terça-feira, 31 de julho de 2018

Parte do que não foi

"Meus olhos encontram os seus e um beijo se perdeu. Posso voar agora. Nascerá todo o fim da solidão. Sinto que não vai passar, nem o tempo apagará. Pois estou vivo e sigo com você nessa história sem fim." Thales Salgado, aos 16.
    Ela escrevera: "É coisa de pele, de carne, de osso, de pó." coisas de amores que matam, por assim dizer. Teria feito boa viagem? Talvez esperasse ouvir essa pergunta. Talvez alguém tivesse feito essa pergunta. Não eu. E digo isso mais por falta de tato para as convenções sociais que por qualquer outro motivo. 

       O que sei, é que ela abrindo as malas deixadas para trás a fez travar contato com insignificâncias cheias de significado. Eu -  inspiração e inveja - decidi fazer o mesmo tendo chegado apenas do próprio cotidiano. Os olhos arenosos. Uma sequência hollywoodiana repleta de ação, tão familiar, levou cada um dos moradores da casa à suas camas. Menos eu. "Estou acordado e todos dormem" diria Renato Russo. Por vezes me pergunto se me é possível terminar um período textual sem mencionar alguém. Quem sou eu? Eu sou a máquina de recordações, sonhando convulsões, esperando a vida chegar.

        Você leitor deste blog pode até ter visto a frase negritada no parágrafo anterior. Ela deveria ter sido uma composição e feneceu como uma vinheta. Se você me perguntar pessoalmente eu sei até cantar este trecho, ainda assim, nunca consegui desenvolver nada que conduzisse ou resultasse deste verso. E esta não foi a única vez. Tive ganas de copiar o capítulo CXXXVI das Memórias Póstumas, sabia? Tenho a impressão de que, por cada semana deste mês, poderia tê-lo feito...

       No tempo em que estive na universidade rabiscava moleskines sem pudor. Neles transbordei parte do que não foi. Suas páginas são malas mofando. Espere, vou abrir uma página qualquer e trazer algo à tona. A ideia era realizar uma narrativa progressiva usando encadeamentos harmônicos de meus primeiros dias como compositor (talvez algo na linha de Um Conto no Jardim) com uma letra mais soturna, abraçando as trevas como quem sabe que sem elas a luz perderia o que tem de aprazível. Esses foram os versos que consegui:

Numa era escondida pelo tempo
Em que a vida era o eterno deixe estar
Desfolhava-se um embate já sereno
Entre a Solidão e os filhos do Amar
Ambos simbiontes do que era divino
Em busca de dominar a criação
Um astuto e, do outro lado, um ferino
E tão hábeis no disfarce e na ilusão.

Eis que o sol então é eclipsado
Pela lua ao meio-dia
Fazendo todos se perguntarem
Se era feitiçaria
Tanto os combatentes
Quanto aqueles que apenas assistiam
Vêem que é a Morte à sorrir

Deixa ecoar seu riso tão profundo
Como ri-se Satanás
A morte não percebeu que em seu manto
Esconderam-se os amores e a solidão
Acabaram todos atrelados
À toda faísca humana
Sendo partes do viver

        Ali, aos vinte e dois, quem escreveu o mal traçados versos sabia bem mais do que eu sei hoje. Mas, ou muito me engano, ou são páginas de feitos inúteis.

Cordelizando

"Quero perder o medo da poesia, encontrar a métrica e a lágrima" Atronauta Lírico, Vitor Ramil
Foto do original, ilustrado em maio.

"Há alguns dias atrás minha mãe surgiu com a necessidade de um cordel que falasse da educação na cidade de Itaquaquecetuba. Debrucei por várias horas na questão e o resultado foi esse. Li uma série de notícias da cidade e me pautei na educação libertadora de Paulo Freire.
Ainda que, em canções, eu não faça questão com métrica. A literatura de cordel a tem como tradição. Busquei respeitar a isso, tentando usar os oito pés a quadrão. A ilustração também foi minha primeira tentativa nesse estilo"

Em Itaquaquecetuba
O povo não se derruba
Faz como o “balança juba”
Se o assunto é educação
Mesmo sem o uniforme
O povo daqui não dorme
Se há algo que transforme
Esse algo é educação

Até quando existe greve
Se espera que seja breve
A criança não escreve
Sem professor pra lição
Mudam hora de concurso
Tentam alterar o curso
Sempre o mesmo discurso
Bate uma decepção

Se alguém rouba fio de cobre
Atitude nada nobre
Não há quem não se desdobre
Numa interrogação
Teve máfia da merenda
Até desvio de renda
E quem é que encomenda
Toda essa judiação?

Quem souber, me grita ou posta
Mas acho que a resposta
Sem fazer nenhuma aposta
Já sabe, a população
Mesmo com toda a mazela
Uma cidade tão bela
Sabe que o melhor pra ela
É focar em educação.

*Originalmente publicado no instagram em maio de 2018

domingo, 29 de julho de 2018

C.P.T.M., da letra

"O mundo não quer saber do espírito. Ao egoísmo do homem é odiento todo ideal que dele exija mias do que uma máscara hipócrita." Para ler e guardar, Hermann Hesse
A estação deserta após noite de festa.

C.P.T.M - 2018
(Caminham Pelos Trilhos do Mundo) 
Letra e música: Thales Salgado

Mesmo após sair dos sonhos
Ela embarca em outro dia
Tem nos olhos o verão
Refletindo o lado avesso
O oposto a gravidade

Transitada em suas mãos 
Resoluta ela parte
narcisos imprecisos
Mal a vêem sair do chão

Os operários de Tarsila na estação da Luz
Caminham pelos trilhos do mundo
Buscando a quem conduz
E que nunca vem
Não vem!

Quanto se deixa em estações?
Nenhuma esfinge saberá 
Os sentimentos em nudez
Contrários a qualquer talvez 

Não salte! De branco.
Não salte! Só olha.
Vejo as mãos, ao vento
Só a trajetória

Tanta emergência nos desvãos
Os emergentes, sem ação
Rompa o silêncio em avidez
Tudo só acaba uma vez

         Das composições que fiz desde 2007 C.P.T.M, é, até o momento, a que mais levou tempo para ser desenvolvida. Ainda que tenha sido finalizada em 25/05/2018, seu embrião surgiu em 2011. Após assistir o coletivo Bootworks Theatre falando de seu espetáculo Black Box no teatro do Sesi, fui abordado na linha verdade do metrô se "ver todas aquelas pessoas na estação" não me inspiravam a escrever e, até então, a verdade era que não. Ali, aos 21, o máximo de exposição que tinha ao metrô eram passagens pontuais enquanto alcançava a UniSant'Anna ou algum evento no Sesc.
         N'algum ponto entre 2014 e 2015 conheci o trabalho da dupla Onagra Claudique; por meio de seu álbum Lira Auviverde. Entre as narrativas presentes em sua lírica, há a letra de Arrebol. Nela há versos como "Na catraca do metrô querem passar três/É tão desolador o anhangabaú/Depois das seis" e "Na parcela do imposto não contém/O desgosto de encarar duas conduções, um trem?". Era possível, então, inserir elementos do cotidiano de forma elegante numa letra de música. Mas, o que eu poderia dizer acerca do tema?
         Foi apenas em 2016, na primeira aula que tive com o escritor Fabrício Carpinejar, que algo passou a realmente tomar forma. Enquanto passava pela estação da Luz, tive a impressão de enxergar o quadro de Tarsila do Amaral, a tela Operários:
      Na pintura de 1933 podemos enxergar uma pirâmide de trabalhadores exibindo feições que são variações de cansaço (uma pequena parcela do que, no futuro, Byung-Chul Han definiria como a Sociedade do Cansaço). A intersecção nesta estação me trouxe alguns dos versos:

Os operários de Tarsila
Na estação da Luz
(...) algo que os conduz

        Conduz surgiu para rimar com luz, e, não havia nada além disso. Uma brincadeira com o maquinista/condutor estava implícita, mas, o que mais? Tudo o que foi escrito no texto conduziria a este ponto. Foi apenas em 2018 que me veio a mente uma história que ouvi quando criança. Uma moça com vestes brancas olha fixamente aos olhos de uma testemunha antes de saltar rumo aos trilhos. Algo chocante, sem dúvidas. Uni uma possível narrativa do que seria este momento com a ideia de "narcisos imprecisos" que já estava num dos textos do blog deste novembro de 2016 "Mesmo assim ainda pode causar estranheza ver as pessoas banhadas pela luz das telas. Narcisos imprecisos? Quando o display esmaece, sobra o reflexo." Era uma brincadeira com Black Mirror, claro, mas, ainda assim, permitia mostrar algo que vemos todos os dias: a utilização indistinta de celulares enquanto estamos entre lugares. Não me excluo disso, obviamente.
     Tinha então quase todas as peças em lugar, uma possível suicida, operários caminhando na estação, pessoas com seu celulares dando atenção a seus universos digitais particulares... eis que, num dia de maio concluo que seria interessante ter um acrônimo para o título. Surge "Caminham Pelos Trilhos do Mundo" e, após isso, concluo que a melhor forma para começar a letra seria usar, como tantas outras vezes, um acróstico. Desta vez para Metrô e Trem. Objetos inanimados tomando parte de uma canção. Que, até o fim de julho, não foi gravada. Mas o será, em breve.

Canções-minuto

"Robert Walser sabia: escrever que não se pode escrever também é escrever." Enrique Vila Matas, Bartleby e companhia.
         Entre as ideias reincidentes nos textos que você pode encontrar nesta página, está o fato de que passei alguns anos - entre dezembro de 2013 e dezembro de 2016 - sem compor música alguma. Ainda esta afirmação seja verdadeira, há algumas histórias perdidas nesse ínterim. Houve pequenas canções destinadas a transmitir alguma mensagem para pessoas próximas. Suas letras variavam de acordo com o destinatário, poderia ser mais voltada ao dia a dia: boa noite meu amigo, como vão seus sonhos? Ou então imaginando parcerias que nunca ocorreriam: Oh Jess, won't you show me your songs? também houve, pasmem, canções de ninar para jovens adultas: Espero que você durma bem, pressinto mais baratas não há, já não precisa se preocupar... A questão é, nenhuma delas adentrou o que chamo de meu cancioneiro.
        Desde que comecei a compor houveram composições assim. "Esta não está a altura" ou então "ainda não sei o que vou fazer com a letra daquela". Entre elas e as que ilustram este post só há algo em comum: a duração. Eram canções curtas, "canções-minuto", para me apropriar do título da série de esculturas de Erwin Wurm. Nesse 2018, acabei por utilizar deste conceito por duas vezes. Partindo da duração dos vídeos no Instagram, pensei fazer composições musicais que utilizassem esse minuto para transmitir uma mensagem. Qual seria ela? Talvez elas não pudessem partir de mim.
       Passeando entre as indicações poéticas da rede social, me deparei com as palavras de Véronica (@poetry_131) e, posteriormente, de Joana Ferraz (@trazumverso). Cada uma delas tece e destila poesia de uma maneira distinta. Tomei a liberdade de escolher versos de posts distintos que, a meu ver, fizessem sentido reunidos e tratei de compor dentro do referido minuto. O resultado você pode conferir abaixo:

Comeback anytime 
You said 
When I was leaving 

Now, I am here; 
Knocking at your door 
And no one seems home

I have to let you go
To find myself again





29/03/2018 
Escuta essa carta que fala
Com o corpo todo do amor

11/01/2018 
Quero cantar teu nome
Como quando cantam
Vento e água doce 
O som na areia

24/12/2017
Renda de nuvens no mar aberto 
Céu