sábado, 1 de julho de 2017

Enquanto as Crianças Dormem - Teatro Aliança Francesa


"O esforço de ser empregado inclui não só a incerteza quanto a duração do emprego, mas também a humilhação de se submeter a muitas práticas e dinâmicas de trabalho. Como a maioria das empresas tem a formação de pirâmide , em que uma base ampla de empregados abre caminho a uma ponta estreita de gerentes, a questão de quem será recompensado - e quem ficará para trás - em geral, torna-se uma das mais opressivas do local de trabalho e, como todas as formas de angústia, alimenta a incerteza." Desejo de Status, Alain de Botton


         Chegando ao trabalho Raul fazia questão de colocar seus fones de ouvido. Ainda se afirmasse contrário à toda sorte de rituais, lá estava ele. A trilha sonora tem a função de desviá-lo de um cotidiano medíocre e repetitivo. Sente vibrando em si das trilhas de Zimmer às baladas de Zimmerman e cada faixa vencida carregava cada um de seus atos com um peso invisível aos colegas que o cercavam. Dessa maneira, era natural que ele se identificasse com aquela moça avistada quase sem querer no fundo da lanchonete. A lanchonete mais imunda da cidade, é verdade. Mas, sendo os clientes velocistas contumazes, quem notaria sabores espúrios no cardápio? Raul, por exemplo, não se importava. Desde pequeno acostumara-se a ouvir falar de hambúrgueres feitos com minhoca. "Desde que seja saboroso! Por mim poderiam ser como as tortas da Sra. Lovett em Sweeney Todd". A moça cantava a existência de algum lugar em que os sonhos podiam mesmo se tornar realidade. Nessa hora ele a viu como aquelas pessoas que imaginavam a vida como um musical dos anos trinta. Salvo melhor juízo, o nome dela era Kelly. Raul fora atendido por ela vezes demais para deixar de reparar seu nome no crachá. Era aquela relação en passant. Provavelmente, fora do estabelecimento ele mal a reconhecesse. Mas divago.


O preço que se paga às vezes é alto demais

       Kelly (Carol Hubner) nutre o desejo de se tornar uma estrela dos musicais da Broadway. Da mesma forma que a Alice de Paris-Manhattan tinha como seu confidente um cartaz de Woody Allen, Kelly tem como seu norte inspirador Fred Silveira (Narração em off) e costuma conversar com ele quando se encontra em sua casa vazia. Casa que permanecerá vazia mesmo quando seu colega de trabalho Tom (Haroldo Miklos) a visita. A relação dos dois não é clara, ou talvez o seja: a pura falta de opção. É fácil se ver torcendo pela protagonista, para que ela saia da lanchonete e alcance um ponto mais alto do que o que lhe é oferecido por seu gerente (Juan Manuel Tellategui) e o funcionário puxa-saco Nick (Diogo Pasquim). Uma visita ao supermercado pode obter a surrealidade de um filme de Michel Gondry turbinado com anfetaminas, é a espetacularização magnética do consumo. Zeca Baleiro já advertira: lugar de ser feliz não é supermercado. Diria Gessinger: satisfação garantida! A benfeitora Ellen (Carolina Stofella) surge em meio a um turbilhão de tristezas como uma luz no fim do túnel. Ou seria um trem na contramão?
          Dos méritos da peça estão como seus personagens são palpáveis. Nossas redes sociais gritam as mortes de porcos, a tortura de assassinos e, muitas vezes, nos encontramos passivos diante de colegas esboçando um riso sanguinário diante da maldade. Então, ao vermos uma personagem empunhar a câmera do celular diante do inevitável, vemos um reflexo de nossa própria vida. É como a ironia da capa do livro de Yaël Gabison (Benvirá, 2017) ter o nome de Seja o Herói de sua Vida e em sua capa ostentar ilustrações de Walter White, Frank Underwood, Dexter e Tywin Lannister. Quem são nossos heróis hoje em dia? Malparidos como Pablo Escobar? Estamos cínicos a esse ponto? Seja como for as horas nesse espetáculo passam e nem percebemos, há poder maior da arte que nos fazer mudar nossa perspectiva temporal e social ao mesmo tempo? 

Ficha Tecnica:

Texto e direção: Dan Rosseto
Assistente de direção: Diogo Pasquim
Elenco: Carol Hubner, Carolina Stofella, Diogo Pasquim, Haroldo Miklos, João Sá, Juan Tellategui e Samuel Carrasco
Direção de produção: Fabio Camara
Produção executiva: Roque Grecco
Trilha sonora original: Fred Silveira
Figurinos: Kleber Montanheiro
Cenário e adereços: Luiza Curvo
Desenho de luz: César Pivetti e Vania Jaconis
Preparação de elenco: Amazyles de Almeida
Direção de movimentos: Alessandra Rinaldo
Sapateados: João Sá
Operador de luz e som:Bob Lima
Fotos: Leekyung Kim
Assessoria de Imprensa: Fabio Camara
Realização: Applauzo e Lugibi Produções Artísticas


Até 27/07 - Quartas e quintas às 20h30
Duração: 110 min
Ingressos: R$ 50,00 (inteira) / R$ 25,00 (meia-entrada)
Bilheteria aberta 2h antes do início do espetáculo.
Ingressos à venda também no Ingresso Rápido.
Classificação indicativa: 14 anos


Teatro Aliança Francesa - Rua General Jardim 182 – Vila Buarque.
Capacidade: 226 lugares + 4 PNE.
Estacionamento conveniado em frente.
Informações: (11) 3572-2379

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