sexta-feira, 2 de junho de 2017

Antígona - Sesc Consolação

"Eu começo escrevendo a primeira frase - e confiando em Deus,Todo-Poderoso pela segunda."
A vida e as opiniões do cavalheiro Tristram Shandy, Laurence Sterne
     
Antígona pela lente de Guga Melgar (Divulgação)


         "Repetir, repetir até ficar diferente." o poema de Manoel de Barros cabe bem quando nos deparamos com a reinvenção de uma peça com mais de dois mil anos de idade. No Sesc Consolação temos a Antígona reencarnada no vigor físico e interpretativo de Andrea Beltrão. Uma personagem polivalente, aqui, multiforme. O monólogo permite a ela converter-se em Antígona, Creonte, o Oráculo,  Ismênia, Édipo... Num primeiro momento estranhei a personificação do trágico rei tebano até que, após a peça, li o texto de Luiz Felipe Reis para O Globo em 2016, quando a peça estava no Rio de Janeiro.  Há um trecho com a fala do diretor Amir Haddad o qual reproduzo aqui: "— Quando os gregos assistiam às tragédias, conheciam toda a história, a linhagem familiar. Sabiam o que deuses e deusas haviam feito, e as pessoas e entidades citadas eram do cotidiano, assim como nós em relação à “Paixão de Cristo”, com Jesus, Maria, Judas... — diz o diretor. — Oferecemos esse contato com a história e a ancestralidade para chegarmos em Antígona com essas informações."
         Desta maneira, é justo que o ancestral surja. É questão de contexto. Tendo em vista o senso-comum o "Complexo de Édipo" é amplamente difundido mas com um distanciamento. Antígona, a peça, busca realizar uma aproximação com os conflitos daquela família, seus deuses, sua maldição atávica. O programa da peça apresenta textos do diretor regional do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda, e destaco um trecho: "Ainda que exista um elemento de desobediência civil e um desejo cego na protagonista, deflagra-se em seu dilema o quanto certas normas sociais podem trair sua própria razão de existência ao postular um castigo dessa natureza, posto que visam um processo civilizatório". A personagem título busca honrar a morte de seu irmão Polinices com os rituais funerários. Estes, no entanto, foram proibidos por seu tio Creonte por considerá-lo um traidor de Tebas. Neste conflito de convicções não há como ceder. Millôr Fernandes em 2007 afirmou "Se o céu fosse azul, o pão bem distribuído, a escola aberta, o amor proclamado, o riso permitido, a fé diversificada, o mérito reconhecido, Antígona estaria morta e enterrada entre milhões de alfarrábios que perderam força na literatura dramática de todos os tempos. Mas não. A personalidade quase viril da última filha de Leio, está tão viva quanto estava há 2 mil e 400 anos e ai!, quanto estará daqui a 2 mil e 400? Os cães ladram, a caravana parou no tempo." 
          Andrea trabalhou na pesquisa, na escrita, e sua paixão pela obra transparece em sua interpretação, em cada variação de gestos e tons. O público percebe quem está em cena a cada conversão. Parte mais curiosa do programa da peça é uma linha do tempo que consolida eventos como o nascimento de Sófocles, as "Antígonas" do professor George Steiner, o assassinato de Pinochet, a Ditadura Militar no Brasil, "o papa levando um tiro à queima-roupa". Também como a jovem paquistanesa Malala Yousafzai (Nobel da paz em 2014) e sua luta pelo acesso universal à educação. O espírito de Antígona prossegue em sua amorosa luta contra a injustiça, em nossos tempos.


Ficha Técnica:
De: Sófocles
Tradução: Millôr Fernandes
Dramaturgia: Amir Haddad e Andrea Beltrão
Direção: Amir Haddad
Com: Andrea Beltrão
Iluminação: Aurélio de Simioni
Figurino: Antônio Medeiros
Direção de Movimento: Marina Salomon
Cenário e Projeto Gráfico: Fábio Arruda e Rodrigo Bleque (Cubículo)
Mídias Sociais: Rosa Beltrão de Farias
Operação de Luz: Vilmar Olos
Desenho de Som: Andrea Zeni
Apoio Sonorização: Áudio Cênico
Montagem Cênica: Ricardo Rodrigues
Camareira: Conceição Telles
Administração: Sérgio Canizio

Desenvolvimento Turne Nacional: Trigonos Produções Culturais

Produção: Boa Vida Produções

Nenhum comentário:

Postar um comentário