domingo, 31 de maio de 2020

Quem?


"Quando nos lembramos de pessoas que foram gentis conosco, quando nos lembramos de tempos felizes, não estamos meramente nos envolvendo em uma fantasia. Estamos relembrando a nós mesmos de nosso lugar no mundo. A nostalgia nos dá apreciação renovada pelas pessoas e lugares que constituem nossas vidas." –  The Time Machine: How Nostalgia Prepares Us For the Future em Hidden Brain por Shankar Vedantam

   Trecho de entrevista concedida a Jorge Luís Barros em 2011:

Jorge: Há uma chamada Quem? E ela parece destoar totalmente do resto do disco, foi intencional? Thales: Esta música quase não entrou, ela assemelha-se mais a uma sobra, imagino eu. Porém, me veio quando eu estava navegando pelo Orkut de Estela e reparei que não havia foto no perfil. Pensei em alguém descontente com o próprio eu, sem se reconhecer no espelho e escrevi com base nisso. Não houve outra estrofe por eu não ter conseguido pensar em nada depois da ‘pálida sombra do que não fui...’ definitivamente é uma canção ruim, mas tinha relação com o que eu estava fazendo, então a aceitei para ser a penúltima música do lado A.


Quem? (2011)

Letra e Música: Thales Salgado

Cântico de silêncios
Em difusa forma, quase um borrão
Na simetria do espaço

Pálida sombra do que não fui
Com que direito censura?
Os traços e os planos que faço

Quem me olha lá?
Quem me vê chegar?
Não me reconheço no espelho

        Ouvi em uma das primeiras aulas do curso de Lucas Silveira que “as boas ideias sobrevivem a problemas técnicos”. Tendo isso em mente, mantive o áudio de quando tinha 21. Para ser sincero, eu já fiz isso uma série de vezes nas postagens do blogue sem ter ciência dessa máxima. O trecho da entrevista sobre o Mosaico de Estrelas veio como tentativa de contrapor isso. Em 2011 minha visão era taxativa “definitivamente é uma canção ruim”, o pensamento aos 30 é o mesmo? Será que com alguns retoques isso mudaria? Quem sabe novos versos ou uma regravação, em um estúdio, daria outro ar, mesmo a essa composição? Elucubrações.
        Independente disso, me lembro que essas composições foram realizadas em julho e agosto de 2011. Estes dois meses compreenderam sessenta e dois dias dos quais me lembro de poucos acontecimentos, além das canções, poderia olhar em meu moleskine outros eventos que tenham ocorrido, mas, o que mais estava acontecendo? Qual era a vida?
        O isolamento em que estou já conta e setenta e quatro dias. Nele, não surgiu outro álbum (embora Adriana Calcanhotto compôs seu disco ‘Só’ inspirada no período, cada um encara a fase à sua maneira) mas apenas uma música e uma série de desenhos. Os tempos são outros:
          Em entrevista à Folha de São Paulo, o profº de neurociência da Universidade Federal do ABC, André Cravo, explicou que um dos fenômenos que interferem na nossa sensação da passagem do tempo são quantas ocasiões marcantes e diferentes entre si aconteceram em um determinado intervalo e que, a partir de milhares de relatos sobre a percepção do tempo durante a pandemia, é possível identificar que as pessoas estão sentindo o tempo de forma diferente: “Temos visto relatos de quase tudo: semanas que passam voando, outras que se arrastam. Mas, de maneira anedótica, todo mundo concorda que o tempo está diferente”.
        A maior diferença entre o antes e o agora? Não poder sair, andar pela cidade à fora imaginando a tela em que retrato a saudade que vesti como luva.

Além da letra e um verso que foi omitido da letra,
um poema intertextual escrito no ano seguinte

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