“Se a preocupação com a técnica é inseparável do artista (Delcroze, 1925), o verdadeiro músico transforma inconscientemente tudo quanto acontece em manifestação de natureza sonora. Ele compõe obedecendo a um impulso inato, mas necessita sempre do conhecimento técnico para ”enformar” a emoção numa construção artística.” Da música, seus usos e recursos – Maria de Lourdes Sekeff – 2ª ed. Ver. E ampliada – São Paulo: Editora UNESP, 2007
Anjo Gabriel, do artista soteropolitano Enoque Cesar de Souza na Praça IV Centenário em Guarulhos, foto por Thales Salgado em 09/10/2019 |
Árvore da solidão (2011)
Letra e música: Thales Salgado
Árvore da solidão
Sonhava estrelas
Opacas, vibrantes:
Não podia tê-las.
Ir p'ra casa, um banho.
Parecia-lhe um plano estranho
Seus pés sempre presos ao chão
A chuva não mais vem
E nem a reza, lhe leva alguém
Para regar (para regar)
Ao longe avista galhos que um homem carrega
Esquecendo o direito que ela tinha a dizer "Não"
O canto das motosserras retalha a arvore da solidão
Dão lhe só o direito de se ver tornar carvão
Árvore da solidão
Sonhava estrelas
Opacas, vibrantes:
Não podia tê-las.
Ir p'ra casa, um banho.
Parecia-lhe um plano estranho
Seus pés sempre presos ao chão
A chuva não mais vem
E nem a reza, lhe leva alguém
Para regar (para regar)
Ao longe avista galhos que um homem carrega
Esquecendo o direito que ela tinha a dizer "Não"
O canto das motosserras retalha a arvore da solidão
Dão lhe só o direito de se ver tornar carvão
Quando
junho começou, passei a pensar em escrever um post sobre uma canção de 2011
chamada que versava sobre uma “árvore da solidão”. Revirando a caixa de
e-mails, verifiquei que encaminhei a demo pela primeira vez no dia 02/10, um
domingo, então, podemos considerar que ela foi composta naquele final de
semana.
Não
sei há exatamente quanto tempo ela estava escrita antes disso. Mas sei que
tentara uma série de melodias para aquelas palavras, infrutiferamente.
O
título do “álbum” seria Eclipse de Silêncios. Sabe aquelas coisas que você
pensa “isso soa bem” e tem que, estupidamente, interromper o que quer que
esteja fazendo para anotar? A ideia soava assim, “original”.
Uma
superficial consulta ao Google me fez descobrir em 2020 que tanto o poeta
Pedro Barão de Campos quanto o cantautor espanhol David DeMaría já mencionavam
o termo. Não existimos em um vácuo, portanto, isso não é nada de novo.No
fim das contas, nunca senti que as composições daquele período, entre 2011 e
2012, feitas entre o Mosaico de Estrelas e o álbum feito em parceria com Kariny,
respondessem a algum conceito maior:
Havia
desde letras de amigos meus, composições coletivas inspiradas no dadaísmo com
colegas no último semestre da faculdade, versos roubados, a até mesmo o
trabalho com autores desconhecidos. De modo que todas aquelas ideias possíveis foram
recombinadas sob o título De Tudo o Que Não Foi e mesmo o termo eclipse de
silêncios acabou por integrar a letra de HMK, apenas em 2013.
Contextualizada
a ausência de uma linha guia para as composições daquele ano, recordo que, em
parte, a letra dessa composição partiu da ideia de “também ter uma música com
árvore”. Tão somente, pensando em artistas que recorreram ao tema e eu estava ouvindo naquele período
consigo levantar três: Dave Matthews
Band e sua A canção The Dreaming Tree de 1998. A composição Dance ‘Round the Memory Tree, de
Oren Lavie (2008), que fez parte da trilha sonora do filme As Crônicas de Nárnia: Príncipe Caspian e, em alguma escala, o álbum Sometimes I Wish We Were An Eagle (2009) de Bill
Callahan em que cenários campestres surgem de quando em vez, seja em Jim Cain
(Comecei em busca de coisas ordinárias/Quanto de uma árvore enverga ao vento),
Too Many Birds (Muitos pássaros em uma árvore só), My Friend (Agora, não estou
dizendo que fomos cortados da mesma árvore), e All Thoughs Are Prey to Some Beast
(A águia olhou claramente através da árvore-cérebro).
Pode
ser, e aí estou entrando em terreno movediço pelos campos da memória, que a questões
como estas estivessem germinando de antes; historicamente, o período entre
agosto e setembro costuma registrar os números mais elevados de focos de calor,
incêndios e casos de queimada.
Ainda
que, naquele ano, não tivéssemos vivido um anoitecer precoce, como ocorrido em
2019, quando os efeitos da fumaça de queimadas na região amazônica puderam ser
sentidos bem longe da Amazônia, chegando a locais como São Paulo e Paraná, seria
exagerar dizer que notícias com a mesma temática estivessem rondando o período?Também
corrobora com essa impressão a menção nos últimos versos do “canto das motosserras”
um tributo à letra de Um Caminho Para o Céu, de Bruno Barduchi Oliveira, uma
vez que esta é, cronologicamente, a primeira composição musical que fiz. Há,
também, no verso que diz “ir p’ra casa, um banho” a tentativa de aproximar a
letra do cotidiano, flertando, brevemente, com uma ideia retirada de L’âge D’Or
que tinha, entre seus versos “Meu tornozelo coça/Por causa de mosquitos/Estou
com os cabelos molhados/Me sinto limpo”.
Obviamente,
um banho nada tem de estranho (a menos que se considere o plano do eu-lírico da
canção, que está imobilizado), mas, para quem passara o período entre 2007 e
2010 sempre escolhendo termos como “torpor eterno” e “descalabro” para compor as
letras, flertar com uma ação cotidiana era um avanço.
Foto do moleskine com a cifra referência para a gravação, mais simples, impossível. |
Nenhum comentário:
Postar um comentário