domingo, 7 de junho de 2020

Árvore da Solidão

“Se a preocupação com a técnica é inseparável do artista (Delcroze, 1925), o verdadeiro músico transforma inconscientemente tudo quanto acontece em manifestação de natureza sonora. Ele compõe obedecendo a um impulso inato, mas necessita sempre do conhecimento técnico para ”enformar” a emoção numa construção artística.” Da música, seus usos e recursos – Maria de Lourdes Sekeff – 2ª ed. Ver. E ampliada – São Paulo: Editora UNESP, 2007
Anjo Gabriel, do artista soteropolitano Enoque Cesar de Souza
na Praça IV Centenário em Guarulhos, foto por Thales Salgado em 09/10/2019

Árvore da solidão (2011) 
Letra e música: Thales Salgado 

Árvore da solidão 
Sonhava estrelas 
Opacas, vibrantes: 
Não podia tê-las. 

Ir p'ra casa, um banho. 
Parecia-lhe um plano estranho 
Seus pés sempre presos ao chão 

A chuva não mais vem 
E nem a reza, lhe leva alguém 
Para regar (para regar) 

Ao longe avista galhos que um homem carrega 
Esquecendo o direito que ela tinha a dizer "Não" 
O canto das motosserras retalha a arvore da solidão 
Dão lhe só o direito de se ver tornar carvão



         Quando junho começou, passei a pensar em escrever um post sobre uma canção de 2011 chamada que versava sobre uma “árvore da solidão”. Revirando a caixa de e-mails, verifiquei que encaminhei a demo pela primeira vez no dia 02/10, um domingo, então, podemos considerar que ela foi composta naquele final de semana.
      Não sei há exatamente quanto tempo ela estava escrita antes disso. Mas sei que tentara uma série de melodias para aquelas palavras, infrutiferamente.
      O título do “álbum” seria Eclipse de Silêncios. Sabe aquelas coisas que você pensa “isso soa bem” e tem que, estupidamente, interromper o que quer que esteja fazendo para anotar? A ideia soava assim, “original”.
       Uma superficial consulta ao Google me fez descobrir em 2020 que tanto o poeta Pedro Barão de Campos quanto o cantautor espanhol David DeMaría já mencionavam o termo. Não existimos em um vácuo, portanto, isso não é nada de novo.No fim das contas, nunca senti que as composições daquele período, entre 2011 e 2012, feitas entre o Mosaico de Estrelas e o álbum feito em parceria com Kariny, respondessem a algum conceito maior:
     Havia desde letras de amigos meus, composições coletivas inspiradas no dadaísmo com colegas no último semestre da faculdade, versos roubados, a até mesmo o trabalho com autores desconhecidos. De modo que todas aquelas ideias possíveis foram recombinadas sob o título De Tudo o Que Não Foi e mesmo o termo eclipse de silêncios acabou por integrar a letra de HMK, apenas em 2013.
      Contextualizada a ausência de uma linha guia para as composições daquele ano, recordo que, em parte, a letra dessa composição partiu da ideia de “também ter uma música com árvore”. Tão somente, pensando em artistas que recorreram ao tema e eu estava ouvindo naquele período consigo levantar três: Dave Matthews Band e sua A canção The Dreaming Tree de 1998. A composição Dance ‘Round the Memory Tree, de Oren Lavie (2008), que fez parte da trilha sonora do filme As Crônicas de Nárnia: Príncipe Caspian e, em alguma escala, o álbum Sometimes I Wish We Were An Eagle (2009) de Bill Callahan em que cenários campestres surgem de quando em vez, seja em Jim Cain (Comecei em busca de coisas ordinárias/Quanto de uma árvore enverga ao vento), Too Many Birds (Muitos pássaros em uma árvore só), My Friend (Agora, não estou dizendo que fomos cortados da mesma árvore), e All Thoughs Are Prey to Some Beast (A águia olhou claramente através da árvore-cérebro).
         Pode ser, e aí estou entrando em terreno movediço pelos campos da memória, que a questões como estas estivessem germinando de antes; historicamente, o período entre agosto e setembro costuma registrar os números mais elevados de focos de calor, incêndios e casos de queimada.
         Ainda que, naquele ano, não tivéssemos vivido um anoitecer precoce, como ocorrido em 2019, quando os efeitos da fumaça de queimadas na região amazônica puderam ser sentidos bem longe da Amazônia, chegando a locais como São Paulo e Paraná, seria exagerar dizer que notícias com a mesma temática estivessem rondando o período?Também corrobora com essa impressão a menção nos últimos versos do “canto das motosserras” um tributo à letra de Um Caminho Para o Céu, de Bruno Barduchi Oliveira, uma vez que esta é, cronologicamente, a primeira composição musical que fiz. Há, também, no verso que diz “ir p’ra casa, um banho” a tentativa de aproximar a letra do cotidiano, flertando, brevemente, com uma ideia retirada de L’âge D’Or que tinha, entre seus versos “Meu tornozelo coça/Por causa de mosquitos/Estou com os cabelos molhados/Me sinto limpo”.
         Obviamente, um banho nada tem de estranho (a menos que se considere o plano do eu-lírico da canção, que está imobilizado), mas, para quem passara o período entre 2007 e 2010 sempre escolhendo termos como “torpor eterno” e “descalabro” para compor as letras, flertar com uma ação cotidiana era um avanço.

Foto do moleskine com a cifra
referência para a gravação,
 mais simples, impossível.

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