sábado, 10 de julho de 2021

Letra sobre um evento lembrado.

 “Nascer leva tempo”.  Satolep, de Vitor Ramil, Editora Cosac Naify, 2008

No Banana’s (2020)
Letra e música: Thales Salgado

Três mil
Duzentos e noventa dias
Nos separam
Daquela fotografia

Instrumentais
Canções, assim se dizia
E o cantar
Com a melhor companhia

Era só vida
Se enlouquecia
Ao suco de maracujá

No Banana’s

“¡Los brasileños le gustan Banana’s!”

    Horas atrás, vi surgir em uma de minhas timelines uma foto foi adaptada pela multiartista Isabella Proença na ilustração para A Equação do Hiato em 2020. Ela retrata um evento ocorrido há dez anos e dois dias atrás, uma pequena reunião no karaokê de, como diria Lenine: gente bacana, amigos e o pretexto era fazer cantar música.

    Entre os registros visuais de tal dia, também surgiu a foto que utilizei para ilustrar o texto sobre a canção Solipatria, isso para manter tudo em apenas dois exemplos. Foi também inspirado nesse evento que nomeei, para o Mosaico de Estrelas, uma faixa instrumental Passiflora Edulis.

    A foto me colocou a pensar nas memórias episódicas, termo que ganhou popularidade após o início da pandemia. Coincidência ou não, esta semana ouvi o décimo episódio do Podcast Todavia em que entrevistam a doutoranda Glaupy Fontana acerca do tema. O programa me levou a seu texto “Continuísmo e Descontinuísmo em Mental Time Travel: A relação entre Memória e Imaginação” na esperança de encontrar um trecho que eu pudesse usar para abrir este texto, o que, apesar dos conceitos curiosos para alguém que lida com o tempo apenas na esfera do tempo comum, não aconteceu.

    Pensei, então, no livro O perigo de uma história única, de Chimamanda Adichie, adaptação da primeira fala da autora em um TED Talk em 2009. Sob o prisma de que posso falar apenas de meu lado da história. Não imagino quem foi que decidiu criar o evento, se a elucubração demandou muito tempo, como decidiram quem seria convidado, se os convidados poderiam estender o convite etc. Meu conhecimento se deu bem pouco tempo antes, como fica demonstrado no registro que pode ser encontrado em meu e-mail:

    Olhando hoje, ainda seja um episódio marcante, não consigo lembrar sequer uma música que eu tenha cantado na ocasião. Caso eu me ancorasse apenas nas palavras de minha versão dez anos mais jovem e não tivesse registros fotográficos empunhando um microfone eu poderia crer que sequer o fiz. De posse do Moleskine utilizado na ocasião, posso até transcrever palavra por palavra de alguns dos pensamentos que tive durante parte do evento. O que não quer dizer que eu me reconheça nestas palavras. Digamos que seja uma tentativa fugidia para citar a Autopsicografia de Pessoa e paremos por aí.

    Tendo apenas a história única de minha memória episódica, lembro como, ao ver a foto no ano passado, fui tomado por um impulso de compor uma música que encapsulasse a sensação daquele dia, com uma alegria que, naquele ano, eu não conseguia manifestar. Ainda que Estela tenha replicado em um chiste que a música foi composta apenas para jogar na cara dela a passagem de tempo em que ela não havia escrito, para mim, não se tratava disso e, tenho aqui para mim, que ela lá já soubesse disso. 

    O tema “canções alegres” sempre orbitou nossas conversas quando passamos a dialogar regularmente e, por razões que me escapam, sempre foi uma área na música em que não consegui atuar com desenvoltura. Como a melodia surgiu de improviso, não parei para pensar em que encadeamento de acordes estava trabalhando, é capaz até que ela seja um arremedo de parte da canção Plain Letters, da cantora e compositora americana Madison Cunningham.

    Hoje, já são três mil seiscentos e cinquenta e cinco dias após a letra, de modo que, posso dizer que, como muitas composições que fiz, está “datada”. Mesmo assim, e, ainda mais, se tratando de uma canção com ares de vinheta, composta para replicar a um comentário, penso em como é uma memória importante. Ainda mais em um período que as memórias episódicas estão tão prejudicadas por não termos uma marcação nítida de tempo e espaço pela semelhança dos dias. Quem sabe no futuro, possa haver outras fotos dignas de promessas para recorrência? O tempo dirá... ou, como costuma fazer, não dirá nada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário