sábado, 31 de julho de 2021

Letras sobre decepções zodiacais

 "Você gosta de anime?" - A pacífica Aggretsuko de Oz, 29/07/2021

     Quando me disse estas palavras, ela certamente não pensou que colocaria uma série de lembranças em movimento. Ainda aquela pergunta despretensiosa tivesse a intenção de comentar a série homônima a ela, presente na Netflix desde 2018 a minha resposta foi para um rumo distinto: "Minha vida mudou no dia 1 de setembro de 1994 quando Cavaleiros estreou na Manchete. Quando reestreou em 1 de setembro de 2003 na Cartoon Network, eu fui atropelado enquanto corria da escola para casa para ver". Estas duas histórias poderiam ser alongadas, ou mesmo o dia em que, enquanto criança, caí em um golpe dos garotos do bairro que ofereceram um boneco original. Esta história foi transformada em diálogos em um exercício de escrever 100 palavras por dia proposto pelo escritor e professor de escrita criativa Tiago Novaes, em 2019:

- Última chance, você não quer?
- É claro que...
- Então! cinco reais, só.
Ficou olhando o amigo. Iam sempre para a escola juntos. Ele estava trazendo uma oferta de além dos portões. Fora da aula, ele não podia sair.
- A gente veio falar com você primeiro, tem um menino na rua de baixo que também quer.
- Tá bom! Eu já volto.
Desceu as escadas, atravessou para a casa da vó. Tirou do Budinha as moedas que vinha guardando. Teria, enfim, um boneco do desenho japonês. Sem perceber já estava no portão entregando sua fortuna.
- Espera aí que a gente já traz.

    O meu ano de 2019 guardou uma série de questões com a série. Não consigo me lembrar o que motivou isso. Reli o mangá, revi a animação, vi Saintia Shô, além da versão produzida pela Netflix para tentar renovar o público abarcando de uma só vez os norte-americanos, que não haviam vivido uma febre da série como o Brasil e outros países da América Latina. Aquele também foi o ano em que o Podcast Saint Seiya viria a publicar um programa com uma entrevista com o dublador Francisco Brêtas, e que vale cada minuto, afinal Sonhar é Fundamental. Durante o período em que estava acompanhando os vídeos do canal Katsu X regularmente, ouvi falar pela primeira vez acerca de um evento que parecia ser a epítome de toda aquela efervescência com a obra de Masami Kurumada a:

               
    Em comemoração aos 25 anos da estreia da animação na rede Manchete, o evento prometia ter tudo o que os fãs se acostumaram em duas décadas: música ao vivo, cosplay, meet & greet dubladores, exibição de longas-metragens da série, exposição de itens raros, palestras com os responsáveis por um game, enfim, o suficiente para que eu aproveitasse o cupom limitado disponibilizado ao final do vídeo e comprasse a minha credencial para visitar durante o final de semana inteiro. Conforme ainda pode ser visualizado no site da Sympla, ela dava direito a:
    
    De todo modo, pelo título desta postagem e a primeira história em que fala de minha ingenuidade infantil, algo não correu bem. Não por coincidência (elas existem mesmo?) o melhor resumo para a situação também nasceu em 2019:

O texto a seguir foi retirado ipsis literis de um comentário que fiz em uma postagem de Mara, do Mais de Oito Mil, sobre o evento e como, em uma bela analogia, ele foi o Fyre Festival dos fãs de Cavaleiros do Zodíaco. Essa postagem pode ser visualizada aqui. Sem mais delongas, as impressões de minha versão de 29 anos.

FLASHBACK

   Fiquei sabendo sobre o evento vendo o código promocional no canal Katsu X. Qual não foi minha expectativa? Eu que não tive interesse em ir às convenções renomadas, fiquei super empolgado ao ver que teria a possibilidade de conhecer o grande Gilberto Baroli. Todos os outros também, claro. Letícia Quinto, Élcio Sodré, Francisco Bretas. Nesses 25 anos de Cavaleiros na Manchete, foi esse elenco da Gota Mágica (posteriormente Álamo e Dubrasil) que fez muitos de nós conhecermos os artistas por nome e valorizar aquele trabalho. Decidi comprar de cara: credencial Big Bang! Ter acesso a tudo que tivesse direito ao mesmo tempo incentivando tal ação a ocorrer de novo. O sábado pareceu promissor, vi de longe, as dez da manhã um jovem Hyoga de cisne. Gosto quando o cosplay já chega ao evento agindo o personagem. (Imagino fosse Ronaldo seu nome). Rapaz divertido, contava na fila histórias sobre como tinha aproveitado o sono de Athena para levar seu báculo. Enquanto se via alguns calculando ascendentes, os minutos passavam. O atraso foi encarado com bom humor “talvez precisemos absorver os raios solares e entrar porta a dentro!”. Ah! As referências, Capitão América estaria orgulhoso (antes que perguntem a razão de colocar a Marvel no meio do santuário, lá na frente fará sentido).

   Quando finalmente pudemos entrar, houve alguma bagunça com credenciais (recebi a minha mas em momento algum o seu QR foi bipado, por exemplo) o importante era entrar: o térreo parecia promissor, o @woodxguitar desfilava vários sucessos, Pegasus Fantasy, Soldier Dream. O ponto mais alto foi quando chegou um pequeno Seiya com a caixa da armadura nas costas e ficou a dançar ao som da guitarra. Nem o próprio Saga, do alto de seus galácticos grisalhos diria algo contra. Ao fundo um artists alley com versões, mangas, sketches. Boa para os futuros mangakás brasileiros. Também havia um acervo pessoal de obras do Kurumada, sorte do colecionador. Mas era interessante olhar, fiquei me perguntando a que momento alguém viria para comentar o que fosse. Mas… Nada.

    Não haviam indicações precisas do que ocorreria no primeiro andar, então o fã ia tateando às cegas pela escadaria (ao fim de uma escada, nem mesmo uma decoração como fosse a casa de Áries, o simples, fãs de cavaleiros sabem apreciar uma boa e velha escadaria). A programação dizia que as 10h começariam as exibições dos filmes na dublagem clássica mas já passava muito e não parecia haver sinal. A palestra sobre Saint Seiya Online também não agregou muito, a maior parte dos presentes conhece as diferenças entre o mangá e o anime, e por mais a história seja cíclica, contar spoilers do jogo também tirou um pouco a graça.

"O interesse nas referências de Kurumada era tanto que, em agosto, cheguei a desenhar Mankichi Togawa da obra Otoko Ippiki Gaki Daishô, de Hiroshi Motomiya. O criador de Cavaleiros já comentou que, sem sua influência, talvez não se tornasse mangaká. Imagino que, sem Cavaleiros, no mínimo, meu entusiasmo pela mitologia grega seria menor."

   Quando finalmente pudemos assistir À Grande Batalha dos Deuses, qual não foi a surpresa ao ser apenas a exibição de um vídeo do YouTube (isso mesmo, não houve nem o trabalho de obter um .MKV HD!) mas o público tentava se satisfazer revendo a pose de deboche de Seiya ante os guerreiros deuses. Falando em dublagem Gota Mágica, como é bom ouvir Carlos Campanile como Durval. A questão é que todos já viram e não havia nenhuma reverência a forma como o material era apresentado. Antes de a armadura de sagitário surgir, os alto falantes comentam que os kits estão disponíveis. Isso mesmo, o desrespeito não era apenas com quem estava presente, com quem tinha se deslocado para a comemoração, era com a própria obra (!). Não custa esperar um vídeo acabar. Se a internet tivesse caído, o programa tinha acabado? As horas foram passando e nada de palestras ou dubladores. Era preciso se contentar com episódios de Lost Canvas. Bela animação, bom trabalho de dublagem mas… Sério? Eventualmente chegou ao ponto do concurso de Cosplay e foi bem legal. Revi o Hyoga da fila, vi um Poseidon que tinha realmente aura divina e, confesso, vi uma Shun que me fez pensar que a mudança era bem-vinda. Os cosplayers pareciam se divertir muito, as poses, as fotos, a sensação de ser um personagem querido é muito forte e eu (que já tive meus tempos como Joker há uns onze anos) fiquei contente em poder bater palmas para cada um ali. O prêmio maior era poder ser prestigiado. Mais uma vez parabéns a todos os cosplayers (até para o pequeno Harry Potter que se meteu no evento).

Com a palavra, Hyoga de Cisne

    Faltava o principal: palestras e dubladores. Em algum ponto da história, talvez até antes do desfile, o organizador apareceu e pediu desculpas, aí entra o que eu falei: estava lá com a camiseta da Marvel! (Nada contra, vi Ultimato três vezes no cinema) quando o próprio organizador não ‘veste a camisa’ de seu evento, você percebe que algo de errado não está certo. Houve uma falha no planejamento, ele concentrou tudo sozinho e dificultou a entrega, coisas saíram foram do controle. Até aí, tudo bem. Finalmente Ulisses Bezerra, Letícia Quinto e Élcio Sodré subiram ao palco. Não houve tempo para palestras e eles não poderiam ficar muito tempo, o Élcio tinha um avião para pegar, sabemos quão exigente é a profissão. Ao menos quem estava lá poderia pegar o autógrafo da Saori e o Shun. Ou isso era sonhar demais? Sabe quando você está zapeando a tv a cabo e, de repente, passam para o filme seguinte? “Por premissa de tempo passamos à frente em nossa programação”. Foi bem isso que aconteceu. A Letícia muito educadamente explicou que não poderiam atender a todos e iam delimitar um ponto x na fila. Pude sentir Athena falando comigo, aqueles momentos em que a deusa fala algo e todos os cavaleiros se prostram a ouvir. Algo nessa linha. Eu nem tinha levantado, um cosplay de grande mestre chegou, mas era tarde demais para ele. Ao menos conseguiu algumas fotos com fãs. Élcio, baita profissional que é, levantou e gritou seu característico CÓLERA DO DRAGÃO! Todo o santuário tremeu: o Shiryu, amigo.

Um dos desenhos que fiz em 2019, sinais da febre
    A questão é que já passava das 17h. A programação seguiria. O organizador pedia para que as pessoas se apressassem em pegar seus autógrafos, era só um sem tempo de foto. Quem pagou para o privilégio de conhecer os profissionais não pode. Então quando um soldado gritou “quero o meu dinheiro de volta” e ouviu a contraproposta de devolver todos os benefícios em troca, entendo a raiva. O cosmo dele estava borbulhando em nome da justiça. De que não havia como o pôster A3 ser controlado, de que faltava o carregador personalizado, faltavam os adesivos, faltavam palestras, vídeos, autógrafos. A reunião dos cavaleiros de Athena se mostrou mais decepcionante que vilão de seriado que aparece para morrer com um báculo no peito. Saí do local sem nem ao menos saber se o show chegou a se concretizar. O aluguel do palácio do trabalhador custava tanto assim? Depois do fiasco, alguém terá coragem de usar a camiseta do evento? Já era tarde demais. A ver três horas de vídeo do YouTube, podia ver em casa. Amizades se firmaram, diversos se reuniram, tudo em nome de Athena. Mas a que preço? R$180? Tomara que tenha valido a pena para quem embolsou. Não me dei ao trabalho de retornar no dia seguinte.

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