quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Baseado em Fatos

"Nós que ouvimos vozes e seguimos visões temos que negociar o dia a dia com pessoas que vivem sem intensidade uma felicidade burocrática (ou um ranço automático) e repetem com boca frouxa: pega leve, nada é tão sério, relax... Como se fosse uma opção ter as mãos cheias de calos ou tê-las de alface, de manteiga." Humberto Gessinger, DISC(*) C(*)M N(*)TA DE R(*)DAPÉ - 47 (01 de maio de 2012)
  

Baseado em Fatos (2009)

E falarei sobre verdades
Eu fugirei da ficção
De quase todas as teorias
Esperando não ser vão

E falarei sobre verdades
Esperando não ser vão
De quase todas as teorias
Eu fugirei da ficção

Complico tudo sem querer
Com as pontas soltas faço nós
Você tão solta em seu jeito de ser
Está tão tranquila a sua voz

Complico tudo sem querer
Está tão tranquila a sua voz
Você tão solta em seu jeito de ser
Com as pontas soltas faço nós

E as diferentes formas de sermos iguais
São iguais maneiras de termos diferenciais

Onde estão as provas? Onde estão os fatos?

          Ter as palavras de Humberto Gessinger iniciando esse post tem um objetivo simples: a garantia de haver algum conteúdo concreto neste post. Pensando bem, há mais dois motivos. O primeiro é que os acordes do refrão G A Bm são os mesmos usados em Refrão de Bolero, da mesma forma que se encontram no Acústico MTV da Engenheiros do Hawaii, lançado em 2004. Essa versão fez parte do repertório de coveres da Falsa Modéstia e esteve em, quase, todas as suas apresentações. De tanto usar a progressão em ensaios me senti compelido a emulá-la. O que eu de dezenove anos fui incapaz de perceber era a necessidade de uma letra forte e que fizesse jus à homenagem. O ingresso à faculdade de Letras tinha a intenção de ajudar a expandir os horizontes literários, ali, no primeiro semestre, a percepção era a de que a criatividade e os pensamentos escasseavam. A letra traduz bem esse estado de falta de conteúdo. Tanto a estrofe quanto o pré-refrão são repetidas tendo apenas a ordem dos versos alterada. Não era intenção estilística e sim vontade de preencher espaço para que a canção alcançasse os três minutos.
       Alguém disse que o bloqueio criativo nada mais é que palavras e intenções represadas: o escritor sabe quais seus temas, provavelmente, tem um esqueleto delineado para novas composições e histórias e reluta em trazê-las à tona. Essa sobrecarga impede qualquer criação posterior por tempo indeterminado. Queria dizer que quem me disse foi Fabrício Carpinejar - Aprendi o mínimo com Enrique Vila-Matas acerca de citações apócrifas e fantasias do cotidiano, porém, não me sinto apto a trazê-lo ao texto - mas, a verdade é que esse ensinamento fica me acenando de algum lugar sem apresentar a autoria. Só. 
          Então, esse era mais um período de bloqueio. Seria o primeiro? Talvez eu já tenha mencionado algum nesse pouco mais de um ano de postagens. A ideia da letra era ser direto, deixar de firulas, de confusões narrativas. Coisa que nunca consegui deixar de lado. Há uma busca constante por um verniz poético, pelo medo de tudo o que é simples seja insuficiente ou não denote erudição. Acho belo quando as pessoas fazem citações precisas acerca disso ou daquilo, como comentaristas que recordam com precisão aquele passe feito pelo zagueiro reserva num campeonato de várzea, num universo de três passes bem concretizados naquele ano, há pelo menos quatro décadas atrás. Ou os professores e doutores que sabem em que página autor X usou frase Y com a intenção de obter efeito Z. Não sou um desses, todavia, mas farei minha parte: a terceira razão para ser útil ter Gessinger ancorado nessa postagem é que o verso "As diferentes formas de sermos iguais são iguais maneiras de termos diferenciais" foi inspirado no refrão de Ninguém = Ninguém.
           Sim, qualquer pesquisa leva ao óbvio; Gessinger tomou os versos do sétimo mandamento da Revolução dos Bichos de Orwell: Todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais que os outros. Diferenças, similaridades. Um tema que abre muitas portas nas letras de outrem acaba por ser tratado de maneira superficial nessa breve letra paradoxal, em que se cria a ficção que negada logo no início.

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