segunda-feira, 3 de abril de 2017

Zeca Baleiro - Piano e Violoncelo (Sesc Pinheiros)

"Ser totalmente compreendido é um pouco frustrante para o artista. É sempre a minha visão, com as referências que tenho, diante de outras. É um pequeno confronto" - Zeca Baleiro em entrevista ao Diário do Grande ABC em abril de 2012
Foto: Rama de Oliveira (Divulgação/SESC)
PRÉ-SHOW 

        - Alguém tem ingresso para o Zeca Baleiro?
A bela portando jaqueta jeans estampada Toy Story pergunta a um grupo repousando no granito polido. Duas dezenas menos cinco respondem num quase uníssono sorriso não, todos querem, aqui é a fila de espera. Casais, amigas, senhores. Espalhados pelo espaço haviam mais esperançosos. A atendente da bilheteria fora solícita: Se surgir alguém vendendo vocês ficam livres para comprar, o ingresso não é nominal.
         Tinha quem estivesse sentado tranquilamente, de cócoras, posição de lótus, Um imitava O Pensador de Rodin. A baixa temperatura motivava todos a retirar a elegância dos cabides. Cachecóis, sapatinhos de cristal. Há até um rapaz com uma jaqueta da CBF, artigo que vem se mostrando mais raro de encontrar pelas ruas dados os recentes casos de corrupção. Há quem coma pipocas e há senhoras carregando antúrios. Desocupado, decido passar o tempo praticando leitura orofacial. Os lábios de uma moça estão dizendo "pegue minha mão me leve para onde quiser" não é para mim que ela se dirige, é claro. E sim com o maranhense entoando em seus ouvidos, em suas mãos flores brancas, radiantes num buquê. Flores crescidas no asfalto? O livro de Leon Cakoff em minhas mãos não podia ser mais oportuno Ainda Temos Tempo.
         Dou o play em Era Domingo, mesmo sabendo ser sábado. Conheço a dor da espera por ingressos, fico na expectativa de que alguém da fila consiga entrar. Deixo que as rolantes me guiem ao Teatro Paulo Autran. Deixando de lado meu Cakoff ao ver A Rede Idiota e Outros Textos, coleção de crônicas de Baleiro para a revista Istoé. Como deixei passar? Seja como for, adquiro um exemplar para unir a meu Bala na Agulha. Aproveito o ensejo e pergunto se, por um acaso, Baleiro não ficaria para falar com o público ao final e a água fria do banho me pega. Falar com o artista, que quer dizer? 249 dias antes eu o encontrara na Livraria da Vila e entreguei uma cópia do texto falando de Era Domingo. Nunca descobri o que ele achou. Ainda temos tempo.

Zeca Baleiro - Violoncelo e Piano
          
Início do espetáculo do dia 01/04
         Acompanhado por Adriano Magoo, que revezaria entre o piano e o acordeon e Lui Coimbra, no violoncelo e vocais. Zeca Baleiro chega ao palco. É curioso vê-lo sem a presença de Tuco Marcondes e Fernando Nunes. No decorrer do espetáculo, Zeca cria diversos acompanhamentos percussivos com sua voz e um gravador com loop. A primeira canção é Me Deixa em Paz de Monsueto Menezes e Airton Amorim, imortalizada pelo Clube da Esquina. Esotérico, de Gilberto Gil, é cantada por muitos dos presentes. Canção de 1982, no ano de 2012 Gil comentou ao Correio Braziliense que a letra era "Uma tentativa de transpor a ideia do mistério divino, místico-religioso, para o campo do amor terreno; de desmistificar e humanizar a categorização do esotérico como algo inatingível, colocando-o como inerente à nossa natureza, à complexidade de nosso afeto". Seguida por Não Adianta do "maldito da MPB" Sérgio Sampaio, presença garantida nas apresentações do cantor maranhense que, em 2006, lançou o cd póstumo "Cruel" e já versionou canções como Tem que Acontecer e Eu Quero é Botar meu Bloco na Rua. 
         A quarta canção é Telegrama tornada um tango e cantada pelo público à plenos pulmões. Ao final, Zeca conta que, anos atrás, um condômino se recusou a participar de uma reunião de condomínio por saber que o compositor estaria presente. A alegação era a de o verso "mais solitário que um paulistano" tê-lo ofendido. Ele explicou à esposa do queixoso que não era pessoal, poderia ser um curitibano, belo-horizontino, era meio um elogio às avessas. Ainda falando da canção ele explica que numa participação no programa Afinando a Língua de Tony Bellotto, do canal Futura, o apresentador brincou que Zeca o atingia duplamente na letra da canção, tanto por falar do "paulistano" quanto pelo verso "mais bobo que banda de rock". A referência para o verso vinha da cena emocore que estava em evidência nos idos de 2002.
         Parceria com Fagner no álbum homônimo Uma Canção no Rádio é a quinta canção do repertório e então Zeca realiza sua versão para a canção Dia Branco de Geraldo Azevedo. Não conhecia a canção, embora, pela receptividade do público descobri ser um sucesso da música popular. Paralelas, de Belchior, é a sucessora. Parte do repertório funciona como uma viagem pela história da música brasileira que não se rende aos lugares comuns. Baleiro, então,traz aos holofotes o choro de Severino Araújo - e letra posterior, de Fausto Nilo - Espinha de Bacalhau. O cantor ainda realizou um curto solo com o que pareceu ser uma flauta de êmbolo. Baleiro conta que a visita de um casal de amigos com o filho o lembrou de uma canção que fizera chamada Papai e Mamãe com versos tais: 

Você gosta de brincar de cavalinho, mamãe também gosta
Papai também gosta
Deixa a gente brincar só um tiquinho
Deixa o papai brincar deixa a mamãe brincar de cavalinho

       Proibida pra Mim vem em um arranjo com acordeon e violão, encerrando com os versos do refrão de Zóio de Lula. Baleiro já contara ter sido convidado a tocar a música na cerimônia de casamento de Chorão com Graziela Gonçalves. A admiração de Zeca pela obra da banda Charlie Brown Jr. É conhecida há muito tempo. Bandeira vem para mim com um significado especial, por conta da música "eu não quero isso seja lá o que isso for" junto a "noves fora zero" se tornaram locuções constantes em meu cotidiano. O artista fala um pouco do surgimento do espetáculo Piano e Violoncelo que começou com Voz e Piano em Brasília em 2013 e foi repaginado em 2016 para concerto no Festival Mimo em Olinda no pátio do Mosteiro de São Bento. O formato permitiu experimentações, lados b, e a releitura de outros compositores. Ele abre o espaço para Adriano Magoo apresentar ao piano a composição Cinco e Meia em Maceió e em seguida Lui Coimbra assume o vocal em uma parceria com Baleiro: Ouro e Sol versão em português para Fields of Gold, de Sting. Baleiro releva que tem composto forrós pé-de-serra. Não é afeito ao "forró-novo" mas acredita que há de haver espaço para todos, afinal, na origem, Luiz Gonzaga também foi tratado como um marginal, um cantor menor e não o gênio da música que foi. Então, vai que um novo surge? Quase todos os seus causos são pontuados pelo riso do público, misto de seu bom humor satírico. Com Lui Coimbra tornando o corpo de seu cello uma zabumba e Magoo no acordeon ele aproveita o ensejo para apresentar um desses forrós bem-humorados:

Você prefere o Safadão
E eu tô mais pra safadinho
Você não perde o Domingão
E eu sou mais o Dominguinhos

         Baleiro descreve o que o levou a compor uma canção dedicada ao prédio do Instituto Tomie Ohtake num retorno ao apartamento próximo viu a paisagem do sol alaranjado e o céu azul no cinza e rosa. Então, ainda que seja fã da artista plástica, sua referência para a canção Tomie Ohtake foi o edifício. Seguindo o relato de sua paixão por nomes ele fala que há vinte anos, prestes a lançar seu primeiro álbum Por Onde Andará Stephen Fry? ele mal conhecia o trabalho do ator mas uma nota no jornal contando de um desaparecimento após ver as críticas negativas a uma peça o inspirou. A intenção era chamar apenas de "Stephen Fry" mas foi demovido pelo pessoal da gravadora, uma vez que dois nomes próprios poderiam confundir os ouvintes "E se o artista se chamar Stephen Fry e o disco Zeca Baleiro"? 
          A Capella vem Pastiche em homenagem à atriz Irene Ravache que estava na plateia e tem verso dedicado. O show vai se encaminhando ao fim com Quase Nada e. pressentindo o fim, o público começa a pedir uma série de canções. Zeca até brinca que eventualmente fará um show interativo com escolhas do público. Penso que poderia ser usado um aplicativo similar ao que a banda Capital Inicial usou em um show de sua turnê Acústico em NYC, em São Paulo, para que os fãs votassem o bis. Depois de ouvir uma série de pedidos para Toca Raul, Zeca a recita para o deleite dos presentes e reverência ao compositor mítico. Um de seus clássicos do álbum Líricas, de 2000, Babylon é recebida com empolgação. "Tirem as crianças da sala!" a canção é Suíte do Quelemeu definida por Baleiro como um clássico do chulo brasileiro, surgido das brincadeiras rua e adaptada por Tavinho Moura. A canção faz parte da trilha sonora do filme Cabaret Mineiro de Carlos Alberto Prates Correia. O espetáculo encerra com uma composição de 1982 do paraibano Vital Farias Ai, que Saudade d'Ocê, sucesso já regravado por diversos artistas como Elba Ramalho, Fagner e o próprio Zeca Baleiro. Quando os artistas saíram do palco o público ainda se postou reverente aclamando a presença de Irene Ravache. A segunda, das três noites em que se apresentou no Sesc Pinheiros, foi um sucesso! 

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