quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Johnny Hooker no Sesc Pinheiros

“Estas alegrias violentas têm fins violentos. Falecendo no triunfo, como fogo e pólvora, que num beijo se consomem.”
(Romeu e Julieta, Ato II, Cena VI)

         Dia 2 de fevereiro, dia de Iemanjá vá pra perto do mar... Acordei e me vesti com essa impossibilidade geográfica. Se nesse momento ascendesse seria estaria no mar negro que é o céu. Pernambuco fala para o mundo no natalício de Lenine. Divago em termos. Desde o dia vinte e nove de janeiro não paro de falar da apresentação de Johnny Hooker no Sesc Pinheiros. Chega ao ponto de, quando travamos algum diálogo mais musical nas frestas dos expedientes, eu mencionar de leve algum aspecto de produção ou da habilidade dos músicos que o acompanham em turnê. Mais de uma pessoa decorou o nome. Você tá falando do Hooker, né? O sorriso denuncia.
         Sabe quando você conhece um artista no momento certo? Quando tem a impressão de que uma série de canções conversa contigo mais do que se você mesmo colocasse seus sentimentos em palavras. Essa é a sensação. O fato de me ter sintonizado no Experimente do Canal Bis por um acaso com Johnny no palco capturou toda a minha atenção. Quando descobri que em 2014 ele interpretou um personagem na novela Geração Brasil e o nome dele era o meu: Thales Salgado foi difícil não me deixar envolver pelo velho fantasma do Destino. Ou seria providencial? De todo modo, aguardo a próxima vinda dele à São Paulo para enfim conhecê-lo.


         Antes que ele chegasse, quebrava o breu apenas o glitter nos rostos e corpos em movimentos ao meu redor. O primeiro momento a me surpreender com o espetáculo foi ao primeiro sinal, momento em que as pessoas aproveitam a liberdade para escolher as poltronas mais próximas do palco, uma multidão se dirigiu diretamente à frente do palco. Eram mais de cinquenta pessoas ali. Por mais estranho que pareça foi o último número que contei. Esse movimento atípico tornou o surreal memorável. A exaltação era tanta que quando a introdução começou consegui discernir pouco das palavras declamadas
"Tentei te reescrever já que não consegui te desacender. Fiz preces secretas aos Deuses, todos os dias. Dentro do teu corpo eu te devoro como um demônio no deserto. Criança mítica. Pelos teus caminhos eu sopro maconha dentro da tua boca. Minha língua se desfaz no sal do teu corpo." 
         O transe tribal parece tomar conta de todos os presentes. Todos eretos como esquecessem existiam poltronas no recinto. As luzes se insinuam. "Vocês estão prontos para transar comigo essa noite?" Cada frase do artista era comemorada com os mais variados gritos Lindo, Gostoso, Diva. Entre gritos e suspiros Johnny magnetiza a platéia. Se ajoelha em desespero, entrecorta convulsões com olhares lascivos. As palmas dos presentes imitam o registro de estúdio, quando preciso. O show ter ocorrido no Dia da Visibilidade Trans tornou ainda mais urgente o discurso "2017 vai ser um ano pra gente resistir essas forças retrógradas que estão chegando e não vão perdoar". Há um posicionamento social que vai além do espetáculo e, pela projeção que os artistas recebem, é sempre válido.
         O microfone se torna garrafa na interpretação de Garçom e tenho que reiterar um pensamento à Estela, ela realmente permeará o inconsciente coletivo de todas as gerações, pelo conteúdo das letras ser um desabafo atemporal a que qualquer um já esteve sujeito. O universo lírico de Johnny é tão visceral quanto acessível e basta ser humano para sentir isso. Há macumbas e amarrações por todas as esquinas, cartazes de amarrações colados em postes e viadutos. Somos todos passionais e selváticos ao passo que no instante seguinte podemos nos entregar à procura do desejo original residente abaixo de todos os desejos esmagados por outros na mesma busca. As histórias tecem, as intervenções poéticas com trechos dos clipes, as cores guiam os ouvintes pelo universo de desilusão, mas também amor e até ternura. Terminando com a declaração de que as festividades do carnaval 2017 estavam abertas! Há mais sentimentos que não cabem em palavras, resta ouvir cada uma das canções no aguardo de sua volta à cidade de São Paulo. Que venha o Desbunde Geral!

ATO I
Eu vou Fazer uma Macumba Pra Te Amarrar, Maldito!
Alma Sebosa
Chega de Lágrimas
Só pra Ser teu Homem
Segunda Chance
Boyzinho

ATO II
Amor Marginal
Você ainda Pensa?
Garçom
Pense em Mim
Boato
Crise de Carência

ATO III
Volta
Bandeira Branca
Desbunde Geral

"Desejo nos cegue, nos guie, nos proteja até o fim dos tempos"

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