segunda-feira, 12 de março de 2018

Síntese - 5 a Seco

"Sou muito fã não só de 5 a Seco, mas de uma geração de criadores que está espalhada. Em São Paulo está muito evidente, tem uns dez ou doze de uma mesma geração compondo lindamente, fazendo uma música bacanérrima e tal, e isso está espalhado pelo Brasil, em todos os cantos, por isso que eu não acredito quando alguém reclama da música brasileira - a música brasileira vai muito bem, minha gente, eu tenho ouvido tanta coisa bacana, cara. O danado é que, com essa coisa do digital, tudo foi pulverizado, então não existe mais essa coisa de poucos que falam pra milhões. Não, agora é milhares falando pra milhares, é assim. Então, você tem uma dificuldade maior de achar as coisas, mas a tecnologia foi acessível demais pra todo mundo fazer seus trabalhos. Tem muita gente ali fazendo, o negócio é saber procurar” Lenine, em entrevista à André Medeiros para o Monkeybuzz em 2015


         Quando conheci o trabalho do 5 a Seco, minha primeira lembrança foi o show "Os 5 no palco" de 1998. Em que Chico César, Lenine, Zeca Baleiro, Paulinho Moska e Marcos Suzano reuniram suas individualidades musicais em uma série de apresentações declarando a força de uma, então, nova MPB. Cerca de uma década depois, a música brasileira apresentava outra renovação, essa, consolidada com Leo Bianchini, Pedro Altério, Pedro Viáfora, Tó Brandileone e Vinicius Calderoni. Todos, cantores, compositores e instrumentistas. Cantautores na melhor definição, de modo que, não haja um centro, uma força que responda acima dos outros.
         Eles chegam em 2018 declarando a "Síntese" dos elementos que compuseram suas obras anteriores Ao Vivo no Ibirapuera (2012) e Policromo (2014). Se o primeiro trazia um repertório construído na estrada e calcado nos violões, instrumento de origem de cada um deles, o segundo, gravado em estúdio flertava mais com as possibilidades do estúdio, dos timbres, das guitarras. O que sobra ao terceiro? Extrapolar a construção dos arranjos de maneira minimalista, apostando teclados em teclados e sintetizadores inquietos nos quais os ouvintes (re) descobrem as líricas e o pensamento lógico nas letras dos cinco autores.
Várias das treze canções que compõe Síntese vinham sendo apresentadas pelo grupo, tanto nas apresentações, quanto em vídeos em que os protagonistas munidos de seus violões performavam as composições em seu mínimo múltiplo comum. Olhando a repercussão do álbum em comentários no YouTube, pode se notar, que isso causou um estranhamento para parcela dos ouvintes. Para aqueles que se deixaram surpreender com o lançamento pode haver reações mistas, ainda assim, o resultado é satisfatório.
         O álbum abre com a parceria de Leo Bianchini e Vinicius Calderoni: Na Onda. Com uma letra na qual a estrofe desabrocha como numa matroska triangular (Será/Será você/Será você a sucursal do céu) pode ser cantar o lado positivo de topar com alguém que te dá sorte na vida, e aí, você agarra e não larga. O preenchimento da bateria é um destaque aqui. Pelas tantas a palavra "pasmaceira" tem um quê de Não Tem Paz, do Policromo. Um dos grandes destaques vem em seguida: Ventos de Netuno (Pedro Altério e Pedro Viáfora). A primeira estrofe "Pra poder viver o amor/Tem primeiro que se amar/Se for de verdade/Há de prosperar" já carrega significados com múltiplos, partidas que não se desejam mas nos surpreendem na vida. A guitarra, as palmas e a programação transportam para o turbilhão dessa ventania. Há pesquisas científicas apontando que as rajadas de vento em Netuno podem alcançar velocidades mais de dez vezes mais fortes que as encontradas na Terra. Quantas vezes uma pessoa pode ter uma presença igual?
         Ela, Ele e Eu é uma balada de Ricardo Teté e Tó Brandileone aos moldes de Pra Você dar o Nome. Soa a hit. Brisa é Composição de Vinicius Calderoni que versa sensível sobre a "brisa" de uma companhia de tornar feliz sem motivo. A faixa solo de Pedro Viáfora, Lua Cheia, traz uma das letras mais atuais, sobre a importância de partilhar o bem em tempos que muros são levantados e há medo, falta de alegria e ódio. É um tema presente no cancioneiro brasileiro, talvez com proeminência no rock dos anos 80, a diferença é que a proposta feita ao final (Vem cá, a lua tá cheia, vamos contar histórias...) é carregada de uma boa intenção que pode soar inocente em tempos cínicos, mas é o contraposto preciso.
O Mar Dentro da Concha vem com Leo Bianchini à frente é um groove animado com uma letra com um eu-lírico que se atrasa ao olhar "coisas extraordinárias", tais, o ato de espirrar, o gelo derreter, um clips de papel. Como quem afirma que a tecnologia das presilhas para cabelo é tão impressionante quanto a física moderna ou o mito da caverna.
         De Pedro Altério e Tó Brandileone é a sétima canção: Pensando Bem. Canção discorrendo as faltas e os "se". (Me fez pensar em O Sonho, do Policromo, e é bom constatar que, as canções evocam composições do mesmo coletivo). Tempo de se Amar carrega o assobio da canção anterior e, conceitualmente, pode trazer uma elaboração de Lua Cheia quando o eu-lírico diz que quando enfim saltou no cais e ao invés de muros viu quintais vislumbrou a felicidade. Coisas Demais, de Leo Bianchini, Pedro Altério e Pedro Viáfora é outro ponto de alto do álbum, com uma letra concisa. Dá a impressão de ter sido criada como poema e músicada posteriormente. Discorre, sobre a solidão contemporânea de multidões e silêncios e a vida que nos escapa. Depois, canção de pai e filho, Celso e Pedro Viáfora vem O Dia de Encontrar Você. (Ou muito me engano ou há ecos de Épocas?) curiosamente tensa "Eu sei que era só chamar/Só que não sei seu nome/Tem vezes que ouço assim/Tão tim tim por tim tim/Seu passo atrás de mim/Mas quando eu me viro você some" a faixa tem o trabalho vocal característico e um instrumental que instiga. 
         A trinca final começa com Maneiras e Maneiras, uma canção que me lembrou a produção do álbum Despertador de Léo Cavalcanti, pela forma como trabalha com as intervenções eletrônicas. Tem um riff de guitarra com aquela cara de Ecos do Ão de Lenine. A bateria leva muito bem até o momento do pico com o falsete. Deve ser interessante de observar como é o andamento dela ao vivo. Outra faixa com às guitarras à frente: Antídoto é uma parceria de Pedro Altério e Vinicius Calderoni e também se coloca como Lua Cheia as malezas que nos cercam "Por onde começar, não sei/Simbora descobrir/Um antídoto pra dor feroz/Que quer nos consumir". A meu ver, essa canção é o verdadeiro final do álbum. Com o brado "onde o sonho estiver, estarei". Dessa forma, Canção de Lá, de Léo Bianchini e Vinicius Calderoni soa mais como um epílogo com seus versos construídos apenas com palavras soltas. Melodicamente, é claro, ela é capaz de acalmar os ânimos e concluir a Síntese.
         A soma final é positiva, embora, em primeiras audições, alguns elementos eletrônicos soem fora de lugar, a intenção dos integrantes era renovar um som que, não fosse a inquietude, poderia ficar apenas como uma reprise do primeiro trabalho em estúdio. Quando consideradas outras bandas com uma ou duas forças criativas, o 5 a Seco aparece praticamente como uma banda de "greatest hits". Cada um dos cantautores se potencializa no crescimento conjunto e permite que a identidade do som seja pautada pela mutação. Depois de tese, antítese e síntese, o que virá?

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