoal parecia sugerir trilhar o caminho da Psicologia. Apreciando escrever, Jornalismo era para mim. Por menos opinativos fossem os textos naquele período - ou em qualquer um posterior. Memorialista que sou, poderia ser me desse bem estudando História. Por crer a Língua Portuguesa base para quaisquer estudos que fizesse acabei optando por Letras. 
           A banda também poderia ter seguido? Sim, de certo modo, ela o fez. Se durante um período a troca de um integrante era capaz de gerar uma banda com conceito completamente distinto (Falsa Modéstia/Cangaço) a banda Vacina seguiu com os integrantes levando a música, energia e vibração para todos os lugares e segui com as composições de dentro de meu quarto. Diria Anitelli: as claves na gaveta. Algumas como Para o Adeus (tributo a Michael Jackson) já tinham parte desenvolvida. Outras como Dom Casmurro! já estavam prontas e eram ensaiadas buscando um arranjo que as vestisse bem. Seguindo o exemplo d'O Teatro Mágico em Cidadão de Papelão comprei uma escaleta num passeio com Fabio pela Rua do Seminário enquanto levávamos os instrumentos para uma revisão com o luthier Erlon Alves.
        O caráter memorialista teria sido herdado de Machado? Os textos de 2007 ficaram conhecidos pelos poucos que os viram como "Memórias de um doceiro". Seguindo o exemplo das Póstumas de Brás Cubas, do Memorial de Aires, do próprio Dom Casmurro. Notei no último sábado, enquanto lia sobre a narrativa de Bento Santiago como há relação entre o momento em que ele vê os olhos de Capitu pela primeira vez com a forma descrita na narrativa de Sobre um dia de junho. Este blog, em si, são memórias. Mal se fala do futuro, senão, aquele vivido enquanto presente. A banda Falsa Modéstia flutua de memória em memória.

Dom Casmurro (2009)
Letra e Música: Thales Salgado

De minha infância lembro muito
Meu tio minha mãe
O quanto isso hoje me diz é pouco
Quem captava a linha direta de minha retina
Por quem meu corpo perto optava por travar
Tu captas que diziam:
Ela é coisa do capeta
Teus olhos de ressaca Capitu

O Pádua ficou louco
José Dias não europou
Mesmo com todos os superlativos
Escobar meu amado amigo
Em nado naufragou
Fui traído pela cigana obliqua Capitu

Cigana obliqua e dissimulada Capitu

Fui para o seminário
Pra São Paulo me mudei
Voltei formado como advogado
Escobar meu amado amigo
Em nado naufragou
Fui traído pela cigana obliqua Capitu

Cigana obliqua e dissimulada Capitu

Ah Capitu...

Ezequiel meu filho
Era a cara de Escobar
Os movimentos, o furor o brilho
No funeral Capitu
Dama negra desaguou
Chorava mais que a perda de um amigo

Ah Capitu...

Viajou para a Europa
Tão mais logo não a vi
Guardei em mente só uma certeza
Escobar meu amado amigo
Em nado naufragou
Fui traído pela cigana obliqua Capitu

Cigana Obliqua e Dissimulada Capitu

Ah Capitu...


          

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