quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Aumenta o Sonho

"Para mim essa coisa de conceituar as coisas e de levar isso muito a sério de ficar, não é preso, mas é, a partir da plataforma, daquele conceito eu conseguir chegar em pontos até que nem citam nada daquilo. Mas o nome do disco ia ser Aumenta o Sonho. E Aumenta o Sonho, para mim, queria dizer aquilo: não tinha vindo a Copa do Mundo ainda, não tinha vindo ainda 2013, que foi marcante, era assim: 'Aumenta! dobra o seu cacife! Você acredita numa coisa então acredita duas vezes, porque, já que você está acreditando aproveita tua fé e joga ela mais forte para que você chegue mais longe.' Aí de repente veio um Brasil que vai ficando diferente, vai ficando confuso eu mesmo não sei muito bem como me posicionar, vou ficando refém dos acontecimentos e, de repente, eu começo a pensar que Aumenta o Sonho quer dizer você estar lá em baixo, estar num buraco e você pode subir ao menos um degrau que você está aumentando seu sonho. Aí mudou tudo! Aí vou olhar para as canções que fiz juntei inspirado nisso gravei, está gravado. Então digo 'Não! não é por aí, acho que vou mudar esse nome, estou pensando em mudar o nome da coisa, então resolvi não fazer nada, não lançar nada." Lula Queiroga em entrevista à Radio Câmara em 25/06/2016


PRÓLOGO
         Mudando de cidade em 2013 concluí que a melhor forma para viver a transição seria ouvir músicas que eu não conhecesse, criando assim, memórias afetivas específicas com o espaço que seria meu lar. Sem acesso constante à internet era preciso escolher de maneira cautelosa quem me acompanharia na empreitada. Voltei-me a um artista conhecido, por mim, indiretamente e dono de um som inclassificável: Lula Queiroga. Ao acompanhar a carreira de Lenine há alguns anos seu nome era recorrente: A Rede, O Último pôr-do-sol, Chão, Alzira e a torre... Fossem letras ou parcerias. Até mesmo um álbum conjunto os dois possuem no catálogo.  Essa ligação foi fundamental para que eu imergisse em sua discografia. Lembro de lançar aos quatro ventos o espanto com a diferença do arranjo de Lula para a canção Se não for amor eu cegue (Love), ambas lançadas em 2011, Enquanto a de Lenine chama atenção pela urgência, a versão de Lula é longa e expansiva, deliciosamente pop. O compositor fala acerca disso em entrevista veiculada na 3ª edição da revista Cultura e Pensamento em dezembro de 2007:
“Ele (Lenine) canta mais sério, eu canto mais na brincadeira. As minhas músicas são poéticas, meio chapadas, as letras têm um entorpecimento que é meio chapado, parece criança pensando. Eu estou melhor quando eu consigo chegar neste estado, quando não é descritiva, mas não deixa de ser e ao mesmo tempo é meio… não se entende, é para sentir, mas não precisa entender. As músicas quase que caminham sozinhas.”
DO ÁLBUM: 
         Olhando para o presente. Lula possui uma obra multifacetada. Compõe canções para, e com, diversos artistas, poesias, canta. É letrista, cineasta, publicitário. E nesse mês de setembro lançou seu quinto álbum: Aumenta o Sonho. Agosto foi reservada para o lançamento dos dois primeiros singles. Dia 14 de agosto veio Tardinha parceria de Lula e Manuca Bandini. Chegamos no meio de um sonho dedilhado levíssimo. O eu-lírico conjectura os caminhos trilhados por seu amor. Há um verso particularmente espirituoso "Nesta hora estridente cheirando a fritura e dissabor". Duna veio no dia 31 de agosto e, de cara, tornou-se uma favorita da vida. A bateria tem aqueles ares daquele famoso sample de Amen, Brother em câmera lenta, como na Inception nolanesca. Areias envolvem reminiscências do dia, o último dia em que houve felicidade. Uma queda do paraíso para um mundo sem tentações. Ou seria apenas a sobra de um mundo para o personagem perdido? Os synths etéreos nos colocam na cena, nos colocamos no lugar de alguém que quer voltar a um lugar inexistente, a duna cobre até mesmo nossas pegadas...
         No 7 de setembro o álbum foi disponibilizado. Com quase quarenta e cinco minutos de duração é perfeito para nossos tempos de pressas indiferentes. Aumenta o Sonho é a faixa de abertura mais leve da discografia de Lula Queiroga algo condizente com o clima de sono e sonho empreendido. Até mesmo as intervenções eletrônicas tem o intuito de simular o clima de um processo orgânico. O piano, a voz, tudo leva o tempo preciso para que não nos assustemos. "De leve como um sopro no ouvido" a faixa parece remeter à sensação real em falta em nosso cotidiano. - não fosse assim, como explicar a multiplicação de ASMR artists pela internet, propagando arrepios para a multidão sem o calor do contato? - na canção, no entanto, temos uma declaração de amor: "Nasci pra te conhecer". Amor Roxo é uma bossa-trip-hop-atmosférica para os amantes dos graves do contrabaixo. É daquelas para ouvir de olhos fechados. É, uma das melhores faixas do álbum descrevendo um amor desvairado e insano. No livro de Joe H. Slate, Vampiros Psíquicos, o autor comenta que, no momento de nosso sono diminuem nossas defesas psíquicas e podemos ficar a mercê dos sugadores de energia. Não é místico nem sobrenatural, sabe aquele tipo de pessoa desagradável, gente ruim, a que estamos sujeitos a lidar no dia a dia? #XôPerrengue fala de gente assim que às vezes aparece em nossa mente sem nosso consentimento.
      O sonho segue assim: com Pedro Luís, Lula ergue a Casa Coletiva. Com a letra imagética e surrealista, ou abordando cisões do cotidiano? O instrumental desta quinta faixa é vigoroso, do pandeiro às guitarras. Convém salientar que funciona assim em todo o álbum, e, por conta disso, é uma pena que as plataformas digitais não permitam interação com as fichas técnicas. Nesse quesito o bandcamp se sai melhor por ter a letra das canções e os créditos da composição. Em nota publicada em sua página oficial no dia 11 de julho Lula afirmava "Mais que um punhado de canções e sons é o resultado de uma trajetória imersiva. É meu quinto disco solo. Solo é jeito de falar . Obrigado a quem esteve comigo nessa viagem." quem ouve também se interessa pelo fator humano envolvido. Será que o conceito de "hand album" apadrinhado pelos Tribalistas terá lugar no futuro? Uma interface com imagem e conteúdo pode trazer parte da sensação tátil - skeumorfismo a serviço dos amantes de encartes.
       Voltando ao álbum. Na onírica Não há nada lá fora, há um conceito a que eu não me recordo de ter encontrado antes: a saudade como algo passível de acumulação. "Tenho que gastar saudade". Depois, Lula apresenta sua versão para a Balada do Cachorro Louco (Fere Rente) é o movimento rápido dos olhos, no meio da faixa o funkeado cria a cama para os versos de Torcida Inglesa - Guerra no pacífico! - , presente em seu primeiro álbum  solo, de 2001. Curiosamente, naquele álbum há uma canção chamada Rio-que-vem que falava de tentar viver e seguir junto e a nona música se chama Rio-que-vai-e-volta e fala de deixar ir, deixar estar e aguardar o amanhã. Se Amor Roxo falava de um amor que confunde e consome. O eu-lírico de Rio-que-vai-e-volta conclui que "o amor só funciona livre". Futilosofia, é um manifesto poético do pré-despertar. O sonho vai se despedindo sem que sintamos o peso de qualquer realidade se aproximando: "A rua rastreada pelo Google a terra girando na holografia/Pra quê velocidade se não sai do lugar?/quem descobriu o Brasil foi a calmaria/Caiam daí todos os drones/É o grande apagão wifi da humanidade". Minha cabeça é o fim, é o despertar onde nossos sonhos acontecem: nossa própria mente. No meio do arranjo de cordas podemos até ouvir a dança dos dedos a deslizar nas cordas. E é o fim, até o próximo adormecer.




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