terça-feira, 8 de junho de 2021

Interescolar

    Uma das frases que mais citei nos últimos sete anos é "Atribuir um propósito superior a um lance qualquer da vida é construir uma ficção muito pessoal." É por ela já constar no texto que fujo do formato habitual do blog.
    Desde antes da leitura de Cordilheira de Daniel Galera, ainda me recordo da edição e conteúdo do Anticast 42 entrevistando o autor, em que conheci a frase. Terminei a audição já me intitulando admirador do trabalho dele, algo que foi se consolidando durante a leitura de seus livros, à exceção da Graphic Novel Cachalote e d'O deus das avencas, que será lançado este mês, mas divago.
    Na narrativa de alguém que quando criança, viu jovens de uniforme amarelo e uniforme azul aos sangues pelo simples ato de passar um na frente da escola do outro, ter amizade com pessoas de outras escolas parecia um ato revolucionário! Quase uma aventura.
    Há quem diga que nada havia de estranho, essas ramificações eram possíveis não por que houvessem rastros iluministas naquela juventude mas simplesmente por, tendo muitos deles cursado o fundamental I na mesma escola ser lógico que, apesar do afastamento motivado pelas rotinas, a convivência na infância permitir uma adolescência para além do ciclo de violência interescolar... O que sei eu?
    Fico contente de ter atendido com meu irmão o anúncio que falava em aulas de violão gratuitas aos sábados, no Programa Escola da Família. Esse foi um dos momentos que conduziu a este dia, em que dois alunos da E.E. Esli Garcia Diniz e dois alunos da E.E. Dr. René de Oliveira Barbosa se apresentavam juntos na E.E. Washington Luiz Pereira de Souza, na cidade de Arujá.

Da esquerda para direita:
bob no baixo,
 Fabio Kulakauskas no violão e vocal
 e Thales Salgado nos violão solo.

    Ao olhar no Google Maps, pode-se notar a proximidade entre as três escolas. Não era difícil trafegar este escaleno (que outras chances alguém de Humanas tem para falar em triângulos?) e, por isso mesmo, é muito fácil constatar o óbvio: a possibilidade de estas pessoas se encontrarem não era destino, era probabilidade. (Dr. Jack Shephard, parafraseio você!) Mesmo assim, que por um momento tenham escolhido unir-se com uma intenção e ideal era isso: uma escolha. 
    Parte dessa escolha partiu de algo para o qual, naquele momento, eu não tinha poder para alterar: a cidade em que cresci. No livro de Places of the Heart. The Psychogeography of Everyday Life, o neurocientista e psicogeógrafo Colin Ellard comenta que "as definições de dicionário mais austeras indicam que a admiração também pode abranger elementos de transcendência. Essas experiências nos levam a deixar os confins limitados do espaço corporal e nos encorajam a acreditar que nossa existência constitui mais do que apenas um batimento cardíaco dentro de uma frágil concha orgânica. Experimentamos uma sensação de existência ilimitada quando as fronteiras temporais e espaciais que nos prendem à realidade desaparecem repentinamente".
    Residindo em Guarulhos desde 2013, é em experiências assim que penso quando chega o dia 8 de junho, aniversário de Arujá. Há alguns dias vinha pensando acerca de qual música composta na cidade falar nesta data e, no fim das contas, mudei de ideia para reconfigurar este texto originalmente postado no Facebook com 200 palavras para as pouco mais de 500 que ele conta agora. Outras nuances, fotos, detalhes, menos síntese.

Nenhum comentário:

Postar um comentário