quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

A Voz

“Então, a última, que é A Voz, eu fico imaginando uma imagem assim: como se tivesse um recanto secreto, uma sala, um lugar, um espaço interno onde está residindo o meu eu autêntico a minha voz sábia, a minha essência. Mas eu imagino como se ela estivesse dentro de um quartinho que estivesse dentro de mim, sabe? Se você imaginar uma imagem seria abrir o peito e eu não sei bem se é ali no coração – acho que não – mas ali na região do peito, sabe? Por ser o core onde como houvesse uma salinha ali dentro onde este “eu” está e fala. E aí vou imaginando essa voz saindo desta salinha e encontrando um canal para ser ouvida e acho que por isso faço uso da imagem da espinha, imaginando aquele vazio onde a medula fica, mas fazendo uma espécie de caminho. E aí acho que essa frequência do som que está ali, escondidinha, atravessando e subindo até os ouvidos, chamando a minha atenção e, por isso, consigo sintonizar e ouvir essa voz que diz para eu não me limitar por que sou caçadora de jeitos de ser, mas acho que a imagem é essa.” – Transcrição do áudio de Fabíola Passos Almeida, sobre a canção em 17 de agosto de 2021.
Ilustração por Isabella Proença



A Voz (2021)
Letra: Fabíola Passos Almeida
Música: Thales Salgado

No fundo do meu pensar
Às vezes ouço um sussurro
Escondido em meio aos gritos
Tão familiares

Minha espinha alinhada
Se torna canal que transporta
Do esconderijo aos meus ouvidos
Tão exaustos

No leve silêncio que crio
Sintonizo na frequência vocal
Que sutilmente se configura
Tão autêntica

No centro da minha alma ouço:
“Não se limita caçadora de jeitos de ser”
Encontro refúgio nesse lugar
Tão criativo

    Acho que parte do que torna parte de minha experiência com este blog diferente de um diário é o tempo entre os acontecimentos. Quando compus a melodia para esta canção, em maio, eu não tinha como prever que ela existiria. Sei que recebi os versos no dia 19 para apreciação. Tendo perdido os registros das conversas, não consigo recordar ao certo qual foi a minha reação inicial, mas este conceito de uma outra voz me interessa há muito tempo. Nunca esqueci os versos da Linkin Park em Papercut: “I don't know what stressed me first/Or how the pressure was fed/But I know just what it feels like/To have a voice in the back of my head” e me interessou em “A Voz” foi esse ser interno não esteja presente antagonizando e sim incentivando o eu-lírico a prosseguir sua busca, expandindo suas ações.
    Não era minha intenção musicar os versos. Essa parceria que iniciou no fim de 2019 com Beleza Parasita foi se expandindo a ponto de, hoje, poder ser organizado um E.P. pautado apenas nelas. Eventualmente, poderá haver versos para os quais eu não me sinta compelido a melodiar, mas isso é coisa do futuro! A minha intenção mudou quando minha mãe me mostrou o vídeo de Elimor Chico com o pássaro Urutau. Pelo que consta na Wikipedia “o nome vem do tupi uruta'gwi "ave da família dos nictibiídeos, coruja", também adaptado ao português como jurutau e urutago. Não sou grande conhecedor de pássaros, como o ornitólogo Cláudio Rogério ou mesmo o Kronk, mas nunca tinha ouvido seu som ou mesmo seus apelidos: mãe da lua ou pássaro-fantasma. De acordo com o biólogo Milton Longo, o Urutau é uma ave típica do cerrado que busca se camuflar em tocos de árvore ou postes. Pois quando ouvi o canto presente no vídeo, fiquei me perguntando se estava dessincronizado, pensando como é que o som se propaga. Excetuando esse desconhecimento tateei o violão buscando emular seu canto e encontrei as notas C, Ab, G, F, Eb, D. Ao elencar os acordes Cm Cm/Ab F eu sabia que não poderia parar e, foi assim que a melodia acabou composta no dia seguinte.
Letra original - acervo da autora

    Finda a composição, eu sabia que entraria em contato com a artista multimídia Isabella Proença para uma ilustração, mas... o que deveria constar? O Urutau? Após a arte que ela desenvolveu para Águia em 2020 eu sabia ser possível, ainda assim, não faria jus. A ave me trouxe a canção, mas o significado dos versos era totalmente da psicóloga poetisa. Além do mais, eu ainda não havia me organizado para retirar o áudio do pássaro e inserir no áudio, será que ficava clara a relação como eu enxergava?
    O título do poema ficou batendo em minha mente e, claro, o que mais faria sentido era que partisse da voz dela o que ela via. Assim, foi como cheguei ao áudio de agosto que abre este post. Isabella foi o mais fiel possível às referências visuais e, mesmo que não houvesse nada relativo, ela conseguiu transmitir uma exaustão no olhar, algo perdido e que casa com uma melancolia que, normalmente, tinge minhas composições e também se encontra em meio aos gritos tão familiares. Certamente seria uma ilustração que vestiria muito bem uma camiseta!

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