quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Uma Nova Viagem

“Talvez se resumam nisso a própria juventude, a espontaneidade, a coragem e a profundeza da vida pessoal, a vontade e a faculdade de experimentar e viver com plena vitalidade a parte natural do ser.” ― Thomas Mann
         Chove na manhã fria de Porto Alegre. Poderia ser São Paulo, também. Quando você se encontra sozinho, a geografia é impessoal. A internet também carrega essa característica: erguemos muros a nos impedir de olhar nos olhos do estranho a partilhar, conosco, viagem. Exibir gentis gestos corriqueiros parece antiquado. Ao mesmo tempo, temos nossas amizades ao alcance da mão. Com poucos toques pode-se ir do sul brasileiro ao sudoeste do Oceano Pacífico. Mesmo assim ainda pode causar estranheza ver as pessoas banhadas pela luz das telas. Narcisos imprecisos? Quando o display esmaece, sobra o reflexo.

                                 

       
        Refletir a canção Uma Nova Viagem envolve novo retorno ao passado. A temporada 2007 chegava ao final, eram os segundos de silêncio antes da explosão. Havia quem soubesse de antemão as ações, o arco a desenvolver na temporada seguinte. Vestibulares, faculdades, empregos. Para outros? Tudo em suspensão. O fim do ensino médio trazia à tona as mais bonitas mentiras professadas nas despedidas, a famosa frase vamos marcar toma de assalto lábios, corações e mentes. Àqueles poucos a arriscar sinceridade são observados de soslaio. Consideremos, os censores possuem nesse ato algo de admiração aos párias. Sejamos ternos com eles. Quando dizem como pode dizer uma coisa dessas? querem dizer não seja rude, mantenhamos este último momento ameno. Um dia nos encontraremos no Sinal Fechado, como diz a canção. O menestrel nos instrui que as coisas se transformam e isso não é bom nem mau. Sejamos felizes nessa última ilusão. Essa é uma possibilidade; podem querer dizer quisera eu dizer algo assim. Como forma de incentivo vou censurá-lo mas ele sabe o quanto o estimo... você está certa. A pessoa pode estar a ser genuínamente sincera. Não se pode presumir generalizando assim. Ponto para você.
         No meio disso nomeei a letra da nona faixa da primeira demo. Num encontro casual Fabio me disse simplesmente desatou a cantar as primeiras palavras que brotaram em seu pensamento. Queria se provar. Achava ser possível conseguir fazer uma música a qualquer momento. Sabe a sensação? Como aquela frase não sabendo ser impossível, foi e fez seja ela de Cocteau ou Twain. De alguma maneira, essa sensação de invencibilidade permeava os arredores. Em algum lugar do tempo, havia um refrão diferente. Seu único registro deve estar incrustado nas paredes da garagem que ouvia os ensaios da Falsa Modéstia. Enquanto consolidava os trechos do repertório autoral retalhei o rascunho de um poema que falava de sonhos e ele se integrou naturalmente ao contexto existencial da composição de Fabio Kulakauskas. Quando meu pai levou a demo para mostrar aos colegas da empresa, voltou com a notícia de que fora a canção que mais chamou a atenção dos, então, presentes. 

Uma Nova Viagem (2007)

Não sei se é aqui onde eu queria estar
Talvez fosse melhor se não houvesse sol
Não sei quais caminhos eu devo buscar
talvez arriscar não seja o melhor

Mas arriscar é preciso
Sobreviver também
O que não pode ser perdido
para eu ser alguém?

Vou chegar ao fim
Do sonho sem querer
Onde as incertezas
Não me levem para trás
E até lá eu sei ficarei aqui
Pois não decidi
Quem virá comigo

Mas arriscar é preciso
Sobreviver também
O que não pode ser perdido
Para eu ser alguém?

Medo de não ser
Medo de não ter
Eu preciso aceitar
Mas só me ensinam a julgar

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