terça-feira, 23 de novembro de 2021

Dança da Lira Perene

 “O que outrem poderia ter feito tão bem quanto você, não o faça. O que outrem poderia ter dito tão bem quanto você, não diga; o que outrem poderia ter escrito tão bem, não escreva. Seja fiel ao que existe em lugar algum além de ti – assim se fazendo indispensável.” – André Gide, Os Frutos da Terra (1897), tradução livre.
Ilustração de @ellaproenca


 
Dança da Lira Perene (2021)
Letra e música: Thales Salgado

Dei um passo e não te vi, resta agora descobrir: isto terá perdão?
Lembra a dama encantada? Lembra de tudo por um triz: Era nosso passado.
Lira conectando mundos: indelével precisão.
Réquiem para os vivos: afluentes, procissão.
Perdi a contagem do que vi: era uma energia só
Rindo da ignorância em si, engolindo tudo o que eu era:
Sagração do nosso caos.

    Semanas atrás ouvi a frase “eu apenas engoli quem eu era” e caí em um ciclo habitual de pensares: Quanto da existência é invenção, quanto é percebido pelos olhos de outras pessoas, quanto é a soma destes dois pontos. Senti que essa frase precisava se tornar um verso, e foi assim que improvisei esta canção. Isso ocorreu há 55 dias. Não sei dizer se é o menor espaço entre uma composição e o post. Esse respiro entre movimentos não é obrigatório, é, antes, um hábito, visto que havia um espaço de anos entre os primeiros posts e as composições. Ainda assim, esta tem a particularidade de me fazer refletir se ela estava completa ou não.
    Me peguei pensando: e se entre “isto terá perdão?” e “lembra a dama encantada?” houvesse uma frase aos moldes de “eu digo que sim, você diz que não”, talvez por ser um fã da prosa Gessingeriana que possui versos mais inspirados como “eu acho que sim, você finge que não” ou “os olhos dizem sim, e o olhar diz não”. Não é uma questão de ser uma continuação, mais uma piscadela à obra de um de meus ídolos. Quem sabe? Havendo uma gravação “oficial” essa adição pode ser concretizada. Ao mesmo tempo, se 108 Minutos precisou de 14 anos entre versões, isso pode não acontecer tão cedo.
    Quando entrei em contato com a artista multidisciplinar Isabella Proença a composição não tinha sequer nome. Passei a ela um esboço de como enxergava a imagem e ela a tornou concreta. Pensou em luz, sombra no tom do fundo. O máximo que fiz foi colocar algumas sugestões como “Rorschach”, mas, entre todos os briefings (outras colaborações podem ser vistas aqui) este, talvez, tenha sido o mais abstrato, ainda lidasse com peças concretas. E o resultado me agradou muito, justamente por estes passos além do que sou capaz de imaginar. Quem sabe, eventualmente, chegue o momento para uma parte 2?

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