domingo, 17 de maio de 2020

Tudo Outro Agora

“Esse é precisamente o momento em que artistas devem trabalhar. Não há tempo para desespero, não há lugar para autopiedade, não há necessidade para silêncio, não há espaço para o medo. Nós falamos, nós escrevemos, nós criamos legenda. É assim que as civilizações se curam.Eu sei que o mundo está machucado e sangrando e, embora seja importante não ignorar essa dor, também é crucial se recusar a sucumbir à sua malevolência. Como o fracasso, o caos contém informações que podem levar ao conhecimento – até a sabedoria. Assim como a arte.”Toni Morrison, 23/05/2015. The Nation


Tudo Outro Agora (2020)
Letra: Anderson Bezerra
Música: Thales Salgado

E nesses dias de quarentena, 
nem os dias passam, nem a vida
A lembrança daquilo que existiu
Há pouco tempo, parece muito e longe

Tínhamos tudo e todos, 
hoje ainda temos 
e não podemos.

Curioso esse sentimento 
de que nada esta no lugar

Mas vai se encaixar.
Não sei onde, quando e como, 
Mas o normal ainda virá, 
E vida ainda viverá

De certa forma, ela começou no 32º dia da quarentena.

Anderson e eu conversávamos sobre seus desdobramentos do período em casa, o trabalho e os efeitos do distanciamento social. Em março, o artigo de Gideon Lichfield para o MIT Technology Review já dizia: nós não voltaremos ao normalAquela conversa terminou com ele perguntando se as transformações haviam inspirado novas composições. Respondi que “talvez a inspiração venha com o tempo, ou nem venha. Acho legal quem consegue escrever músicas falando do que está acontecendo na mesma hora, mas, acho que nunca fui assim”.
Embora uma madrugada insone tivesse inspirado uma microcanção no 18º dia de quarentena ela era sobre a impossibilidade de aparecer sem ser chamado. Tinha relação com o que “ouli” no 5º dia de quarentena: “uma visita sua agora seria muito benéfica, se não fosse também potencialmente trágica!”. Cinquenta e quatro dias após a frase, uma visita ainda não era possível... Quando será?
Já no 48º dia da quarentena, Anderson apareceu com alguns versos que lhe surgiram durante o expediente. Ele escreveu rápido, para não perder a ideia e compartilhou comigo. Cinco dias depois, na madrugada de um domingo, compus uma melodia tentando englobar aqueles pensamentos. A perda do senso de normalidade atingiu cada ser humano de uma forma diferente: há quem esteja se dedicando a si, quem esteja “descabeçado para ouvir música, quem esteja trabalhando mais do que antes, quem não tenha mais trabalho quem “complete a frase”:.. Não existe um padrão.
Começamos então, algumas conversas sobre o título. “Tínhamos tudo”, foi um dos que surgiu. Passei a pensar em ter alguma coisa entre parênteses, como “a bolha”. Esse é um recurso de que gosto, e usei bem pouco desde 2007 – Para Contato (Marte) e Tudo Depende de Conforme For (A balada de Raul e Júlia) são as que me vem à mente agora – ainda assim, não importava o acontecido, o título não soava “como deveria ser”. 
Apenas no quinquagésimo sexto dia de quarentena, fui inspirado pelo verso de Fernando Anitelli: “Aqui, por enquanto, é tudo ainda”. O título poderia ser: “tudo outro agora”. A pesquisa no Google não retomou nenhum resultado. Bom sinal. Ao indagar o autor da letra, recebi uma réplica positiva: “Ótimo!!!!”.

De certa forma, ela terminou no 56º dia da quarentena

Registro dos pensares originais

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