sábado, 17 de outubro de 2020

O tudo que digo

“Deuses Americanos tem cerca de 200.000 palavras, e eu tenho certeza que há palavras que simplesmente estão lá pois eu gosto delas. Eu sei que não poderia justificar cada uma delas.” – Neil Gaiman 
   A frase que inicia este texto é atribuída a Neil Gaiman. De acordo com a página da wikiquote em inglês ela foi dita em resposta a uma entrevista para a HarperCollins.com. Apócrifa? Talvez. Em minha breve pesquisa pela rede, encontrei diversas menções à frase, mas não a entrevista. Ela faz sentido com a letra presente neste post, assim como a frase de Gaiman que encontrei no site brainpickings.org e não consegui verificar a fonte: 
“Se você vai escrever apenas quando está inspirado, você pode ser um poeta bastante decente, mas você nunca será um romancista – pois você precisará atingir sua contagem de palavras hoje, e essas palavras não vão esperá-lo, esteja inspirado ou não. Então, você precisa escrever quando não está “inspirado.” (...) E o estranho é que seis meses depois, ou um ano depois, você irá olhar para trás e não vai conseguir lembrar quais cenas você escreveu quando você estava inspirado e quais cenas você escreveu porque elas precisavam ser escritas”. 
   Este é um texto que “precisava ser escrito”: há seis meses, emprestei o título do 73º episódio de Lost para falar que o blog estava n'O Início do fim por esforço ou serendipidade, pelo menos dez posts seguintes
foram sobre músicas que não estavam “na programação”, afinal, não foram escritas entre 2007 e 2013. 
    No entanto, falar sobre estas composições deste período ainda é parte da razão de ser deste blog e O tudo que digo, foi escrita em 2009.



O tudo que digo (2009)
  
Elite de toda inspiração 
Constante em minha canção 
Menina, napolitano talismã 
Bela tela em meu ateliê 

Tudo o que sinto por ti é lei 
E o que digo por ti é lei 
Tudo o que sinto por ti é lei 
Tudo o que digo por ti 

Altiva moça a me observar 
Etílico elixir, vou tomar essa 
Lícita emoção, tulipa 
Em porta de meu coração 

Tudo o que sinto por ti é lei 
E o que digo por ti é lei 
Solitude de mim afastou-se 
Quando encontrei você 

Que não gele, não vele, me zele 
Embeleze, me leve, tua imagem me anuvia 
Sina, amor, minha menina, sorriso 
Anjo a cuidar de mim

  Esta é uma letra das letras que “sei que não poderia justificar cada palavra”. Conceitualmente, ela é parte da safra inspirada pelo monólogo aliterativo da personagem título de V de Vingança, como é um trecho de Para Contato (Marte), de 2007 e AcaryeCarina também de 2009. 
   Outra influência parte das letras de Zeca Baleiro que tinha lançado os dois volumes d’O Coração do Homem Bomba em 2008. Há exemplos como Pastiche com rimas tais “Tive uma oficina de desmanche/No carnaval saio na tribo apache/Fiz uma ponta no filme ‘A Revanche’/Contracenei com a Irene Ravache”. 
    Essa composição não carrega o mesmo bom humor. A diversão, no geral, é um aspecto pouco abordado em minhas composições, talvez, por eu ser o tipo de pessoa que “se leva a sério” demais. Ainda assim, há palavras que eu simplesmente quis usar: elixir, anuvia, sina, talismã, napolitano. 
     Esta última palavra, inclusive, se deve a um termo mal-entendido da canção Shooting Star, primeiro encerramento da série Cybercops, cantada por Mika Chiba e com letra de Shun Taguchi, e composição e arranjos de Yuji Toriyama. No pré-refrão, é cantado ‘Mamoritai’ (守りたい), quero proteger, em livre tradução. Ouvindo com meus irmãos na transmissão da Rede Manchete nos anos 90, entendíamos “napolitaki” ou algo similar, o que criou um vínculo com essa palavra devido a repetição, e a posterior vontade de usar o termo. 
    A tulipa surgiu da ideia de ampliar o conceito floral nas letras. Se em 2007 havia girassóis, em 2008 a tulipa entrou no panteão, posteriormente surgiriam orquídeas e azaléas. Cada qual surgindo ou representando algo distinto. 
   Isto posto, é uma das canções com a qual tenho algum atrito hoje. Não que todas as composições precisem contar uma história, ter uma narrativa, mas uma canção construída ao redor de ‘palavras soltas’, me parece vazia. 
     Uma canção, não é apenas a letra é a melodia e há um motivo cíclico repetido de formas diferentes durante a melodia. A mão direita dita muito o tom. Talvez, este seja um dos motivos que levaram bob a descrevê-la em setembro de 2020 como tendo “uma pegada animal” com uma “parte rap/mpb”, mesmo que eu, o próprio compositor, não seja capaz de enxergar isso. Talvez, as músicas se construam pelo olhar e perspectiva “do outro”, “do receptor” e não do emissor. Seja como for, agora esta canção está aqui, no registro de voz de meus dezenove anos. 

P.S. O registro foi mantido mais pela dificuldade que tive em ensaiar o canto que por motivos históricos, é sempre bom lembrar. Como componho algo que não consigo cantar? Há mistérios não tão doces.

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