quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Um Dia de Calma: Moska na Fazenda Serrinha

"Na máquina literária que constitui "Em Busca do Tempo Perdido" de Proust, somos atingidos pelo fato de que todas as partes são produzidas como seções assimétricas, caminhos que, abruptamente, chegam a um fim, caixas hermeticamente seladas, receptáculos incomunicantes, compartimentos estanque, nos quais há frestas mesmo entre coisas contíguas, frestas a ser afirmações, peças de um quebra-cabeça pertencendo não a um quebra-cabeça, mas a vários, peças montadas ao serem forçadas a certos lugares em que podem ou não pertencer, suas bordas incorrespondentes violentamente forçadas fora de seu formato, forçadamente feitas para se encaixar, se entrelaçar, com um número de peças sempre restando." - Gilles Deleuze, Anti-Édipo: Capitalismo e Esquizofrenia.


       Deixar de lado, deliberadamente, uma possível chave para o enigma faz com que alcancemos o erro ou criar nossa mais sincera interpretação? Daniel Galera afirma que atribuir um propósito superior a um lance qualquer da vida é construir uma ficção muito pessoal. Pois, como numa profecia autorrealizada pensarei que, de fato, eu deveria mesmo ter estado lá no dia 31/07 A que lugar me refiro? A Fazenda Serrinha.


       Uma singela foto não é capaz de encapsular cento e vinte hectares Há ali um festival pluricultural ocorrendo há quinze anos! Foi como descobrir um monumento escondido a plena vista, mais que isso, poder rever um show de Moska num ambiente diferenciado. Saber de sua presença desde o início dos trabalhos imersivo-culturais há muitos anos. Presença que o artista mesmo descreveu como "acompanhar a fazenda se fazendo". A possibilidade de reunir todas as tribos em um só local permitindo a interação e a criação: transformação.
          Venho refletindo recentemente acerca de nossas interações unilaterais com os ídolos que elegemos, podemos encontrá-los várias vezes e, provavelmente (?), será sempre o primeiro encontro. Mesmo depois de conversas bissextas haverá sempre o desconhecido ao passo que, quanto mais nos aprofundamos em suas obras, sentimos sempre conhecer mais de cada um deles. Ainda assista o Zoombido de forma desordenada a cada episódio me sinto aprendendo mais acerca do próprio idealizador do projeto. Poder encontrá-lo no meio de meu passeio foi um deleite, tudo em câmera lenta no instante em que balbucio para Helen: 
       - É o Moska, será que devo falar com ele?
       - Vá logo! (risos)
      E ela não pensou duas vezes em registrar o momento numa foto. Eis um dos momentos impossíveis de viver quando se está apenas ouvindo mp3.
          O show começou por volta das 18h20. Gosto de artistas que podem carregar a força da canção munidos apenas de seus violões e voz. Violoz. Me surpreendi com Hermanos, composta com Fito Paez, não pensava as cancões de Locura Total integrassem seu repertório. "Vida pura, pronta para brilhar" me parece complicado passar mensagens positivas sem soar piegas. Soneto do teu corpo, parceria com Leoni deu seguimento, depois Quem sabe isso quer dizer amor de Lô Borges. Uma das mais novas em seu cancioneiro Tudo que acontece de ruim é para melhorar vem repleta de esperança, o título, auto-explicativo, foi abalizado pelo aplaudido "Fora Temer!". A ligação com os cantautores da América Latina referenciada com versão para A Idade do Céu do uruguaio Jorge Drexler. Prosseguindo com a temática de narrativas, veio Pensando em Você que fez parte da trilha de Agora é que são elas (2003), depois  o cantautor explicou como surgiu sua versão para Enrosca - de Guilherme Lamounier - que esteve apenas em um episódio da novela Império (2014) já que uma série de cenas entre Alexandre Nero e Marina Ruy Barbosa foram cortadas. Como a música já havia sido regravada por Fábio Jr e Sandy e Júnior ele se apresentou como Moska Júnior, e o público se divertiu bastante.
          Uma canção que tem rondado a mente foi tocada: A Seta e o Alvo. O universo das diferenças orbita uma série de canções como Um e Outro, do próprio Moska, e Seres Estranhos e Grafite Diamante de Lenine, mas divago. Foi a parceria com Zélia a sucessora: Sinto Encanto. A vocalização de Maria Gadú, presente em Muito Pouco (2010), foi recriada por algumas das fãs na plateia. O sorriso de Helen quando uma de suas músicas favoritas é executada: Lágrimas de Diamantes. Após Sem dizer adeus, veio a primeira música que lembro de ter ouvido de Moska: Último dia. Quando a mininovela O Fim do Mundo foi exibida em 1996 eu tinha seis anos de idade. Tanto a faixa de abertura quanto Profetas de Zé Ramalho prosseguiram em minha mente mesmo sem rever a novela. A faixa seguinte , Quantas vidas você tem? foi tema de Rita e Didu em uma das novelas mais aclamadas nos últimos anos A Favorita (2008). Ainda que a última novela que eu me lembre de ver seja Laços de Família (2000) é impressionante o peso que a teledramaturgia brasileira possui e como muitas de suas trilhas acompanham e impulsionam uma série de artistas.
       Encabeçando o final do repertório estava a doce Namora Comigo. O rei do pop também foi homenageado ao final de Admito que Perdi quando Moska entoou o refrão de Billie Jean. As necessárias reinvenções do eu estavam em um Móbile no Furação. Quase como sequência temática veio Tudo novo de novo e a transmutação das dores em amor. Durante todo o show havia no palco um segundo microfone e a expectativa de uma participação existia desde o primeiro momento. Eis que o artista afirma que não poderia perder a oportunidade de chamar um amigo que tocara no festival no dia anterior. O público se abre em respeito para permitir a passagem de Chico César ao palco! 



          Falam sobre os bastidores da criação de Saudade que nasceu da saudade pura do catoleense e partiu para Bethânia. Sem o tradicional teatro ensaiado para o bis, a melodia característica já antecipa uma das letras mais atuais do repertório, ainda que tenha sido composta por Moska e Lenine há mais de uma década: Relampiano. Para fechar, a canção que deu nome ao álbum de 2010 e que muitos conhecem pela interpretação de Maria Rita: Muito Pouco. Moska agradece a todos os presentes e àqueles que permitiram que a apresentação no Teatro Rural fosse possível. O público se despede, sem vontade de partir.

POSFÁCIO

         O plano de chegar à Fazenda Serrinha funcionou, A Busca Vida, as intervenções artísticas como A Grande Espiral de Bené Fonteles, [I]mobiliário de Gustavo Godoy, Eu te como de Aguilar e Enquadrando a paisagem de Luiz Hermano, por exemplo, mereceriam parágrafos por si só, além da pequena vista à Oca dos Sentidos, a gentileza de um casal artesão na feirinha próxima ao Teatro Rural... Há uma série de acontecimentos que não estão presentes no texto, um não pode ser ocultado, todavia: Ao fim do show, minha namorada e eu, sem carro ou sinal móvel para chamar um táxi nos perguntávamos como chegaríamos á rodoviária de Bragança Paulista em meio a escuridão. Pedir carona surgiu como a luz no fim do túnel - não, não era um trem na contramão. E conhecemos duas moças que, além de nos dar carona, nos deram uma ótima conversa sobre o local, Bragança, alguns dos cantautores sul-americanos (Kevin Johansen, Pedro Aznar, Jorge Drexler) as histórias dos festivais e muito mais. Fomos deixados em segurança próximos ao Lago do Taboão, ainda fomos apresentados ao cantor Meno del Picchia! Então, para a bragantina que estuda em São Paulo e para a que mora em Brasília, em nome de Thales Salgado e Helen Moraes, muito obrigado e namaste! Ainda dizem que a sociedade perdeu a finesse. 





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