domingo, 23 de abril de 2017

II de Hilda Hilst (O Poeta Inventa Viagem, Retorno e Morre de Saudade)

“Nada me entra na alma, palavras grudadas à página, nenhuma se solta para agarrar meu coração, tantos livros e nada no meu peito, tantas verdades e nenhuma em mim, o ouro das verdades onde está? que coisas procurei? que sofrido em mim se faz matéria viva?” A Obscena Senhora D, Hilda Hilst


         Coincidências:
       Que eu esteja num vinte e três do quatro escrevendo algo acerca de uma escritora nascida no dia vinte e um. Que o último post de março fosse dedicado também a um poema musicado, um de Drummond. Ainda mais: que o mesmo Drummond em 1952 dedicara um poema à Hilda Hilst. Ou mesmo que, sua cidade natal, Jaú, fizesse parte, ainda que enviesada, de uma série de conteúdos que acabaram em minhas canções em lugar da terapia. É mais provável que o lançamento do livro Da Poesia pela Companhia das Letras tenha feito com que eu permanecesse com a poeta em mente. E aí resta ser claro: nunca ouvi as composições de Adoniran Barbosa ou de Gilberto Mendes inspirados em seus textos. Céus!
         Se bem me lembro, meu primeiro contato com o "nome" Hilda Hilst foi no ano de 2013, trocando cartas virtuais com Kariny menciono um trecho do poema 42 Mercy Street de Anne Sexton: "I walk in a yellow dress/and a white pocketbook stuffed with cigarettes,/enough pills, my wallet, my keys,/and being twenty-eight, or is it forty-five?/I walk. I walk./I hold matches at street signs/for it is dark,/as dark as the leathery dead/and I have lost my green Ford,/my house in the suburbs,/two little kids/sucked up like pollen by the bee in me/and a husband/who has wiped off his eyes/in order not to see my inside out/and I am walking and looking/and this is no dream/just my oily life/where the people are alibis/and the street is unfindable for an/entire lifetime." Ela não levou muito tempo para replicar "me fez lembrar um pouco de Hilda Hilst" de posse daquele nome instigante, não demorei a me debruçar em alguns de seus poemas disponíveis na internet. E então, por simples identificação, tentei musicar alguns de seus poemas. Essa gravação data de setembro daquele ano. Uma demo do que viria a ser o álbum "O Relógio dos Dias" e que nunca passou de mais uma ideia em meu cemitério das vontades. 



O POETA INVENTA VIAGEM, RETORNO
E MORRE DE SAUDADE

II

Meu medo, meu temor, é se disseres:
Teu verso é raro, mas inoportuno.
Como se um punhado de cerejas
A ti te fosse dado
Logo depois de haveres engolido
Um punhado maior de framboesas.

E dirias que sim, que tu me lembras.
Mas que a lembrança das coisas, das amigas
É cotidiana em ti. Que não te enganas,
Que o amor do poeta é coisa vã.

Continuarias: há o trabalho, a casa
E fidalguias
Que serão para sempre preservadas.
Se és poeta, entendes. Casa é ilha.
E o teu amor é sempre travessia.
Meu medo, meu terror, será maior
Se eu a mim mesma me disser:
Preparo-me em silêncio. Em desamor.
E hoje mesmo começo a envelhecer.

Quando é touro é um meio fecundo em cada semente plantada um sorriso de gratidão. Haja bom tempo ou não. Oswaldo Montenegro, Aos Filhos de Touro.

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