quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Vanguart Acoustic Night

Mal passei a catraca e a vi pela janela. Se eu me concentrasse o motorista se deteria até que eu a visse seguir seu próprio caminho? Aquelas mãos desenlaçaram do que parecia um nó tão perfeito nas minhas. Eu via o riacho negro preso a altura de suas costas e me perguntava se ela se viraria e me veria ali; inerte. Se perder de um amor doía tanto por não ser erro de ninguém e isso me fez sentir nas veias a urgência trágica do violino envolvida pelo trompete, a guitarra lacrimosa. Como era possível o teclado se manter tão dócil, ao que o baixo nunca esteve tão grave seguindo a bateria a conduzir crescente a um estancar seco, como a voz que me rasga a noção de tempo pensando tudo "O que a gente podia ser" - Adaptado da participação numa promoção promovida pelo Fã Clube Sindicato Vanguart promovido no dia 23 de novembro.
Foto: Helen Moraes

        Parte: Antes que pisasse no palco, nunca tinha ouvido falar no trabalho de Rodrigo Alarcon e surge aquela presença com pegada mezzo-reggae-mezzo-samba. Uma levada que, na falta de âncoras ao trabalho dele me levou ao 5 a Seco de alguma maneira. Muito simpático e desenvolto, apresentou letras repletas de bom amor e humor. Suas brincadeiras com o coração e a razão, personificações e a mescla de registros formais e informais (armaria muié cadequê...) o puseram em meu radar. O formato voz e violão foi deixando o público em sintonia com a ideia de um acústico. Embora, assim que ele partiu ainda houvesse nas cercanias da pista premium quem se espantasse: nossa! quantos instrumentos de corda!

       Entre as palmas surge o primeiro de vários gritos, "lindos". Surge também a banda ao que Hélio Flanders agradece a presença do público Que presente, hein? Mal sabiam eles que eram presente de meu natalício. Nesse sentido, quando surge Estive a sensação de familiraridade não poderia ser maior. Se aos nove eu era apresentado ao formato unplugged com o lançamento da incursão da Legião Urbana no formato, estar no Estúdio, dezoito anos depois tinha inominável sabor. A banda que me fez descobrir a existência de Cuiabá viria a contar histórias, parte dos shows que mais gosto por torná-los próximos, na sempre doce intimidade que temos para com nossos ídolos sem que muitas vezes eles saibam. ...Das lágrimas encerra com a vocalização do empolgada do público. Reginaldo acrescenta que haveriam surpresinhas, as músicas a ser tocadas não seriam as mesmas que a banda sempre tocava. Essa afirmação atiçava a curiosidade, afinal, antes mesmo da banda entrar os mais próximos do palco já haviam registrado mentalmente as dezoito canções presentes no repertório. A narrativa de Hélio corta meu divagar. "Essa próxima canção é do primeiro álbum (...) lembro que fiquei umas cinco horas trabalhando numa canção épica que se chamava Para um Marinheiro Grego. Depois dessas horas percebi que aquilo era uma porcaria. E, em três minutos, fiz essa música que ficou para o disco." Para abrir os olhos, além de um solo de David ao bandolim é arrematada com os versos nossos sonhos a caminho, menção a Bridge over troubled water? Quem vai saber?!
        Enquanto Hélio alterna do violão para o piano, a violinista Fernanda Kostchak aproveita para assumir os microfones e pede uma salva de para os companheiros de banda. Ela diz quão legal é poder olhar nos olhos, o coração, do público. O formato do show também permitiu a ela estar presente no palco o tempo todo. Reginaldo oferece a música seguinte à amiga. Helio confidencia que ainda a autoria seja partilhada a música foi essencialmente feita pelo baixista. Mesmo de Longe vem como balada lenta, num dos vários momentos em que David Dafré performou com o lap steel. Todo fim é bom pode estar no próximo álbum. Quanta expectativa. A cada audição crescem os sentidos e significados dela. Versos tais hoje já não tens a chave podiam soar como adaga a acariciar o músculo que nenhuma vez descansa. Talvez seja possível viver sem descontextualizar os versos. Não naquela hora. Outra voz se sobressai no meio da casa lotada: quando sai o próximo disco? Reginaldo sorri um "Por mim saía agora, mas não é demora; é o carinho e o cuidado com a feitura". Anunciam uma canção antiga, do tempo em que cantavam em inglês. O público cria a bateria com suas mãos em Hey yo Silver se houve instante para se sentir num saloon foi esse.
         A primeira meia hora do show encerra com uma canção "menos conhecida". Hélio a dedica a "alguém que está sempre nos shows, ele carrega o pessoal de lá pra cá, para todos os lugares" Ivan. Fica o agradecimento a ele também, afinal, não surge todos os dias uma oportunidade de ouvir Robert. Ainda mais depois de ter ouvido no show de outubro no Sesc Bom Retiro que a tão pedida canção não apareceria mais. As narrativas vanguartianas sempre oferecem possibilidades tanto aos neófitos quanto aos seguidores de longa data. Assim, o revesamento é inevitável: do segundo registro em estúdio vem Se tiver que ser na bala, vai,agora com arranjos de gaita, e depois Olha pra mim quando Hélio diz que quando a fez estava mal mas as vezes isso possibilita o nascimento de coisas boas. Canções-declaração como a que tocariam em seguida, tão logo Reginaldo chegasse ao piano. Na era da impermanência de universos compartilhados; a cidade seria a mesma dos versos de Todo fim é bom? Nessa cidade conserva as características catárticas há anos, ainda arrepia o violino. Para além disso, perceber o conforto no trompete em se permitir mais passa a impressão de ser uma música nova. Reginaldo convoca palmas para Claudinha Almeida da lojinha e para todos do sindicato. Ao fim de Pra onde eu devo ir? e Pelo amor do amor vem mais gritos do público: Hemisfério, Enquanto isso na lanchonete, Engole... A banda se abre em relação ao trabalho envolvido na preparação do repertório desnudado. Nem todas as canções pedidas virão.Quente é o medo, nova composição de Reginaldo Lincoln aparece logo depois de Demorou pra ser
          A décima quarta canção é um cover de David Bowie Space Oddity e o Vanguart expressa sempre ter tido vontade de tocá-la. Podemos acompanhar mais uma camada de referência dos ídolos fora das esferas Dylanescas e Beatlemaníacas normalmente evidenciadas pela mídia. A banda agradece a presença de Calil Barros, parte da equipe desde o início da banda. Há sempre um zelo com a citação nominal da equipe e impressiona por não soar protocolar como se vê muitas vezes. Hélio dedica a canção seguinte aos cônjuges e vice-versa. Ao primeiro acorde, todos sabem que Meu Sol raiará na noite. 

Foto: Helen Moraes

         Faço então, caro leitor ou leitora, um parentese do espetáculo - que contava já cerca de uma hora e dezessete condensadas nos quatro parágrafos anteriores - para agradecer à mesma Helen Moraes autora das fotos presentes neste post por ela ter me reapresentado ao Vanguart. Já ouvia a banda desde ver o clipe de Semáforo a primeira vez. Passei a brincar com as sétimas maiores em composições como Exaustão e Veneno e Meio-dia.  Ansiei pelo segundo álbum ouvindo a banda Major Luciana e vendo qualquer canção que sugeria um caminho que nunca se seguiu com as canções em inglês. Até mesmo abri uma conta no Facebook quando descobri que Boa parte de mim vai embora seria lançado primeiro na rede social. A melancolia misteriosa das metáforas sempre me tragou. De modo que quando Muito mais que o amor ganhou o mundo a única canção a ressoar em mim foi A escalada das montanhas de mim mesmo. Era como os fãs de Tucker Crowe repudiando o lançamento de So, where was I que não julgavam a altura de sua obra-prima trágica Juliet. Tanto sol era demais para mim. Até que, como diria o poeta, antes que eu soubesse, estávamos juntos. A ideia de ver um show no Cine Jóia a meia noite fez com que eu a apresentasse a banda. Amor à primeira audição. Ela não chegou a levar dois dias para decorar as onze faixas. O que era para ser um evento único se tornou algo mais quando, após o show, ela perguntou: quando será o próximo?! Fomos então, ao Sesc Carmo, pudemos conversar com a banda no Sesc Santo André quando avisaram da gravação do segundo DVD da banda, o que nos levou ao CCSP. Era quase como uma bola de algodão doce em que cada show levava a outro com novas nuances. Hélio ainda chegou a comentar na gravação de como casais que estavam na gravação se separavam, e o destino do disco ficava perdido. Aquele tipo de conversa que faz tanta falta quanto David Dafré cantando Get Back no bis desse mesmo show. Passamos ao Blood on the Tracks em Santana, escolhemos canções para o show no Teatro Mars, e mais! Há casais que tem uma música, quantos podem dizer essa é a nossa banda? Mesmo quando não são mais um, as reminiscências desse mapa conjunto pelas estradas de São Paulo seguirá de algum modo. Ter sentido o que é muito mais que o amor tornou meu olhar um outro. El caminho es largo, pero tenemos que seguir.
Repertório cedido gentilmente por Reginaldo Lincoln
           Mi vida eres tu diz Hélio, conta a história de "um garotinho, um mancebo em Cuiabá sofrendo e procurando alguém como ele". Além da já esperada citação à Odair José, houve a inserção do "So you think you're gonna hit me but now I'm gonna hit you back" da banda mexicana Molotov e os versos finais de Perfeição, da Legião Urbana. A banda se apresenta e Reginaldo confessa que em Cuiabá, em meados de 2002, era quase impossível encontrar gente que estivesse compondo e o encontro com Hélio foi maravilhoso, mudando a vida de todos eles. Hélio prossegue a agradecer ao público: "um show sem bateria mais alta que a voz, sem a música alta." Tanto o de Rodrigo Alarcon quanto o acústico em si "é um formato que privilegia a palavra, a canção; e isso fez o Brasil existir na música com Caetano, Caymmi, Chico, Renato (...)" e a presença do público ali, ouvindo e cantando era indescritível. Então, conta que quando estava em Cuiabá aos dezesseis, dezessete anos. Sem nada para fazer eles se tinham. Fosse para mudar o Brasil, para tratar bem as pessoas, respeitar as diferenças. No fim das contas, o amor ainda era mais importante. O violino e o clarinete recriam Semáforo numa versão que merecia ser lançada. 
        Ouvir a banda tocar algo dos Beatles, para mim, é sempre uma justiça poético-retroativa por nunca ter conseguido ver uma apresentação do projeto Vangbeats. All my loving é a penúltima canção do Acústico. Violões de seis e doze cordas, clarinete, bandolim, violino. A instrumentação da banda não deixou a desejar em relação a suas performances "plugadas". Sentir cada um dos novos arranjos permitiu um show memorável. Ainda que o texto não contemple detalhes dos fraseados novos, as canções mantiveram sua identidade com uma roupagem envolvente. Eu sei onde você está encerra a apresentação e o ano de 2016 para o Vanguart. Que venha o quarto disco!

POSFÁCIO

         Que conste nos autos o agradecimento as meninas da lojinha do Vanguart que, sempre muito solícitas, nos ajudaram a alcançar David Dafré que, por sua vez, trouxe Fernanda Kostchak para que entregássemos uma lembrancinha. Essa sinergia é muito boa e nada há que se possa dizer além reafirmar o Muito Obrigado!!!

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