quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Águia

“Um professor afeta a eternidade; ele nunca pode dizer onde sua influencia encerra” - Henry Adams em The Education of Henry Adams (1907) 

Arte de @isabellaproencart

A arte de Isabella Proença conseguiu encapsular a ligação entre a letra da canção que compus com Renato e a composição do compositor Bill Callahan. A águia vê a carejeira? Ou apenas a imagina? Ou ainda: a cerejeira é o estado de espírito da águia? Fica a critério de quem vê.



Águia (2011)
Letra e música: Renato e Thales Salgado

A querer mais espaço,
o cinza e o azul
Algo do branco.
Nos caminhos que passo,
vejo águias ao sul
E uma longe do bando.

Nas pedras remotas lembranças ebulem
Das terras,
outros animais e daquela paz
Que sentira...

E hoje ela busca nos ares um ninho
Em que possa repousar
Talvez haja outras como ela
Que avista uma velha cerejeira
E suas flores a dançar
O vento a envolve no celeste

Tantas montanhas em seu horizonte
Em rios se espelha o sol
Sua alma desperta
Põe-se a cantar:

Que seu passado a brisa levou
Que seu passado a brisa levou
Que seu passado a brisa levou


     Há alguns dias, Anderson comentou sobre uma publicação que escrevera há 11 anos:

    Quase sem querer, meu pensamento voou para as palavras de Fernando Anitelli. A ludicidade da língua portuguesa em ação. Ele comentou que, à época, estava realmente ouvindo muito a trupe, tornando a ligação, de algum modo, evidente. Essa forma de repaginarmos as referências é bastante discutida, do movimento antropofágico ao último longa de Charlie Kaufman: Estou Pensando em Acabar com Tudo. Trago o texto de meu amigo por alguns motivos, de eu ter gostado do texto a ele poder exemplificar a ideia. Passando pelo fato de que a própria letra desta composição trabalha este expediente de uma forma ou de outra.
    Em 2010, enquanto me familiarizava com meu primeiro Moleskine eu pensava em questões bucólicas influenciado pelo álbum de Bill Callahan "Sometimes I Wish We Were An Eagle". Principalmente pela composição All Thoughts are Prey to Some Beast que inicia com os versos "a arvore desfolhada parecia um cérebro. Nos galhos, os pássaros eram todos os pensamentos e desejos em mim". Esses pensares avulsos ganharam uma página e ficaram ali, competindo com outros pensares, por algum tempo. Não sei dizer quantas vezes reli ou tentei salvar algo dali, pode ser que nenhuma, mas... fica como ilustração.


     Não fica claro, para mim, o momento em que, de uma conversa com meu ex-professor de violão, Renato Souza, surgiu a ideia de que eu fosse visitá-lo para tocarmos um pouco. Tenho registro de ter enviado a gravação que ele fez da música na noite de um sábado: 05 de fevereiro de 2011. Então, imagino o encontro tenha tomado parte em algum ponto de janeiro daquele ano. Ainda eu houvesse presenciado sua habilidade para personificar a "bala de banana Joice" em uma canção em uma de suas aulas, e que ele tivesse musicado poemas meus como a primeira versão de Solipátria e também a versão que levou a minha a ser chamada de O Sol Só II, ele já não ministrava aulas no programa Escola da Família há alguns anos e acabaria por ser um "reencontro". 
     Abaixo, pode ser visto parte do processo de composição da composição, salvo melhor juízo, Renato folheou o caderno de 2010 em busca de ideias úteis e as que fomos escolhendo iam para o caderno de 2011, recém estreado. Há algumas questões pontuais que tem bem a minha cara, como "ebulem" ou o mais-que-perfeito "sentira", mas a lembrança era de sugestões e ideias partirem dos dois lados, com Renato propondo as alterações e mudanças de atmosfera na melodia.
      Penso nesta composição sempre que chega o dia dos professores e é por isso que o texto abriu com uma frase da obra de Henry Adams. Para além desta composição, há uma série de ramificações ecoam de diversos modos: seja recebendo a discografia de Raul Seixas, me apresentando ao Acid Pro da Sony (várias canções daqui foram gravadas com este programa), ou demonstrando como grandes grupos poderiam agregar a apresentação de uma mesma canção, cada qual atuando de forma distinta com o instrumento. Estes conhecimentos, sempre estarão presentes, independente do espaço e do tempo.
       Semanas atrás, escrevi uma nota em que dizia: 'Fico contente de ter atendido com meu irmão o anúncio que falava em aulas de violão gratuitas aos sábados, no Programa Escola da Família. Esse foi um dos momentos que conduziu a este dia, em que dois alunos da E.E. Esli Garcia Diniz e dois alunos da E.E. Dr. René de Oliveira Barbosa se apresentavam juntos.' Mas não era só o programa o responsável, era, de uma forma ou de outra, o professor que fazia a diferença em criar o ambiente estimulante em que grupos diversos transitaram. Já diria Gessinger que "a vida não é um jogo de palavras cruzadas onde tudo se encaixa" mas... nenhum outro professor houve. que nos incentivasse a tocar Homens-Caixa. Coisas assim fizeram toda a diferença.

Sublinhado em rosa
Pensamentos que
Viriam a se tornar
a canção Dádiva

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