domingo, 14 de agosto de 2016

Um Conto no Jardim

"É possível argumentar que, em alguns casos de trabalho que é produzido em muito pouco tempo, a ideia já estava incubando por um período muito mais longo. Algo que uma pessoa estava ruminando durante muitos anos pode surgir como um produto acabado em um breve intervalo de poucas semanas ou meses." - Anthony Storr, A dinâmica da criação.

       Aos dezessete anos, a expectativa ante uma apresentação pode ser um dos maiores motores a instigar a criatividade. "Bem, como precisamos ter o mínimo de repertório para escolher cuidarei de reunir todo o material desenvolvido por nós" as palavras foram proferidas assim? Tudo foi montado em um quase-segredo? Tantos detalhes perdidos no decorrer de nove anos. Canções são caixas de Pandora, podem nos fazer questionar as escolhas, as fugas, trazer o peso e o cheiro de centenas de cartas tornadas incenso, pode erguer as paredes da escola, ou nada disso, por vezes canções são apenas fruto da teimosia. Pode se querer a situação onírica de situações reais ou encará-las, como uma pintura de quem não mais se é. Se foi, todavia.
        Foi o domingo de aquisição do álbum Novos Horizontes da Engenheiros do Hawaii, o primeiro lançamento desde que eu começara a acompanhar os trabalhos da banda no fim de 2004. A união de Toda forma de poder (1986) com Chuva de conteiners (1992) é a primeira faixa e não me saía da cabeça. No trajeto da feira até minha casa surgiram os versos na primavera as flores não caíram e observo belos girassóis sem dispositivo que permitisse o registro em áudio no trajeto me coloquei a repetir incontáveis vezes até estar em minha cama e recorrer à segurança da memória vegetal. Numa folha qualquer rabisquei, de maneira despretensiosa, uma narrativa que culminasse no momento primeiro e decidi que o primeiro acorde seria Gm. O motivo? A primeira melodia que compus continha esse acorde, uma letra de Bruno Oliveira com o som das motosserras
        Tempos depois num ensaio ouvi dos rapazes algo como: 
      - desculpe estarmos pulando animados com uma música que surgiu de sua tristeza...
Mais de duas dores foram sentidas, nenhuma delas estava ali. 


Um conto no jardim (2007)

Quase um ano se passou
Vai passar mais uma vez
Que palavras vão trazer
A paz que levou você
Num dia claro
Como o que estou
Faltam motivos pra caminhar
A lua chorava triste

Quantos passos vão levar
Ao lugar que começou?
Eu penso voltar lá
Sei você não vai estar
Sem perceber
Chego a um jardim
Quero dizer o que eu vi

Na primavera as flores não caíram
E observo belos girassóis
Abandonados pares solitários
Eles solitários como nós

O tempo parou me deixou aqui
Será que esqueceu de mim?

Na primavera as flores não caíram
Na primavera as flores nunca cairão
Na primavera as flores não caíram
E observo belos girassóis
São seus olhos, os girassóis
São seus olhos


Aqui na interpretação de Fabio Kulakauskas:

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