quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Todas as Cores que Você Quiser

"A música tem sempre sido um catalisador para mim, tal, um processo de purificação. Sempre funcionou para mim, vem sendo uma forma de cura e de lidar com as coisas. Nem tudo o que escrevo é autobiográfico, mas, há aspectos que são. Para mim sempre foi curativo cantar, fazer música, compor e escrever sobre certos assuntos." - Sharon den Adel em entrevista para o site francês United Rock Nations


         
         Talvez, haja uma questão geográfica na música. Digo talvez simplesmente por não ser capaz de argumentar de forma completa esta questão. Já a partilhei para muitos "gosto de artistas do Rio Grande do Sul" ainda que diversos deles (Engenheiros do Hawaii, Nenhum de Nós, Vitor Ramil) chamem minha atenção não quer dizer que toda a produção musical dessa região me atinga da mesma maneira (Papas da Língua perde meu interesse já começando pelo nome, por exemplo) apenas que é um assunto que me chama atenção a ponto de ser até mencionado na canção Notas fora do lugar. A questão de se tornar parte do texto introdutório é que, também eu, no período de composição da canção estava prestes a mudar de cidade. Após sete anos de composições rondando pela cidade de Arujá, lá estava eu: há poucos passos de partir para Guarulhos. Talvez, ter começado a pensar na letra próximo a divisa das duas cidades seja um fator importante neste caso. O que sei eu? 
            Sei que naquele período vivenciava a tentativa de imersão em partes de obras que eu não me dedicara antes: Leoni e Within Temptation. Foi sob esta influência que a canção iniciou com um acorde ré maior e o solo é uma tentativa de emular as linhas melódicas do refrão de Memories. Elementar, isso não é necessariamente perceptível. Muito menos o é que a frase "o mundo está caindo disfarçado de chuva" não seja de minha autoria mas haja uma alusão a ela. Mesmo "a pedra dos sonhos" é o mesmo título de uma animação que eu não me lembrava de ter visto e me fora contado acerca de. Tentar caminhar pelo universo referencial de outra pessoa é estar, também, propenso a erros, afinal, tudo não passa de minha própria ótica sobre o que torna estas dileções significativas. No final, a canção se torna um retrato que, talvez, não seja capaz de mostrar as cores da foto para qual eu olhava. Tendo a mesma pessoa me falado dos temas discorridos na letra, seria esta letra capaz de esbarrar, minimamente, no universo dela? Ou seria minha dileção apenas outra peça de um quebra-cabeça que eu não entendo? O que sei eu?
         
Todas as cores que você quiser (2013)
(Memories - música incidental)
Letra e música: Thales Salgado

Luzes não há mesmo frente ao fogo
Até o ar pareceu fugir
Qual foi a trilha a te trazer aqui
Assistindo a realidade partir?

Se disfarçado de chuva
Você viu seu mundo cair
Saiba que depois da curva
Há um arco-íris surgindo

E todas as cores que você quiser
Estão no caleidoscópio de tua pedra dos sonhos
Quando a estrela nas sombras fulgir
Eu sei que o mundo vai te ver voltar

"All of my memories keep you near. 
In silent moments imagine you here.
All of my memories keep you near.
Your silent whispers, silent tears."


E todas as cores que você quiser
Estão no caleidoscópio de tua pedra dos sonhos
Quando a estrela nas sombras fulgir
Não deixe a centelha se apagar


sábado, 22 de setembro de 2018

Solar Fragment - Man of Faith

John Locke na segunda parte do episódio Piloto de Lost

           22 de setembro é o aniversário de lançamento de Lost. Conforme os anos passam, segue a certeza de que nunca terei tanto tempo para me dedicar a um produto de entretenimento como tive no período de sua exibição original. Este ano tive oportunidade de obter novamente um dos discos da série que haviam sido danificados e passei a ter meu box completo novamente. Há tranquilidade e segurança numa ação como esta. Passeava com meus pais numa tarde em Belo Horizonte e, de repente, noto um saldão de dvds nas Lojas Americanas. Tinha certeza que faltava um, mas, qual seria? Na impossibilidade de confirmação decidi comprar quatro de temporadas distintas. Foi um salto de fé e fui recompensado... Em 2016 pude falar um pouco de 108 Minutos, minha a primeira composição inspirada por Lost. 2017 trouxe Constante aos holofotes em uma homenagem à Desmond David Hume. Este ano trago a composição Man of Faith (Homem de Fé) da banda alemã Solar Fragment. Numa banda com os integrantes fãs de Lost era inevitável que surgisse uma composição homenageando John Locke e sua jornada em busca do destino.


Man Of Faith

Torn by a lie and defeated
by life I despaired
Every single hope was dashed
between the wheels of my chair
Now I revive! The sand beneath my feet:
This is my miracle, this is my release

Here I am, a man of faith
it was my destiny to come to this place
And I know my part: I will meet my fate
I will struggle till I see the island's heart Each of us was brought here for a purpose
each of us is at the island's service
The numbers cannot stop me
from facing Hatch and Rock
Call me hunter or scarface or just call me Locke

Here I am, a man of faith
it was my destiny to come to this place
And I know my part: I will meet my fate
I will struggle till I see the island's heart

(4 8 15 16 23 42 sum up, press "execute")
Yes, I looked right into the eyes of the island

(4 8 15 16 23 42 - you are doomed)
and what I saw was beautiful and you better trust your visions,
follow your siren!
Repent your sins to me!

Now I revive!
The sand beneath my feet:
This is my miracle, this is my release

Here I am, a man of faith
it was my destiny to come to this place
And I know my part: I will meet my fate
I will struggle till I see the island's heart

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Nebulosa

"As coisas, por exemplo, começavam todas pelo princípio e acabavam no final. Por isso, nesse tempo, para ele tinha sido uma grande surpresa, e nunca mais as esquecera, umas declarações do cineasta Godard onde dizia que gostava de entrar nas salas de cinema sem saber quando é que o filme tinha começado, entrar ao acaso em qualquer sequência, e ir-se embora antes do filme ter terminado. Seguramente, Godard não acreditava nos argumentos. E possivelmente tinha razão. Não era nada claro que qualquer fragmento da nossa vida fosse precisamente uma história fechada, com um argumento, com princípio e com fim." - Enrique Vila-Matas, Doutor Pasavento



Nebulosa (2013)
Letra e Música: Thales Salgado

Espaço sem limites
Corpos celestes se agrupam
E os mistérios dos sentidos
São fundados

Deuses agrupam astros
Com sucessivos movimentos
Tão precisos tal gênios
Renascentistas

A Dália Negra encara o Lírio
Será uma miragem?
Rastros de uma nebulosa
A Pairar na paisagem
Vejo o futuro rasgando
Às margens do Sena
(Na falta de um poema)

Sonhos são destino
Mesmo que em vida
Estejamos em estado
De constante despedida

As palavras inertes
Emergem da noite
Constituindo vestes
Que acomodam os instintos

A Dália Negra no Segundo
Círculo do Inferno
O Lírio nômade aprecia
O silêncio dos dias
A cordilheira evanesce
Tão logo se pisa
E a alma nem realiza
Nossas sombras projetam nas nuvens
A tormenta no passeio azul
E os Kilometros Contra a Corrente
Pois que a vida está em outro lugar...

A Dália Negra vê o Lírio
E pensa ser miragem
A nebulosa esconde as pétalas
Por toda a parte
Na pedra do Arpoador
A vista nunca alcança a paz
Nossas escoras de pequenos cais.



  • A vida está em outro lugar - Milan Kundera
  • Cordilheira - Daniel Galera
  • Inferno - Dan Brown
  • Todos os fogos o fogo - Júlio Cortázar
        Estes são alguns dos livros que tinha em mente no momento em que escrevi esta letra. Seria certamente culto colocar entre eles "A Divina Comédia" de Dante, como fonte. Seria uma inverdade. Não me ufano de ter lido Dante no original. Conheci seu trabalho diluído em referências. Fosse na descrição do inferno de Masami Kurumada em sua saga de Hades ou, no então, livro mais recente de Dan Brown. Também não tome a "Dália Negra" nos versos como menção a atriz Elizabeth Short (ou mesmo o filme de Brian de Palma) desconheço-os para além de seus famosos nomes. Esta foi uma das primeiras composições feitas em Guarulhos e a intenção era de que o que eu fizesse após chegar na cidade não fosse preso a qualquer amarra autoimposta no período em Arujá. 
          
         Há no centro do texto uma série de trajetos geográficos, partindo do cenário espacial para a França, o Rio de Janeiro... paisagens apenas sugeridas para outros contextos. Mesmo o Passeio Azul. é lugar inventado por Kariny em seu período pré-Nova Zelândia. Ou seja, há também autorreferência, ela só passaria a crescer daí para frente. A letra fala por si só, ou não? Você leitor, se chegou a este breve segundo parágrafo diga o que achou da letra nos comentários. A demo gravada no quarto da mudança recém feita. E já vão aí cinco anos! Irreal? Onírica? Talvez caiba uma citação ao filme de Richard Linklater, Waking Life:

“Dizem que os sonhos somente são reais enquanto duram. Não podemos dizer isso da vida? Muitos de nós estão mapeando a relação mente-corpo dos sonhos. Somos chamados onironautas, exploradores do mundo onírico. Há dois estados opostos de consciência, que de modo algum se opõem. Na vida desperta, o sistema nervoso inibe a vivacidade das recordações. É coerente com a evolução. Seria pouco eficiente se um predador pudesse ser confundido com a lembrança de um outro e vice-versa. Se a lembrança de um predador gerasse uma imagem perceptiva, fugiríamos quando tivéssemos um pensamento amedrontador."

sábado, 1 de setembro de 2018

O Álbum da Vida #1 (Hybrid Theory)

"Tendemos a nos inclinar mais para o sentido mais escuro da música. Gostamos de sons que distraem e batidas fortes. Falamos sobre perda e auto-estima e ficamos realmente confortáveis falando cada vez mais sobre coisas que estão acontecendo em nossas vidas e nesse mundo tão agressivo e guiado pelo conflito - como os conflitos interpessoais se relacionam com o mundo exterior e vice-versa. Temas de morte, perdão, se agarrar a seus sonhos, estar deprimido. Falamos de todas essas coisas de um jeito ou de outro na gravação. Para mim, as letras que compomos são evocadas pela natureza da música ou melodia. Podemos a soar mais agressivos em partes e então para um lugar tranquilo, belo e otimista em outras." Chester Bennington, em entrevista de Jon Wiederhorn para o Noisecreep, setembro de 2010


**Texto por Luis Antonio

Quando você é adolescente e vira fã de alguma coisa, parece que você vive aquele momento intensamente. Nessa fase, o primeiro contato com tudo é sempre muito marcante. Eu tinha acesso a poucos programas de música. Na minha casa não pegava MTV, o que dificultava bastante as coisas para um garoto louco conhecer bandas novas. 

Lembro de um domingo, em que eu estava vendo um programa de vídeoclipe que tinha encontrado na programação da parabólica, Plugado era o nome. Foi nesse programa que tive meu primeiro contato com o Linkin Park. Vi o clipe de Crawling e aquilo tudo era muito diferente para mim: Vocais berrados, rap no meio da música "Que mistura era essa?" E o visual?  Chester com o cabelo loiro todo espetado, piercing na boca e tatuagens de fogo nos braços. Que irado! Um japonês com cabelo todo vermelho e brincos na orelha. "Quero ser descolado desse jeito!"

Numa época em que praticamente ninguém tinha acesso a internet, vi o videoclipe e não fazia ideia de como conseguir qualquer coisa relacionada a banda. Pouco tempo depois, ouvindo uma rádio, no bloco que tocava as músicas mais pedidas, ouvi In The End pela primeira vez. Ali, foi um caminho sem volta. A mistura de rap com rock era maior nessa música e era perfeita! Fazia todo sentido. Gravei a música numa fita k7 onde gravava as minhas favoritas da programação da rádio e ouvia sem parar.

O engraçado é que praticamente todos os meus amigos descobriram o Linkin Park na mesma época. Você ia comentar da banda e a pessoa dizia que tinha acabado de conhecer também, o que era o máximo. Alguns dias depois meu tio apareceu com uma cópia pirata do disco Hybrid Theory, o primeiro do LP, que eu considero uma obra prima. Confesso que não gostei do cd todo logo de cara, músicas como With you, By Myself e One Step Closer soavam pesadas demais para mim que não estava acostumado com aquela sonoridade agressiva. Todas as outras músicas fizeram a minha cabeça, e depois de uma semana, já gostava de todas as músicas. Impossível ouvir A Place for my Head sem agitar sozinho no quarto.

Logo em seguida pedi de presente para os meus pais meu Hybrid Theory original. Meus amigos também já tinham o cd e ouvíamos Linkin Park feito loucos todos os dias. Foi nessa época que comecei a usar minhas primeiras camisetas de banda, claro que eu tinha que ter uma do Linkin Park. Eu parecia um desenho animado de tanto que usava aquela camiseta. Comecei a comprar pôsteres na banca, revistas com traduções de músicas do Linkin Park (hoje em dia o vagalume acabou com essa magia). Também gravava os clipes em fitas VHS para assistir infinitas vezes.

Fiquei nessa febre com o Linkin Park durante uns anos, depois comecei a conhecer muitas bandas e ficou difícil dedicar tanta atenção a apenas uma. Mesmo assim, nunca parei de ouvir e sempre fiquei animado quando a banda lançava material novo. 

Em 2017, na segunda edição do Maximus Festival, realizei o sonho do Luis de 13 anos e finalmente vi o Linkin Park ao vivo. É complicado colocar em palavras a emoção de ver aquele show. Tantas lembranças... aquela nostalgia, algo que um dia parecia impossível, acontecia naquele momento. Infelizmente foi a primeira e última vez que vi a banda ao vivo, pois o grande Chester Bennington cometeu suicídio meses depois. Essa foi a primeira morte de um famoso que realmente mexeu comigo, fiquei muito triste por perder meu ídolo. O Linkin Park continua sendo minha banda favorita até hoje, sem ela, talvez eu não seria esse Luis de hoje, ela me fez viver minha fase “roqueira”, onde eu usava roupa preta, camiseta de banda e cabelo comprido (espera... 16 anos depois e eu ainda estou nessa fase?).

Hybryd Theory é o cd da minha vida e Chester sempre será meu ídolo.

Obrigado por ser a voz de minha geração! 

terça-feira, 31 de julho de 2018

Parte do que não foi

"Meus olhos encontram os seus e um beijo se perdeu. Posso voar agora. Nascerá todo o fim da solidão. Sinto que não vai passar, nem o tempo apagará. Pois estou vivo e sigo com você nessa história sem fim." Thales Salgado, aos 16.
    Ela escrevera: "É coisa de pele, de carne, de osso, de pó." coisas de amores que matam, por assim dizer. Teria feito boa viagem? Talvez esperasse ouvir essa pergunta. Talvez alguém tivesse feito essa pergunta. Não eu. E digo isso mais por falta de tato para as convenções sociais que por qualquer outro motivo. 

       O que sei, é que ela abrindo as malas deixadas para trás a fez travar contato com insignificâncias cheias de significado. Eu -  inspiração e inveja - decidi fazer o mesmo tendo chegado apenas do próprio cotidiano. Os olhos arenosos. Uma sequência hollywoodiana repleta de ação, tão familiar, levou cada um dos moradores da casa à suas camas. Menos eu. "Estou acordado e todos dormem" diria Renato Russo. Por vezes me pergunto se me é possível terminar um período textual sem mencionar alguém. Quem sou eu? Eu sou a máquina de recordações, sonhando convulsões, esperando a vida chegar.

        Você leitor deste blog pode até ter visto a frase negritada no parágrafo anterior. Ela deveria ter sido uma composição e feneceu como uma vinheta. Se você me perguntar pessoalmente eu sei até cantar este trecho, ainda assim, nunca consegui desenvolver nada que conduzisse ou resultasse deste verso. E esta não foi a única vez. Tive ganas de copiar o capítulo CXXXVI das Memórias Póstumas, sabia? Tenho a impressão de que, por cada semana deste mês, poderia tê-lo feito...

       No tempo em que estive na universidade rabiscava moleskines sem pudor. Neles transbordei parte do que não foi. Suas páginas são malas mofando. Espere, vou abrir uma página qualquer e trazer algo à tona. A ideia era realizar uma narrativa progressiva usando encadeamentos harmônicos de meus primeiros dias como compositor (talvez algo na linha de Um Conto no Jardim) com uma letra mais soturna, abraçando as trevas como quem sabe que sem elas a luz perderia o que tem de aprazível. Esses foram os versos que consegui:

Numa era escondida pelo tempo
Em que a vida era o eterno deixe estar
Desfolhava-se um embate já sereno
Entre a Solidão e os filhos do Amar
Ambos simbiontes do que era divino
Em busca de dominar a criação
Um astuto e, do outro lado, um ferino
E tão hábeis no disfarce e na ilusão.

Eis que o sol então é eclipsado
Pela lua ao meio-dia
Fazendo todos se perguntarem
Se era feitiçaria
Tanto os combatentes
Quanto aqueles que apenas assistiam
Vêem que é a Morte à sorrir

Deixa ecoar seu riso tão profundo
Como ri-se Satanás
A morte não percebeu que em seu manto
Esconderam-se os amores e a solidão
Acabaram todos atrelados
À toda faísca humana
Sendo partes do viver

        Ali, aos vinte e dois, quem escreveu o mal traçados versos sabia bem mais do que eu sei hoje. Mas, ou muito me engano, ou são páginas de feitos inúteis.

Cordelizando

"Quero perder o medo da poesia, encontrar a métrica e a lágrima" Atronauta Lírico, Vitor Ramil
Foto do original, ilustrado em maio.

"Há alguns dias atrás minha mãe surgiu com a necessidade de um cordel que falasse da educação na cidade de Itaquaquecetuba. Debrucei por várias horas na questão e o resultado foi esse. Li uma série de notícias da cidade e me pautei na educação libertadora de Paulo Freire.
Ainda que, em canções, eu não faça questão com métrica. A literatura de cordel a tem como tradição. Busquei respeitar a isso, tentando usar os oito pés a quadrão. A ilustração também foi minha primeira tentativa nesse estilo"

Em Itaquaquecetuba
O povo não se derruba
Faz como o “balança juba”
Se o assunto é educação
Mesmo sem o uniforme
O povo daqui não dorme
Se há algo que transforme
Esse algo é educação

Até quando existe greve
Se espera que seja breve
A criança não escreve
Sem professor pra lição
Mudam hora de concurso
Tentam alterar o curso
Sempre o mesmo discurso
Bate uma decepção

Se alguém rouba fio de cobre
Atitude nada nobre
Não há quem não se desdobre
Numa interrogação
Teve máfia da merenda
Até desvio de renda
E quem é que encomenda
Toda essa judiação?

Quem souber, me grita ou posta
Mas acho que a resposta
Sem fazer nenhuma aposta
Já sabe, a população
Mesmo com toda a mazela
Uma cidade tão bela
Sabe que o melhor pra ela
É focar em educação.

*Originalmente publicado no instagram em maio de 2018

domingo, 29 de julho de 2018

C.P.T.M., da letra

"O mundo não quer saber do espírito. Ao egoísmo do homem é odiento todo ideal que dele exija mias do que uma máscara hipócrita." Para ler e guardar, Hermann Hesse
A estação deserta após noite de festa.

C.P.T.M - 2018
(Caminham Pelos Trilhos do Mundo) 
Letra e música: Thales Salgado

Mesmo após sair dos sonhos
Ela embarca em outro dia
Tem nos olhos o verão
Refletindo o lado avesso
O oposto a gravidade

Transitada em suas mãos 
Resoluta ela parte
narcisos imprecisos
Mal a vêem sair do chão

Os operários de Tarsila na estação da Luz
Caminham pelos trilhos do mundo
Buscando a quem conduz
E que nunca vem
Não vem!

Quanto se deixa em estações?
Nenhuma esfinge saberá 
Os sentimentos em nudez
Contrários a qualquer talvez 

Não salte! De branco.
Não salte! Só olha.
Vejo as mãos, ao vento
Só a trajetória

Tanta emergência nos desvãos
Os emergentes, sem ação
Rompa o silêncio em avidez
Tudo só acaba uma vez

         Das composições que fiz desde 2007 C.P.T.M, é, até o momento, a que mais levou tempo para ser desenvolvida. Ainda que tenha sido finalizada em 25/05/2018, seu embrião surgiu em 2011. Após assistir o coletivo Bootworks Theatre falando de seu espetáculo Black Box no teatro do Sesi, fui abordado na linha verdade do metrô se "ver todas aquelas pessoas na estação" não me inspiravam a escrever e, até então, a verdade era que não. Ali, aos 21, o máximo de exposição que tinha ao metrô eram passagens pontuais enquanto alcançava a UniSant'Anna ou algum evento no Sesc.
         N'algum ponto entre 2014 e 2015 conheci o trabalho da dupla Onagra Claudique; por meio de seu álbum Lira Auviverde. Entre as narrativas presentes em sua lírica, há a letra de Arrebol. Nela há versos como "Na catraca do metrô querem passar três/É tão desolador o anhangabaú/Depois das seis" e "Na parcela do imposto não contém/O desgosto de encarar duas conduções, um trem?". Era possível, então, inserir elementos do cotidiano de forma elegante numa letra de música. Mas, o que eu poderia dizer acerca do tema?
         Foi apenas em 2016, na primeira aula que tive com o escritor Fabrício Carpinejar, que algo passou a realmente tomar forma. Enquanto passava pela estação da Luz, tive a impressão de enxergar o quadro de Tarsila do Amaral, a tela Operários:
      Na pintura de 1933 podemos enxergar uma pirâmide de trabalhadores exibindo feições que são variações de cansaço (uma pequena parcela do que, no futuro, Byung-Chul Han definiria como a Sociedade do Cansaço). A intersecção nesta estação me trouxe alguns dos versos:

Os operários de Tarsila
Na estação da Luz
(...) algo que os conduz

        Conduz surgiu para rimar com luz, e, não havia nada além disso. Uma brincadeira com o maquinista/condutor estava implícita, mas, o que mais? Tudo o que foi escrito no texto conduziria a este ponto. Foi apenas em 2018 que me veio a mente uma história que ouvi quando criança. Uma moça com vestes brancas olha fixamente aos olhos de uma testemunha antes de saltar rumo aos trilhos. Algo chocante, sem dúvidas. Uni uma possível narrativa do que seria este momento com a ideia de "narcisos imprecisos" que já estava num dos textos do blog deste novembro de 2016 "Mesmo assim ainda pode causar estranheza ver as pessoas banhadas pela luz das telas. Narcisos imprecisos? Quando o display esmaece, sobra o reflexo." Era uma brincadeira com Black Mirror, claro, mas, ainda assim, permitia mostrar algo que vemos todos os dias: a utilização indistinta de celulares enquanto estamos entre lugares. Não me excluo disso, obviamente.
     Tinha então quase todas as peças em lugar, uma possível suicida, operários caminhando na estação, pessoas com seu celulares dando atenção a seus universos digitais particulares... eis que, num dia de maio concluo que seria interessante ter um acrônimo para o título. Surge "Caminham Pelos Trilhos do Mundo" e, após isso, concluo que a melhor forma para começar a letra seria usar, como tantas outras vezes, um acróstico. Desta vez para Metrô e Trem. Objetos inanimados tomando parte de uma canção. Que, até o fim de julho, não foi gravada. Mas o será, em breve.

Canções-minuto

"Robert Walser sabia: escrever que não se pode escrever também é escrever." Enrique Vila Matas, Bartleby e companhia.
         Entre as ideias reincidentes nos textos que você pode encontrar nesta página, está o fato de que passei alguns anos - entre dezembro de 2013 e dezembro de 2016 - sem compor música alguma. Ainda esta afirmação seja verdadeira, há algumas histórias perdidas nesse ínterim. Houve pequenas canções destinadas a transmitir alguma mensagem para pessoas próximas. Suas letras variavam de acordo com o destinatário, poderia ser mais voltada ao dia a dia: boa noite meu amigo, como vão seus sonhos? Ou então imaginando parcerias que nunca ocorreriam: Oh Jess, won't you show me your songs? também houve, pasmem, canções de ninar para jovens adultas: Espero que você durma bem, pressinto mais baratas não há, já não precisa se preocupar... A questão é, nenhuma delas adentrou o que chamo de meu cancioneiro.
        Desde que comecei a compor houveram composições assim. "Esta não está a altura" ou então "ainda não sei o que vou fazer com a letra daquela". Entre elas e as que ilustram este post só há algo em comum: a duração. Eram canções curtas, "canções-minuto", para me apropriar do título da série de esculturas de Erwin Wurm. Nesse 2018, acabei por utilizar deste conceito por duas vezes. Partindo da duração dos vídeos no Instagram, pensei fazer composições musicais que utilizassem esse minuto para transmitir uma mensagem. Qual seria ela? Talvez elas não pudessem partir de mim.
       Passeando entre as indicações poéticas da rede social, me deparei com as palavras de Véronica (@poetry_131) e, posteriormente, de Joana Ferraz (@trazumverso). Cada uma delas tece e destila poesia de uma maneira distinta. Tomei a liberdade de escolher versos de posts distintos que, a meu ver, fizessem sentido reunidos e tratei de compor dentro do referido minuto. O resultado você pode conferir abaixo:

Comeback anytime 
You said 
When I was leaving 

Now, I am here; 
Knocking at your door 
And no one seems home

I have to let you go
To find myself again





29/03/2018 
Escuta essa carta que fala
Com o corpo todo do amor

11/01/2018 
Quero cantar teu nome
Como quando cantam
Vento e água doce 
O som na areia

24/12/2017
Renda de nuvens no mar aberto 
Céu

domingo, 24 de junho de 2018

Dom Casmurro!

"Estilo, meus senhores, deitem estilo nas descrições e comentários; os jornalistas de 1944 poderão muito bem transcrevê-los, e não é bonito aparecer despenteado aos olhos do futuro." - Machado de Assis. "A semana". Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 1895.
 


         A gravação que acompanha este texto é a feita em 2009, com os erros e acertos no limite do que eu no alto de meus dezenove anos era capaz de fazer. Gravei primeiro o violão e tentei cantar de fôlego com alguma dificuldade. O "Ah Capitu" soa antinatural por ter sido inserido depois. Á época me era difícil cantar tocando a letra inteira. Letra essa que surgiu em meio à rota das cobranças como office-boy. Num dia inespecífico comecei a cantar "De minha infância lembro muito meu tio, minha mãe, o quanto isso hoje me diz é pouco" depois os jogos de palavras "quem captava a linha direta de minha rotina, por quem meu corpo perto optava por parar, tu captas que diziam: ela é coisa do capeta. Teus olhos de ressaca: Capitu". Algumas brincadeiras como o "europou" eram influência dos neologismos de Guimarães Rosa. Autor que só me lembro de ter prestado atenção à existência por influência dos professores na universidade. Mas pensemos na música.
       Dom Casmurro! surgiu no mesmo ano em que compus A Hora da Estrela. Não é coincidência. 2009, para efeitos deste texto, ficou marcado por dois eventos: minha incursão na faculdade de Letras e o fim da banda Falsa Modéstia.    
        Ambos eventos parecem carregados de coincidências. Desenho, então poderia ter feito Artes Plásticas. Navegando o sonho de perder a timidez e me libertar no palco poderia fazer Artes Cênicas. Compondo há alguns anos e já tendo a indicação de um técnico em estúdio para aprender a tocar com metrônomo, Música era a escolha certa. O gosto pela análise interpessoal parecia sugerir trilhar o caminho da Psicologia. Apreciando escrever, Jornalismo era para mim. Por menos opinativos fossem os textos naquele período - ou em qualquer um posterior. Memorialista que sou, poderia ser me desse bem estudando História. Por crer a Língua Portuguesa base para quaisquer estudos que fizesse acabei optando por Letras. 
           A banda também poderia ter seguido? Sim, de certo modo, ela o fez. Se durante um período a troca de um integrante era capaz de gerar uma banda com conceito completamente distinto (Falsa Modéstia/Cangaço) a banda Vacina seguiu com os integrantes levando a música, energia e vibração para todos os lugares e segui com as composições de dentro de meu quarto. Diria Anitelli: as claves na gaveta. Algumas como Para o Adeus (tributo a Michael Jackson) já tinham parte desenvolvida. Outras como Dom Casmurro! já estavam prontas e eram ensaiadas buscando um arranjo que as vestisse bem. Seguindo o exemplo d'O Teatro Mágico em Cidadão de Papelão comprei uma escaleta num passeio com Fabio pela Rua do Seminário enquanto levávamos os instrumentos para uma revisão com o luthier Erlon Alves.
        O caráter memorialista teria sido herdado de Machado? Os textos de 2007 ficaram conhecidos pelos poucos que os viram como "Memórias de um doceiro". Seguindo o exemplo das Póstumas de Brás Cubas, do Memorial de Aires, do próprio Dom Casmurro. Notei no último sábado, enquanto lia sobre a narrativa de Bento Santiago como há relação entre o momento em que ele vê os olhos de Capitu pela primeira vez com a forma descrita na narrativa de Sobre um dia de junho. Este blog, em si, são memórias. Mal se fala do futuro, senão, aquele vivido enquanto presente. A banda Falsa Modéstia flutua de memória em memória.

Dom Casmurro (2009)
Letra e Música: Thales Salgado

De minha infância lembro muito
Meu tio minha mãe
O quanto isso hoje me diz é pouco
Quem captava a linha direta de minha retina
Por quem meu corpo perto optava por travar
Tu captas que diziam:
Ela é coisa do capeta
Teus olhos de ressaca Capitu

O Pádua ficou louco
José Dias não europou
Mesmo com todos os superlativos
Escobar meu amado amigo
Em nado naufragou
Fui traído pela cigana obliqua Capitu

Cigana obliqua e dissimulada Capitu

Fui para o seminário
Pra São Paulo me mudei
Voltei formado como advogado
Escobar meu amado amigo
Em nado naufragou
Fui traído pela cigana obliqua Capitu

Cigana obliqua e dissimulada Capitu

Ah Capitu...

Ezequiel meu filho
Era a cara de Escobar
Os movimentos, o furor o brilho
No funeral Capitu
Dama negra desaguou
Chorava mais que a perda de um amigo

Ah Capitu...

Viajou para a Europa
Tão mais logo não a vi
Guardei em mente só uma certeza
Escobar meu amado amigo
Em nado naufragou
Fui traído pela cigana obliqua Capitu

Cigana Obliqua e Dissimulada Capitu

Ah Capitu...


          

sábado, 16 de junho de 2018

Sobre um Dia de Junho

"Recordemos, ao menos por um instante, o que merece ser lembrado, ficamos esperando que cada um dos lembradores não realize o projeto de buscar uma rua, uma casa, uma árvore guardada na memória, pois sabemos que não irão encontrá-las nessa cidade onde os preconceitos da funcionalidade demoliram paisagens de uma vida inteira. Ao darmos palavras as vozes que foram silenciadas, uma voz fica no espaço, gritando, aqui nada podem tocar e nada podem destruir porque só restam memórias, lembranças dos últimos dias e o último dia é hoje." - Umbelina Ferreira Barbosa, Arujá: cidade natureza, 2004 João G. Machado
Página de caderno de 2008


         A frase que abre este texto fora pensada para abrir Milonga de Partida e, por descuido, acabou de fora. Sobre um dia de junho era uma das poucas composições que só entraria no blog dentro deste específico mês. Mais por uma questão de princípio que por outra coisa. Quando a escrevi, a intenção era a de tentar trabalhar um lado narrativo para as composições da banda Falsa Modéstia. Você cresce ouvindo narrativas e se pega pensando quais as possibilidades de fazê-lo. Para este caso não foi tão simples quanto imaginado, por mais que a cena em questão seja banal. Imagine a cena: duas pessoas numa praça, acima delas as arvores, acima dela, a lua. O junho no título vinha apenas para trabalhar a atmosfera entre algum ponto entre o outono e o inverno. 

         Sua melodia tem como ponto de partida a canção João e Maria de Chico Buarque, canção que eu ouvia muito tanto pelo álbum Seu Francisco de Oswaldo Montenegro quanto por influência dos devedês do mestre Robson Miguel. Suas outras duas partes não tem uma origem tão clara, eram, sim, parte da intenção de criar uma dinâmica diferente para a música, quebrando a expectativa de um possível ouvinte. Aconteceu que, enquanto gravava, o celular tocou e, por descuido, não estava no silencioso. Decidi usar a gravação antiga, pois, esse toque de meu antigo Nokia 5200 era o som do monstro de fumaça de Lost, diretamente do trigésimo quinto episódio da série O Salmo 23. Ainda que sem saber realizar harmonias vocais havia sempre uma vontade de ter outras vozes a cantar junto e assim dobrava minha própria voz na terceira parte da canção. Após o final, um interlúdio instrumental. Estava aí, Sobre um dia de junho.

Sobre um dia de junho (2008)
Letra e música: Thales Salgado

A luz da lua passando entre as arvores
Deixava mais inconfundível
O brilho de teu olhar,
Que havia sido até então
Observado de longe
O frio estava com medo de se aproximar
Dançava como uma brisa leve
Que fazia espalhar
Ainda mais o teu perfume

Pela noite que era bem-vinda
Tanto quanto teus cabelos
Escorrendo como água em minhas mãos
Fica a lembrança que me paralisa
Do momento em que a certeza
Foi criada em um mar de palavras

E em meio a nossas conversas
Nos calamos juntos
Fazendo daquele silêncio
O mais bonito que tivemos
Com as dúvidas sanadas
E o desejo saciado
Sem arrependimento
Sem vontade de partir

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Milonga de Partida

"Conheci um paulista que disse que depois que leu “A Estética do Frio” ele se deu conta de pensar nas coisas dele, de São Paulo, de como ele se via dentro do Brasil, dos preconceitos que ele tinha em relação a isso ou aquilo. Essa coisa de tu tirar o centro do lugar é muito legal, essa coisa do “não, não estou à margem do centro, isso aqui é um centro”. Tu pode determinar o teu centro em qualquer lugar: se tu é do Piauí, tu pode enxergar esse centro. Eu acho que todo mundo que cria, por mais que tu esteja ligado com o mundo — e eu acho que tu tem que estar ligado com o mundo, sabendo tudo — tu tem também que saber o que está acontecendo na tua rua; o universo passa na tua rua. Tu tem que estar ligado plenamente nas coisas." - Vitor Ramil em entrevista para o site Screamyell em maio de 2017

Gravação feita em 2013:

Milonga de Partida (2013)
Letra e música: Thales Salgado 


O rio que nunca cruzei 
Caudaloso vi findar 
Um fantasma do que sou 
A noite vem me lembrar 
Quando criança fui
O hino me fez jurar 
Que eu ficaria ali 
Por tanto amar o lugar
E agora que cresci 
Acabei por me mudar
Quanto de mim ficou 
Nas terras de Arujá? 

Estrelas, girassóis
E tulipas nos jardins 
A primeira canção 
Já é mais de uma em mim
Sem falsa modéstia
Eu penso em visitar
Numa memória distante
Me transportei para lá 
E hoje quem ficou 
E não mais me vê passar 
Apaga tudo o que fiz 
Das terras de Arujá


        Quando olho para as composições feitas entre 2007 e 2013 percebo não haver marcas geográficas aparentes. Ainda que, no início, o transporte das canções entre as cidades de Arujá e Itaquaquecetuba tenha sido representativo para o que viria depois, não houve necessidade para refletir sobre isso. Em 2007 Memórias Distantes menciona emprestar palavras “de algum lugar” mas não esclarece. Em 2008, Canção para ti versa “as asas multicoloridas da joaninha refletem pela mata o brilho dos vagalumes” ainda assim é mais um reflexo do deslumbramento com a faixa de abertura do álbum Matizes de Djavan.
Arujá é a cidade natureza mas, a mata na canção seria a mata arujaense? Teria o inseto sido avistado na estrada da P.L., nos arredores do ginásio no Jardim Rincão ou até mesmo nas proximidades do Macaxeira antes de erguidas suas grades? Apacresce, de 2009, inicia com “Eu a vejo passear graciosa, pela estrada vai sozinha” e, embora esse avistar tenha se dado em algum lugar entre a Santa Catarina, a Amapá e a Piauí o fato não influencia a letra.
         A letra de Meio-dia (2010) menciona um velho deitado no banco próximo à fonte na praça do coreto, alguém realmente avistado mas num espaço em comum com uma série de outras memórias. A questão de endereços foi parte do que constitui a letra de Pode Ser em que um eu-lírico declara “a cidade é nossa, nada se perdeu”. Morando numa cidade pequena, coincidências são lugar comum. Certamente alguém se esbarrará no centro.



       A mudança de cidade criou a necessidade de pontuar uma canção com algo mais concreto: quanto de mim ficou nas terras de Arujá? Assim, sem me valer de acrósticos era premente mencionar o rio Baquirivu, e o hino da cidade, composto por Toninho da Pamonha e oficializado em 1985. Em agosto de 2017 enquanto lia o livro Arujá: Cidade Natureza de João G. Machado talvez me tenha passado pela cabeça o Encontro das Nações e minhas interações com a festa. Primeiro a criança tomando noção da existência de outras culturas, passando pelo adolescente buscando estar “onde todos da cidade estavam”, mais tarde como músico se apresentando junto a meus amigos por dois anos seguidos e, hoje em dia, como o visitante da cidade vizinha. Assim, foi um alento saber no início da semana que a festa, como patrimônio municipal, não deixaria de ocorrer em eco resultante da greve dos caminhoneiros que a postergou.
         É provável que o espaço e o lugar influenciem o desenvolver da arte individual. Em 2013 ouvindo e lendo sobre a Satolep de Vitor Ramil fui tomado da vontade de escrever sobre onde era a casa, é por esta influência sulista que me veio a ideia de nomeá-la "milonga". A cada visita encontro algo novo por lá. Arujá é cidade mutante, mutável e até o que nasceu memória tem fim. Mas ela também vive em quem, por lá, passou.

domingo, 27 de maio de 2018

Referência

"Eu sou a soma de tudo o que vejo" - Meu Reino, Biquíni Cavadão




Referência (2011)
Letra: Kariny Cristina de Camargo
Música: Thales Salgado

De amores fui atenta
E por viver essa tormenta
É que sofri meus ais
Para trás na poesia
Augusta fui um dia
Flor bela, nunca mais!
Se mau agouro tive em vida
Hoje morro renascida 
Sem barcos no meus cais



         "Poderia ler esta insignificância que segue e me dizer que relações, intertextualidades, figuras de linguagem e poetas você encontra ao ler?" Com estas palavras Kariny iniciou uma conversa ao final de junho de 2011. A faculdade chegava em sua reta final e com ela o primeiro vislumbre do que viriam a ser as composições de 2013. Aquela altura poderia tomar como minhas as palavras de Lenine em Castanho: o que eu sou eu sou em par. Tirando o fato da composição ter saído em seu álbum de 2015. Ainda assim, uma consciência também já vista na convivência com a banda. A interação permite alcançar patamares não visíveis sozinho. Enquanto respondia, muitas das referências que encontrei em nada correspondiam às que ela tinha em mente ao escrever o poema. Quando o musiquei tinha em mente Shine on You Crazy Diamond. Embora, despida de solos a minha é uma canção curta. Algo que também seria explorado em De Amor Pequeno.

domingo, 20 de maio de 2018

Nos Olhos do Tempo

A MIRAGEM NO CAMINHO
Perdeu-se em nada,
caminhou sozinho,
a perseguir um grande sonho louco,
(E a felicidade
era aquele pouco
que desprezou ao longo do caminho).
Helena Kolody

Foto cedida do acervo de Kariny Camargo


Nos olhos do tempo (2011)
Letra e música: Thales Salgado

Olhou para trás e não se tornou
A estátua de sal que desejou
E ao deitar o que sonhou
O fez raiar, o exasperou

Viu um jardim de nuvens
E cisnes de papel
Esculpida em lava
Uma alada cascavel
Fênix de neblina
O caos da criação
Deparou-se com o tempo
Vindo em sua direção

Viu sua vida nos olhos do tempo
Num arrebol com poeira de estrelas
Viu tantos astros, tantos elementos
Unindo-se a seiva de luzes e trevas
Não se lembrava de nada quando acordou

         "De todos os mistérios da noite, os que mais me espantam são os vaga-lumes e os sonhos" essa frase do filme Fica comigo esta noite permanece desde a primeira vez em que assisti ao filme num longínquo 2006. As frases de posts anteriores tendo sido d'A Sociedade dos Sonhadores Involuntários de José Eduardo Agualusa me deram a impressão de que voltaria a trazê-lo aqui. Os sonhos sempre foram um tema de interesse. Dias atras, mesmo, sonhei em encontrar refúgio numa espécie de seminário ou mosteiro. Pouco recordo dos pormenores mas, enquanto eu sonhava, parecia tudo palpável e concreto. Como se o mero fato de despertar fosse uma afronta ao encontro propiciado pelo idílico. Melhor seria esquecer?
          As canções de Nada Há de Novo Sob o Sol traziam menções ao Eclesiastes. Nos Olhos do Tempo traz menção óbvia à esposa de Ló, numa das passagens que mais me assustavam na infância. Lembro de 2011 ser o ano do lançamento do álbum Chão de Lenine com sua circularidade concreta inconvencional, no entanto, não consigo me atinar a que me levou a escrever essa letra numa tentativa simbolista. "arrebol" é uma palavra que retirei do cancioneiro de Djavan, assim como a Fênix é uma forma delicada de inserir Ikki, uma de meus cavaleiros de bronze favoritos em canção. A alada cascavel é o Quetzalcóatl da cultura mesoamericana... Há uma série de alusões, e a espinha dorsal são os sonhos. Aqueles dos quais se acorda sem saber de nada.