quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Da Infância

"Medo de sangue depois do pastor
Caixa-forte em formato de Buda
Lapís de pele sem minha cor
Dragão sem fogo na vidraça da chuva
Fora o que eu queria
Nada me faltava"








São Paulo, 12 de Outubro de 2037.

         As águas do Sapucaí, hoje, me escapam. Enquanto via os caçadores de tabaranas em seus barcos ao redor só me importava refrescar o verão. O que os impedia de simplesmente encher um saco de estopa com os peixes? Talvez eu ainda não saiba. Lembro de pegar a minha Caloi azulinha, cuidava dela como fosse o celular, não, até melhor, parando para pensar. Passei quase uma dezena e meia de anos com aquela bike!. Não conheço um celular que funcione por tanto!  Teve uma vez que até quebrei o retrovisor do carro do vizinho, a sorte foi que ele bebia tanto que pensou a obra de arte era dele mesmo. Eu já nem sentia os pedais apostando corridas imaginárias com as meninas em patins ou as que colecionavam pedras nos joelhos pelo rolimã. A turma toda era rueira demais.
         O que não queria dizer abrir mão da soldadesca verde fincando bandeiras por todo o território inimigo. Quando meus primos não estavam, o conjunto de dominó virava um porta-aviões. Acho que a coisa mais estranha para mim, era imaginar o que Nossa Senhora tinha com as crianças, quando era em Cosme e Damião que se ganhava doces. Cresci para não saber nada? Sabia que domingo quando meu pai acordasse colocaria para tocar um samba-rock, era um sinal para o dia ser bom! Mesmo que ele viesse com alguma ideia como "ler o jornal em voz alta" antes de sair para brincar. Num aniversário de nem sei quantos anos parecia que estava a rua toda no sítio da minha avó, nem mesmo cabiam na cabana de zinco. Lembro da minha mãe me dando um carro de fórmula um do Ayrton Senna, todos comemos rocambole de goiaba e foi provavelmente um dos primeiros dias em que pensei "essa tal de vida é realmente boa".

         

          A vizinha fazia gelinho com mangas coquinho que disputávamos com os passarinhos. Quando estava de férias em Araraquara, a gente via a fuligem da queima de palha da cana e chamava de balõezinhos. Corríamos pelas ruas de barro batido pra pegar e brincar de mãozinha-preta. E eu correria mesmo que os dedos estivessem todos esfolados. Visitava minhas primas que ficavam na casa da árvore na beira do lago, era engraçado, todas elas faziam de tudo, jogavam bola, empinavam pipas, até quando eu só estava preocupado com o episódio de Dragon Ball. Acho que por crescer vendo esse tipo de coisa nunca entrei nas frescuras de "isso é coisa pra menino ou pra menina". Acho que é o tipo de coisa para se passar para os filhos, hoje em dia até saiyajins tem cabelo rosé. 
         Teve uma vez em que eu estava apenas parado, vendo uma menina fascinada com a lua e o sol juntos. Nem era noite!. Eu me perguntava se eu parecia surpreso, ao menos, do alto de meus nove anos, não iria admitir ser impressionado por nada. Pelo menos não ali. Mas a que preço? Ninguém precisaria saber. A questão é, suponho ninguém se importe com isso hoje em dia. Tenho aqui pra mim que algo daquele tempo permanece. Esperei por anos que fosse surgir um estalo dizendo "agora tu és um adulto!" mas o estalo nunca chegou. Então talvez, simplesmente seja assim para todo mundo. Meio que uma infância compartida. Quando começou o penúltimo semestre da faculdade de Letras decidi registrar as lembranças de infância dos colegas da sala de aula. Passe muito tempo falando comigo e certamente vai ouvir em algum momento "isso daria uma música". Pedi que ninguém assinasse o nome e administrei as memórias como quis, ou como pude, o que vem a dar no mesmo. Por essa mesma razão, mantive a música da forma como foi apresentada no sarau da faculdade. Há quem diga estar por demais melancólica mas... reflete minha visão da passagem.

P.S: Repetindo a experiência da letra anos depois, o texto dessa semana é, também, composto de retalhos de memória coletiva. Então deixo o agradecimento a todos que me auxiliaram na pesquisa.

Da Infância
Turma de Letras UniSant’Anna 2011

Em quadrinhos vivia (sim) podia colorir o céu
As tardes de domingo como um bolo de mel
Uma dezena de moedas e eu fazia fortuna
Antes, depois da escola só brincando na rua

Me lembro que o dia durava um ano
Ele hoje se esvai, era a liberdade!
Só agora eu sei...

Inocentes conversas com amigos e amigas
As cortinas abertas, sem conhecer perigo
E como um passe de mágica: Tinha o que precisava
Tanto zelo a minha volta, nada me preocupava

Me lembro dessa vida que seguia sem planos
E ficou para trás
Sei a felicidade é não deixar passar
Não vamos nos perder de nós, o que fomos nos somos
Sei a felicidade é não deixar se perder


Respostas que foram usadas como base para a letra de 2011

4 comentários:

  1. Infância sempre estará marcada em nossas vidas!

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    1. Sábias palavras maestro Clovis, segue o blog! Toda semana surge algo. Obrigado pela visita!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Pena que seu comentário utilizou o manto da invisibilidade desaparecendo assim, obrigado por ter ajudado com as respostas.

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