“Esse é precisamente o momento em que artistas devem trabalhar. Não há tempo para desespero, não há lugar para autopiedade, não há necessidade para silêncio, não há espaço para o medo. Nós falamos, nós escrevemos, nós criamos legenda. É assim que as civilizações se curam.Eu sei que o mundo está machucado e sangrando e, embora seja importante não ignorar essa dor, também é crucial se recusar a sucumbir à sua malevolência. Como o fracasso, o caos contém informações que podem levar ao conhecimento – até a sabedoria. Assim como a arte.”Toni Morrison, 23/05/2015. The Nation
Tudo Outro Agora (2020)
Letra: Anderson Bezerra
Música: Thales Salgado
E nesses dias de quarentena,
nem os dias passam, nem a vida
A lembrança daquilo que existiu
Há pouco tempo, parece muito e longe
Tínhamos tudo e todos,
hoje ainda temos
e não podemos.
Curioso esse sentimento
de que nada esta no lugar
Mas vai se encaixar.
Não sei onde, quando e como,
Mas o normal ainda virá,
E vida ainda viverá
De certa forma, ela começou no 32º dia da
quarentena.
Anderson e eu conversávamos sobre seus
desdobramentos do período em casa, o trabalho e os efeitos do distanciamento
social. Em março, o artigo de Gideon Lichfield para o MIT Technology Review já
dizia: nós não voltaremos ao normal. Aquela conversa terminou com ele perguntando se
as transformações haviam inspirado novas composições. Respondi que “talvez a
inspiração venha com o tempo, ou nem venha. Acho legal quem consegue escrever
músicas falando do que está acontecendo na mesma hora, mas, acho que nunca fui
assim”.
Embora uma madrugada insone tivesse inspirado
uma microcanção no 18º dia de quarentena ela era sobre a impossibilidade de aparecer
sem ser chamado. Tinha relação com o que “ouli” no 5º dia de
quarentena: “uma visita sua agora seria muito benéfica, se não fosse também
potencialmente trágica!”. Cinquenta e quatro dias após a frase, uma visita
ainda não era possível... Quando será?
Já no 48º dia da quarentena, Anderson apareceu com
alguns versos que lhe surgiram durante o expediente. Ele escreveu rápido, para
não perder a ideia e compartilhou comigo. Cinco dias depois, na madrugada de um
domingo, compus uma melodia tentando englobar aqueles pensamentos. A perda do
senso de normalidade atingiu cada ser humano de uma forma diferente: há quem esteja
se dedicando a si, quem esteja “descabeçado para ouvir música, quem esteja
trabalhando mais do que antes, quem não tenha mais trabalho quem “complete a frase”:.. Não existe um padrão.
Começamos então, algumas conversas sobre o
título. “Tínhamos tudo”, foi um dos que surgiu. Passei a pensar em ter alguma
coisa entre parênteses, como “a bolha”. Esse é um recurso de que gosto, e usei bem
pouco desde 2007 – Para Contato (Marte) e Tudo Depende de Conforme For (A balada
de Raul e Júlia) são as que me vem à mente agora – ainda assim, não importava o
acontecido, o título não soava “como deveria ser”.
Apenas no quinquagésimo
sexto dia de quarentena, fui inspirado pelo verso de Fernando Anitelli: “Aqui, por
enquanto, é tudo ainda”. O título poderia ser: “tudo outro agora”. A pesquisa no
Google não retomou nenhum resultado. Bom sinal. Ao indagar o autor da letra,
recebi uma réplica positiva: “Ótimo!!!!”.
De certa forma, ela
terminou no 56º dia da quarentena
Registro dos pensares originais |
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